sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

União dos sonhos
Se de fato avançar, zona de livre-comércio entre EUA e União Europeia criará bloco capaz de rivalizar com a China, mas vai demorar
A perspectiva de uma zona de livre-comércio que reúna os Estados Unidos e a União Europeia não passa por ora de uma ideia ambiciosa. Se um dia vir a luz do sol, o maior bloco econômico planetário passará por longa gestação.
As negociações para chegar a um acordo, tal como antevisto pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e pelo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, deveriam terminar até 2015. Se bem-sucedido, produziria um Leviatã responsável por um terço do comércio do mundo, hoje, embora seus habitantes representem pouco mais de um décimo da população global.
Sem dúvida estaria criado um polo capaz de rivalizar com o dragão chinês, cuja economia, segundo algumas projeções, deve ultrapassar a dos EUA nesta década. Mas o próprio Barroso prevê que o PIB da UE ganharia modesto 0,5% com o tratado -por coincidência, a cifra empata com o ritmo de queda observado na economia europeia no último trimestre de 2012.
Haveria incremento total de US$ 180 bilhões, em cinco anos, à riqueza produzida dos dois lados do Atlântico Norte. O valor relativamente modesto decorre do fato de que tanto UE quanto EUA aplicam tarifas já muito baixas em seu comércio bilateral; reduzi-las a zero não traria tanto ganho assim.
E, com certeza, isso não aproximaria o superbloco da hiperatividade da China, onde o PIB se expande à taxa de 8% anuais mesmo em tempos de crise. A economia mundial seguiria em duas velocidades: a passo acelerado em países emergentes e devagar, quase parando, em nações desenvolvidas.
Se não tem potencial para sincronizar as marchas desses polos, a pretendida zona de livre-comércio concentraria nos EUA e na UE o poder de mercado conferido pelo volume. Normas legais e padrões sanitários que adotassem se transformariam de pronto em padrão.
Pois é aí, justamente, que se concentram os empecilhos para que a união se forme no prazo cogitado.
Americanos e europeus vivem às turras, há décadas, por subsídios à indústria aeronáutica, transgênicos na agricultura, hormônios na pecuária e uma infinidade de questões. Não será em dois anos que tais diferenças desaparecerão.

    EDITORIAIS
    editoriais@uol.com.br
    Delação contestada
    Ainda controverso, o instituto da delação premiada -pelo qual um criminoso pode obter redução de pena se denunciar comparsas- teve em 2012 um de seus anos de maior repercussão na opinião pública desde que foi adotado no país, na década de 1990.
    A ferramenta chegou a ser cogitada em casos célebres como os de Marcos Valério de Souza, operador do mensalão, e Paulo Vieira, apontado pela Polícia Federal como líder de tráfico de pareceres no governo federal. No de Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, ex-aliado do goleiro Bruno, foi de fato empregada.
    É surpreendente que até hoje o mecanismo não tenha sido devidamente regulamentado -tanto mais por se tratar de instrumento polêmico, criticado por boa parte dos advogados criminalistas.
    Os questionamentos à delação premiada são sobretudo de ordem moral. Argumenta-se que o Estado não deveria estimular a deslealdade, oferecendo recompensa a um criminoso e, ainda mais, traidor.
    Entende-se a repulsa que tal comportamento pérfido ocasiona na maior parte das pessoas, mas ao Estado cabe privilegiar o combate ao crime organizado, não a ética entre delinquentes.
    Não são poucos os exemplos de grandes redes criminosas que só foram desbaratadas graças à delação premiada. Para não ficar em experiências internacionais -como a luta contra a Máfia, nos anos 1980, na Itália-, relembre-se o mensalão do DEM, esquema de corrupção que envolveu o ex-governador José Roberto Arruda (DF) após delação pelo ex-secretário Durval Barbosa.
    Trata-se, sem dúvida, de dispositivo útil demais para ser descartado. Mas, justamente para preservar seu valor e assegurar que seu uso resulte em benefícios para a sociedade, é preciso haver regras claras sobre as circunstâncias em que o réu poderá lançar mão da delação premiada.
    Torna-se fundamental que o Congresso aprove uma lei sobre o tema, para reunir em uma peça única as normas hoje dispersas em diplomas pouco conexos.
    Questões procedimentais precisam ser resolvidas, como a proporção entre a colaboração e o benefício obtido, o momento em que a delação pode ser usada pelo réu e a obrigatoriedade de expor seu conteúdo no processo.
    Além disso, é preciso garantir que as delações sejam sempre submetidas a contraditório, e as informações, oferecidas de maneira voluntária. Não pode haver espaço para nenhum tipo de abuso.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário