Guerra no Mali evidencia questões econômicas de novo imperialismo
PARA HISTORIADOR, DISCURSO HUMANITÁRIO DA FRANÇA MASCARA RAZÕES FINANCEIRAS
A análise é do historiador Elikia M'Bokolo, 68, diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris e professor da Universidade de Kinshasa (Congo). Ele vê um "novo imperialismo", no qual as potências europeias precisam lidar com o apetite de emergentes como a China.
Bokolo, congolês especializado em temas do pan-africanismo, diz que a crise no Mali pode se reproduzir com a mesma violência nos países vizinhos. Para ele, a guerra também é consequência da "estupidez do Ocidente" ao derrubar Muammar Gaddafi, ex-ditador da Líbia, em 2011.
Elikia M'Bokolo - É fluida e incerta. A ação francesa é uma intervenção de uma antiga potência colonial. Tem uma imagem negativa para os africanos e malianos.
Quais as causas do conflito?
Há várias razões. A primeira é que essa região é muito instável, com uma população nômade. Esta teve um papel histórico muito importante no passado, fazendo as trocas entre a África negra e a África árabe, mediterrânea.
Com as fronteiras impostas no período colonial, a população se fracionou em muitos Estados. É um primeiro ponto de descontentamento. Essa população sonha em refazer uma junção territorial, com liberdade de movimento.
Quais são as outras razões?
Depois da colonização, o novo poder africano reteve a lógica territorial colonial. Toda essa população, considerada periférica e marginal pelas potências colonizadoras, hoje reivindica uma situação política e social melhor.
E há o apetite das potências capitalistas por essa região desértica. É sabido já há algum tempo que ela tem petróleo, gás natural, urânio.
Qual a razão mais importante?
O Ocidente enfatiza o lado étnico, religioso, de instabilidade. Nada fala sobre a economia, os recursos naturais. Esse é o lado importante. As grandes empresas francesas estão na África. A maior parte da eletricidade das centrais nucleares francesas é obtida com urânio africano.
A França fala da ação de radicais, da Al Qaeda. É ficção?
Não é tudo ficção. Mas no Mali o islã sempre foi moderado. Consumo de álcool, por exemplo, é permitido. O islã não é uma razão importante [do conflito], mesmo que haja muçulmanos cujo ponto de vista é extremista, da Al Qaeda ou de outros grupos. Não se pode transformar isso numa guerra cultural e religiosa.
A França diz haver ameaça.
A França tem posição ambígua sobre a África. Mesmo um presidente socialista como François Hollande adota esse discurso civilizatório, de que há risco, violação de direitos humanos. Tudo é discurso para a opinião pública. As questões são mais complexas. O governo francês joga em duas linhas: a ideológica, quase moral, e a econômica, em defesa de seus interesses.
A França tem o direito de intervir no Mali?
Não.
É certo considerar que há uma guerra imperialista em curso?
Sim. A África hoje é o continente que tem mais recursos naturais, e os países europeus querem essas riquezas.
E os chineses?
O grande medo do Ocidente é que eles ponham as mãos nesses recursos. Para que a China não esteja lá, uma série de práticas se multiplicam.
Uma delas são as intervenções chamadas de humanitárias. Há o estímulo a guerras civis, para que ocorram situações em que as empresas ocidentais possam usar esses recursos. A guerra econômica avança mascarada. Falamos todo dia de guerras étnicas, humanitárias. Mas as questões são econômicas.
É um novo imperialismo, no qual o velho imperialismo ocidental tem de lidar com o apetite dos emergentes.
Como é esse imperialismo, comparado ao do século 19?
No século 19, as potências não conheciam os recursos do subsolo. Hoje conhecem. Sua tática é dizer que a África em geral pertence ao Ocidente. E que a China -e depois Índia, Paquistão, Turquia, talvez o Brasil- não tem nada a ver com a África. Isso pode até desandar num conflito de caráter mundial entre a China e as velhas potências.
Isso seria possível?
Não acho imediatamente possível, mas não estou convencido de que é impossível.
O conflito está relacionado com a derrubada de Gaddafi?
O regime de Gaddafi representava um ponto de estabilidade na África do Norte, mas também era a passagem entre a África subsaariana e a mediterrânea. Derrubando Gaddafi e improvisando essa situação supostamente democrática -mas que não representa ninguém-, destruíram o Estado da Líbia.
As armas sofisticadas, os veículos militares estão nas mãos de grupos armados, que sabem que ninguém controla essa região há muito tempo.
A guerra do Mali é fruto do afundamento do regime de Gaddafi e da estupidez do Ocidente. O que se passa ali hoje pode se reproduzir amanhã com a mesma violência no Níger, na Mauritânia, e ninguém pode controlar isso.
Como reage a população?
A população do Mali é muçulmana e pratica um islamismo muito moderado. A presença dos tuaregues [nômades] nesse conflito é um risco extremamente grave. É particularmente sério o que já começou a ser visto em um certo número de vilas -há assassinatos de tuaregues. Isso pode se enraizar na região.
E a solução das armas não é a verdadeira. A solução é política, democrática: uma nova forma de Estado, descentralizado, para que a população dividida pelas fronteiras coloniais se organize e torne possível a integração.
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