sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Igreja precisa de pontífice 'mais pastor que professor', diz Boff

folha de são paulo

Teólogo brasileiro conviveu com papa, mas acabou punido por ele
PATRÍCIA BRITTODE SÃO PAULOPara o teólogo e ex-frade brasileiro Leonardo Boff, 74, Bento 16 foi um papa frustrado, que tentou reduzir a igreja a um "museu".
Durante seus estudos na Universidade de Munique, na Alemanha, nos anos 1960, Boff conviveu com Joseph Ratzinger, com quem conversava sobre teologia.
Em 1985, foi surpreendido quando a Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano, então presidida por Ratzinger, o puniu com um ano de silêncio obsequioso, a proibição de falar em público e de publicar suas ideias. Em 1992, desligou-se da ordem franciscana.
Expoente da Teologia da Libertação, linha que une princípios do catolicismo ao marxismo, hoje Leonardo Boff se diz aliviado com o anúncio da renúncia de Bento 16.
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Folha - O senhor conviveu com Joseph Ratzinger antes de ele se tornar papa. Como era a relação entre vocês?
Leonardo Boff - Conheci Bento 16 nos meus anos de estudo na Alemanha, entre 1965 e 1970. Ouvi muitas conferências dele. Trabalhamos juntos na revista internacional "Concilium", entre 1975 e 1980. Enquanto os outros faziam sesta, eu e ele passeávamos e conversávamos sobre temas de teologia. Como pessoa, é finíssimo, tímido e extremamente inteligente.
Ficou surpreso quando ele lhe impôs o silêncio obsequioso?
Quando ele foi nomeado presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, fiquei sumamente feliz. Quinze dias após, ele me disse: "Vejo que há várias pendências suas aqui". Aí eu me dei conta: ele já foi contaminado pelo bacilo romano que faz dos que lá trabalham moderados e conservadores. Fiquei, mais que surpreso, decepcionado.
Como avalia o pontificado?
Bento 16 foi um eminente teólogo e um papa frustrado. Esse papa tentou reduzir a igreja a um museu de antiguidades.
Reintroduziu o latim na missa, escolheu vestimentas renascentistas, manteve hábitos palacianos para quem iria comungar. Oferecia primeiro o anel papal para ser beijado e depois dava a hóstia, coisa que já não se fazia.
O senhor ficou aliviado quando ele anunciou a renúncia?
Desde o princípio, sentia muita pena dele, pois pelo que o conhecia, especialmente por sua timidez, imaginava o esforço que devia fazer para saudar o povo, abraçar pessoas, beijar crianças.
Embora tenha se mostrado autoritário, não era apegado ao cargo. Fiquei aliviado porque a igreja está sem liderança que suscite esperança e ânimo. Precisamos de um outro perfil de papa, mais pastor que professor.
A igreja precisa se modernizar para evitar a perda de fiéis?
A igreja pode manter as suas convicções, como a questão do aborto e da não manipulação da vida. Mas deveria renunciar ao status de exclusividade, como se fosse a única portadora da verdade.

    FRASE
    "Desde o princípio, sentia muita pena dele, pois pelo que o conhecia, por sua timidez, imaginava o esforço que devia fazer para saudar o povo, abraçar pessoas, beijar crianças"

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