quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Fernando Brant -O Conde da Boa Morte‏


Estado de Minas : 27/02/2013 


Andava pela cidade vestido de negro. Dizia que sua cama era um caixão. Era poeta e, além de circular pela metrópole, ia às escolas. Lembro-me dele visitando o Colégio Estadual, desfilando seus trajes, seu palavreado erudito, suas criações poéticas. Leio nos jornais que seu nome era Joviano Martins Soares Filho e que foi achado morto, aos 83 anos, deitado no sarcófago que lhe servia de leito.

Fico sabendo que publicou seu primeiro livro, Rosas do meu altar, em 1955, encorajado pelo então governador Juscelino Kubitschek. Em 1963, época em que o via pelas ruas de Belo Horizonte, lançou A dança dos espectros, que resultou em comparações de sua obra com a de Augusto dos Anjos.


É do mesmo ano, mas só conheci algum tempo depois, o filme de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, À meia noite levarei a sua alma, que fui assistir por curiosidade, e até gostei, depois que um crítico do jornal Correio das Manhã, Salvyano Cavalcânti de Paiva, escreveu que aquele filme era a maior obra-prima do cinema.


No mesmo jornal, outro crítico louvou o primeiro filme dos Beatles, Os reis do iê iê iê, de Richard Lester. O filme e o diretor me levaram a me encantar com a música dos quatro garotos de Liverpool. A crítica de Sérgio Augusto foi mais exata , menos exagerada e me serviu mais.


A morte do Conde me traz recordações de um tempo em que estudei num colégio público de alto nível, que formou uma geração de mineiros que se destacariam ao longo de suas vidas. A tradição do Estadual vinha de longe, de quando era o chamado Ginásio Mineiro. Enquanto o Boa Morte mexia com a imaginação dos cidadãos, o professor Altimiras nos fazia, em suas aulas de latim, dominar melhor a língua portuguesa.


O jovem poeta Affonso Romano de Sant’Anna ensinava e se surpreendia com o conhecimento de alguns de seus pupilos. Era uma troca em que todos ganhavam, os que tinham seu rumo traçado e as jovens promessas que despontavam. O mesmo acontecia nos cursos de exatas e biológicas. Muita gente boa andou pela rampa e pelas salas do Colégio Estadual.
A visão que tenho do poeta agora morto é de um tempo em que a ditadura militar incentivada por civis não se estabelecera no país. Na Avenida Afonso Pena, ainda toda coberta com seus belos fícus, estudantes de engenharia, talvez sem coragem de abordar as moças que passavam, contratavam a Lambreta, mendiga querida por todos, para que perturbasse a passagem das flores mineiras.


O Edifício Maletta, com seus bares e restaurantes frequentados por professores, estudantes, jornalistas, escritores, artistas plásticos, músicos e cineastas, fervia todas as noites
Belo Horizonte era uma cidade que respirava juventude, cultura e liberdade.

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