ALFREDO SIRKIS
Avesso do avesso
É preciso "desfetichizar" os partidos. Vamos formar uma rede e agregar bons quadros dispersos. Ingenuidade? Não, se considerarmos a alternativa
Paradoxo: no momento em que cogito seriamente encerrar, ao final deste mandato, a minha atuação parlamentar e eleitoral, envolvo-me de novo na fundação de um partido. Dessa vez, com Marina Silva.Há 27 anos, fundei o PV junto com Fernando Gabeira, Carlos Minc e Herbert Daniel. Redigi seu manifesto e programa. Presidi-o oito anos. Fui, quixotescamente, seu candidato presidencial em 1998.
Não vou aqui tratar da crise do PV. Basta dizer que ele foi, como o PT, "fagocitado" pela cultura política brasileira, produzida por um sistema eleitoral hiperindividualizado. Nele, política é sinônimo de carreira profissional e cada político, uma instituição à qual são devidos "espaços": cargos na máquina pública, verbas e benesses variadas, quando não mensalões e outros que tais.
Desconfio da capacidade saneadora dos repetidos escândalos na mídia. Lembram a dança das cadeiras. A música para e alguém fica sem lugar: é o Judas da vez e a dança continua.
Fique claro que considero positiva e necessária a exposição e a condenação -até com suas eventuais injustiças e bodes expiatórios. Mas verifico que, por si só, não mudará a cultura política de um país cujos vilões -que amamos odiar- não caíram do céu. Foram eleitos. E, desculpem, quem votou neles, em geral, sabia quem estava elegendo...
Apresentei na Comissão da Reforma Política uma detalhada proposta de voto distrital misto plurinominal (em grandes distritos) com financiamento público. Acredito que poderia melhorar alguma coisa reforçando programaticamente os partidos, valorizando lideranças com voto e limando o "baixo clero". Reduziria o custo hoje absurdo das campanhas eleitorais, a influência do poder econômico e o constrangimento dos honestos em correr atrás de doações de campanha, ainda que incondicionais.
Dificilmente acontecerá. Os beneficiários do sistema atual, com seus "centros assistenciais" e compra de cabos eleitorais, resistem com total eficácia.
Há um divórcio radical entre a opinião pública e a maioria hegemônica do Parlamento, quase imune a esses escândalos que pouco influenciam seus eleitores, direta ou indiretamente comprados.
Nesse preciso momento, desolador, de uma democracia que avançou econômica e socialmente, mas que politica e institucionalmente segue subdesenvolvida, um punhado de "sonháticos" retoma um trabalho de Sísifo.
Reunidos em torno de uma liderança que teve 19% dos votos, mas que não conseguiu plasmar isso na grande correlação de forças pós-eleitoral de 2010, nos empenhamos em mobilizar jovens e outras gentes ainda com esperança de mudar o Brasil na direção da sustentabilidade ambiental e ética.
Pretenciosa e inútil ingenuidade? Não, se consideramos a alternativa: não fazer nada, deixar como está, evitar abrir esse canal de participação política novo para os que anseiam por algo diferente.
É preciso, no entanto, "desfetichizar" esse instrumento, o partido, ainda que ele seja necessário para quem se propõe a intervir na política eleitoral-institucional da nossa imperfeita democracia.
O instrumento mais estratégico será uma rede, criada paralelamente. Ela será capaz de promover e ajudar bons quadros dispersos numa pluralidade de partidos, em posições governamentais, na sociedade e nas empresas, que queiram trabalhar a favor de certos princípios éticos e programáticos.
Partido: concentração. Rede: dispersão. Nossos instrumentos para virar pelo avesso o avesso que vivemos.
LEÃO SERVA
TENDÊNCIAS/DEBATES
Cidade Limpa: de fios, minhocões e Maluf
Só um prefeito biônico poderia submeter os cidadãos a tanto barulho e poluição, gerados por uma via monstruosa colada em suas janelas
É incrível como a carnavalização faz pobres se vestirem de reis, ricos se andrajarem, homens livres se fantasiarem de presidiários e Paulo Maluf ressurgir na cena pública, no único país do mundo onde pode aparecer sem ser preso pela Interpol, para argumentar contra os fatos.Em artigo na Folha ("Vamos salvar o elevado", em 8/2), o ex-prefeito defendeu o Minhocão, paradigma de suas obras faraônicas, assim como a avenida Roberto Marinho, esta que alimentou saldos bancários no exterior, agora prestes a serem repatriados por decisão da Justiça (estrangeira).
Não é o trânsito, estúpido! A verdade histórica comprova que, com Maluf, fazer a obra era o meio, enquanto as contas no exterior eram o fim. O Minhocão (anos 70) já congestionava dois anos após a inauguração; a Nova Faria Lima (anos 90), menos de dois meses depois. A Roberto Marinho idem. Se era para resolver o trânsito dos carros particulares, as obras de Maluf fracassaram. Se era para movimentar contas em Jersey, pelo menos uma delas foi bem-sucedida.
O Minhocão recebeu o nome oficial de elevado Costa e Silva, dado para bajular um ditador militar. O povo logo constatou a futilidade da obra, ressaltando que a via ligava a praça Roosevelt, no centro, ao escritório da Eucatex, da família Maluf, na avenida Francisco Matarazzo.
O monstrengo viário que o ex-prefeito defendeu na Folha, na véspera do Carnaval, foi a maior tragédia urbanística da cidade em muitas décadas. A começar pelo nome oficial, passando pela poluição (visual, auditiva e do ar), tudo enfiado pela goela dos moradores de uma área que era uma perfeita miniatura da pluralidade e da democracia social paulistana.
Só uma ditadura podia impor um prefeito biônico a uma capital brava como São Paulo. Só um prefeito biônico poderia submeter dezenas de milhares de cidadãos a tanto barulho e a tanta poluição, gerados por uma via monstruosa a poucos metros de suas janelas.
Embora a indignação popular tenha sido imediata, só em 1975, no início da "abertura lenta, segura e gradual", a TV Globo pôde veicular a novela "O Grito", de Jorge Andrade. Todo o país viu, então, as agruras dos moradores de um prédio submetido à construção do malfadado Minhocão à sua frente.
Quando o prefeito Kassab criou o projeto Cidade Limpa, em 2006, dizia que a obra só estaria completa quando fossem enterrados os fios elétricos que poluem nosso visual. Depois, lançou um projeto, em tramitação no Legislativo, para criar uma avenida paralela ao Minhocão, sobre os trilhos da antiga Fepasa, que faça uma ligação mais longa e larga entre as zonas leste e oeste, permitindo a derrubada da herança malufiana. Assim o combate à poluição visual estaria completo.
Deve ser porque não pode por os óculos fora do Brasil, para não ser preso, que Maluf ficou tão desatualizado. Ele diz que "há elevados em todas as grandes cidades do mundo e ninguém pensa em derrubá-los". Em verdade, estão caindo.
Neste mesmo 2013, milhares de paulistanos podem visitar o Highline, de Nova York, via elevada transformada em jardim; ou conhecer o "Big Dig" de Boston, onde o minhocão foi "enterrado"; ou irão a Seul, que eliminou de uma só vez duas obras ao estilo malufista: derrubou um minhocão e descanalizou um rio urbano ao lado.
Lendo a história recente da cidade e do noticiário político-policial, vê-se que São Paulo só será realmente uma cidade limpa quando se livrar dos fios e do Minhocão, mas também -por que não dizer?- de Paulo Maluf.
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