quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Que museu é esse? -Sérgio Rodrigo Reis

Pesquisa revela que Circuito Cultural da Praça da Liberdade ainda é pouco conhecido pelo público de Belo Horizonte, que cobra mais divulgação sobre as atividades desenvolvidas nos espaços 


Sérgio Rodrigo Reis

Estado de Minas: 27/02/2013 


A população de Belo Horizonte ainda não conhece o Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Também se confunde com a proposta do projeto, criado em 2010 na capital, fruto da parceria público-privada e com o objetivo de transformar antigas secretarias do estado em museus e centros culturais. As conclusões são de uma recente pesquisa encomendada pelo próprio governo, e que, em vários aspectos, reafirmam as principais críticas que vêm sendo levantadas, nos últimos anos, por setores ligados à cultura e ao turismo.

Nem mesmo a intensa propaganda e os recursos investidos no projeto na tentativa de transformá-lo “no maior complexo cultural do país” surtiram o efeito esperado. Para o cidadão comum que circula pela Praça da Liberdade, a região continua mais ligada ao lazer, às atividades esportivas e até ao artesanato (por ter sido durante anos o local onde ocorria uma feira), do que referência da nova proposta de ocupação cultural. Apesar de já contar com oito centros culturais em funcionamento – Arquivo Público Mineiro, Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, Centro de Arte Popular da Cemig, Espaço TIM UFMG do Conhecimento, Memorial Minas Gerais Vale, Museu das Minas e do Metal, Museu Mineiro e Palácio da Liberdade –, a proposta ainda não se consolidou de acordo com os resultados do trabalho.


A pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi ouviu mil pessoas. O objetivo foi avaliar o conhecimento, as percepções e opiniões da população sobre o projeto do Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Além disso, foram investigadas a importância da ação para Belo Horizonte, o reconhecimento da marca e o que as pessoas esperam de um circuito com aquelas características. Somente um terço dos entrevistados acertou o nome do lugar e 67% dos pesquisados só o estavam ouvindo no momento da entrevista. Não é difícil encontrar, na própria Praça da Liberdade, quem desconheça a proposta, tampouco quem reclame da falta de divulgação e da sinalização adequada das atividades dos museus e centros culturais.

Reclamações “São pouco conhecidos. Aparentemente, é como se estes centros culturais fossem feitos para um grupo de pessoas apenas. Não para todos. Quase como um Palácio das Artes. Não acho que a população em geral se sinta à vontade aqui”, avalia a bancária Glaucimary Nascimento. Para a pedagoga Amanda Marçal, o principal problema é a falta de divulgação. “Não vejo a divulgação chegando às massas. As propagandas são feitas, mas num circuito fechado. Já fui, achei interessante, voltaria e indicaria, mas vejo que falta abertura real de acesso”, lamenta. Já o montador Alexandre Magno Bernardes, que frequenta a Praça da Liberdade, não sente curiosidade pelas atrações oferecidas. Na opinião do músico Vladimir Zapata, além de mal divulgados, a demora na conclusão do circuito tem prejudicado sua consolidação.


A pesquisa do Vox Populi reafirma a opinião da população. Segundo ela, a Praça da Liberdade é percebida como espaço elitizado. Ela também aponta que a falta de placas de identificação na fachada dos prédios dos centros culturais inibe a visitação. Um dos entrevistados chegou a afirmar que “a impressão é que aqueles prédios ali são intocáveis, que não se pode entrar”.


Também é reclamação constante as poucas opções de eventos para jovens (as musicais foram as mais citadas), a infraestrutura deficitária (falta de vagas para estacionar, ausência de banheiros, bancos desconfortáveis, pouca iluminação, coreto em estado de degradação) e uma questão delicada que gerou bastante reclamação entre os entrevistados: a presença da iniciativa privada e a sensação de privatização e “perda” dos espaços.

Privatização A turismóloga Márcia Mascarenhas da Fonseca vê aí um dos maiores problemas da iniciativa. “Minha percepção é de que não existe um circuito. São instituições ou empreendimentos individuais das empresas com suas estratégias de gestão em funcionamento. Tanto a população quanto os turistas com os quais me relaciono identificam os locais individualmente.”
A especialista reclama do que define de “apropriação privada dos espaços públicos”. “Até vejo um início de abertura das agendas para a produção artística local, mas ainda bem tímida.” Para ela, a proposta do “circuito” não se concretizou. “Deveriam ter, pelo menos uma vez por mês, ações conjuntas que levassem a população a entender aquilo ali como um circuito. Além do endereço, ainda não entendi o que eles têm em comum”, avalia.



No coração da cidade


Praça da Liberdade simboliza valores que estão na origem da construção da capital. Historiador alerta para excesso de atrações virtuais nos espaços do Circuito Cultural

Sérgio Rodrigo Reis
Mais que um espaço público, a Praça da Liberdade é um símbolo da história republicana de Belo Horizonte. Por isso, todo projeto envolvendo a região desperta interesse entre historiadores e pesquisadores. Foi assim quando da apresentação do Circuito Cultural, anunciado à época como um projeto voltado para a ocupação da praça em razão da transferência dos órgãos públicos do local para a Cidade Administrativa.

O coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da Fafich (UFMG), José Newton Coelho Meneses, acha louvável se pensar em recuperar áreas degradadas da cidade com ações concentradas, como fizeram em Barcelona, na Espanha, ou em Lisboa, em Portugal. Só não concorda com a maneira realizada em BH. “Usaram a justificativa como opção autoritária e não discutida com a população. Infringiram um símbolo cultural importante que é a cidade com sua linguagem republicana, civil, laica e anticlerical, onde, no plano mais alto, estaria o poder civil (governo), não a matriz (poder religioso). Esse é o discurso da gênese de BH, que foi ignorado. Aí, tirou-se um significado que tínhamos para o Brasil e para o mundo”, lamenta. “Fizeram tudo isso sem discussões. Não foi dado o direito à cidade para essa ocupação e transformação do espaço, mas sim às empresas.”


Na visão do historiador, o processo ainda pode ser revertido. “Talvez com a desconcentração da visão privada e com a realização de ações de ocupação do centro da praça, algo que interprete a cultura urbana presente na construção da capital. O difícil é que as empresas assumam esse papel”, aponta. O pesquisador não vê problema que empresas financiem projetos. A queixa é quando usam o mecanismo para tematizar os próprios objetos de interesse.


A opção museológica dos espaços é outro problema que aponta. “É tudo virtual, exige um investimento constante de renovação. Caso contrário, não atrai a atenção do público. A gente visita uma vez e não volta. É algo de consumo rápido, belo, mas que não constrói um exercício de memória.” De acordo com ele, corre-se o risco de, num futuro próximo, as empresas acharem que o investimento não vale mais a pena. “Aí o lugar pode se degradar, porque não produziu lastro. O Pelourinho, na Bahia, é bom exemplo desse processo.”

Interesse A pesquisa de opinião pública também destacou aspectos positivos do Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Para a maioria dos entrevistados (84%), mesmo com os problemas atuais a iniciativa é considerada importante para Belo Horizonte. Avaliaram-se também as consequências do projeto para a capital e os benefícios para a população. De forma geral, o circuito representa vantagens e benefícios. Entre estes, enfatizou-se a cultura, lazer e entretenimento. Cerca de 75% dos entrevistados acham que o projeto desperta muito ou algum interesse. Como conclusão, a pesquisa alerta aos gestores que o “belo-horizontino ainda não se apossou do Circuito e não tem usufruído o tanto que deveria”.


A atual gerente executiva do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, Cristiana Kumaira, afirma que a pesquisa trouxe informações bastante positivas em relação ao projeto. “Quanto mais as pessoas conhecem, mais o admiram e gostam.” Por outro lado, ela reconhece os desafios apontados no estudo, sobretudo, em relação à comunicação. “Já estamos reformulando o site e desenvolvendo um aplicativo para ser baixado gratuitamente no celular.”


Depois de seis meses à frente do projeto, a gestora já sabe do maior problema: “É necessária uma articulação grande com a sociedade e artistas, que ultrapasse, inclusive, questões político-partidárias”. Para ela, um projeto inovador como este, com poucas referências, é cercado de questões que, ao longo do processo, têm de ser ajustadas. “À medida que ouvimos e pesquisamos temos a possibilidade de acertar mais. Esse é o movimento”, avisa.



z Vem por aí
» Centro Cultural Banco do Brasil – Abertura
neste semestre.
» Centro de Referência da Economia Criativa
Sebrae-MG – Ainda este ano.
» Inhotim Escola – Inaugura as atividades mês que vem.
» Casa Fiat de Cultura – Previsão de abertura
em 2014.
» Museu do Automóvel – Ainda sem previsão.


z O que não deve vir
» Museu do Homem Brasileiro – Lançado como equipamento que ocuparia o prédio da antiga Secretaria de Transportes e Obras Públicas (prédio verde), numa parceria com a Fundação Roberto Marinho, a ideia ainda não saiu do papel.
A expectativa era de que o museu ficasse pronto
no início de 2014.
» Hotel – Outra proposta que não foi adiante foi
a de transformar o prédio sede do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), na Praça da Liberdade, em um hotel categoria cinco estrelas. 



z Em atividade
» Arquivo Público Mineiro – Instituição cultural mais antiga do estado. Consulta aos documentos de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.
» Biblioteca Pública Estadual Luiz
de Bessa – Tem cerca de 260 mil títulos disponíveis no acervo. Funciona de segunda a sexta,
das 8h às 20h. Aos sábados,
das 8h às 12h.
» Centro de Arte Popular da Cemig
– Dedicado à arte popular de Minas Gerais. Aberto às terças, quartas e sextas, das 10h às 19h. Às quintas, das 12h às 21h; aos sábados e domingos, das 12h às 19h.
» Espaço TIM UFMG do Conhecimento – O objetivo é aproximar a população do conhecimento científico. Terça, quarta e de sexta a domingo, das 10h às 17h. Às quintas, das 10h às 21h.
» Memorial Minas Gerais Vale
– A proposta é destacar o patrimônio cultural e histórico mineiro. Terças, quartas, sextas e sábados, das 10h
às 17h30. Às quintas das 10h às 21h30. Domingos, das 10h às 13h30.
» Museu das Minas e do Metal
– Abriga acervo da mineração e  metalurgia. Funciona terça, quarta e sexta a domingo, das 12h às 17h.
Às quintas, das 12h às 21h.
» Museu Mineiro – O acervo documenta momentos distintos
da formação da cultura do estado. Aberto terças, quartas e sextas, das 10h às 19h. Às quintas, das 12h às 21h. Aos sábados e domingos, das 12h às 19h.
» Palácio da Liberdade – Sede histórica do Governo do Estado, é um dos principais cartões-postais de Belo Horizonte. Aberto aos domingos, das 9h às 13h. 


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