terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

tendências/debates

folha de são paulo

RENAN CALHEIROS
O Congresso mais próximo da sociedade
Sou cativo da liberdade de expressão. Sei como foi duro reconquistá-la e tenho especial orgulho de ter contribuído para isso
O Brasil está no meio do caminho entre os países em desenvolvimento e as grandes potências. O Congresso Nacional tem responsabilidades nesse processo. Além de olharmos para os aprimoramentos administrativos internos, devemos trabalhar como facilitadores dos investimentos no Brasil.
Durante a eleição para a presidência do Senado, apresentamos quatro prioridades para o Congresso Nacional. A primeira delas, de ordem interna, prevê o aprofundamento da austeridade. Vamos cortar gastos, fundindo ou extinguindo órgãos da instituição. Esse planejamento terá metas, prazos e parâmetros que possam ser acompanhados e cobrados pela sociedade.
De outro lado, vamos elaborar uma agenda prioritária, reunindo projetos que representem desburocratização, regulamentações e proposições que facilitem o ambiente de investimentos, o chamado Brasil mais fácil. O Congresso Nacional também buscará com trabalhadores, empresários e a sociedade civil as sugestões que visem eliminar todos os gargalos existentes no país.
Outra iniciativa, aproximando o Senado da sociedade, cria -sem custos, apenas com remanejamentos internos- uma secretaria de transparência. Ela irá coordenar as ações para atender as demandas da Lei de Acesso à Informação. Assim como aconteceu na acessibilidade, seremos, em breve, uma referência nesse campo: a instituição mais transparente do país.
Outro passo relevante é a defesa do nosso modelo democrático, a fim de impedir a ameaça à liberdade de expressão, como vem ocorrendo em alguns países. O chamado inverno andino não ultrapassará nossas fronteiras.
A imprensa livre é pedra angular da democracia e a tentativa de controle a qualquer pretexto é inadmissível. A liberdade de expressão é um dos nossos direitos mais preciosos. Temos que nos inspirar, sim, nas brisas de uma primavera democrática e criar uma barreira contra os calafrios provocados pelo inverno andino. Vamos criar uma trincheira sólida, se preciso legal, a fim de barrar a passagem desses ares gélidos e soturnos.
Em governos democráticos, não deve haver nenhuma pretensão de se imiscuir no conteúdo dos jornais, nem nas atividades dos jornalistas. Por isso, uma imprensa livre precisa ter a proteção do Estado.
Do ponto de vista conceitual, a liberdade de manifestação do pensamento, além de direito natural do homem, é premissa elementar às demais liberdades: política, econômica, de associação e de credo religioso. Não por outra razão, as nações livres não mexem nesse alicerce, mestre de todas as liberdades.
A invenção da imprensa tem uma contribuição insubstituível para a democracia. Ela está na gênese da multiplicação do conhecimento e, consequentemente, da própria democracia. Gutenberg, ao inventar a imprensa, derrubou o monopólio obscurantista da informação e a popularizou nos jornais. Informação e conhecimento sempre foram sinônimos de poder e capacidade de libertação, e aqueles que os têm exercem grande influência em seu meio.
Ao retirar-se o controle da informação das mãos da elite de outrora e da Igreja -distribuindo-a pela sociedade-, a humanidade evoluiu admiravelmente e as pessoas passaram a conquistar autonomia para decidir seus rumos e os destinos da comunidade onde viviam.
Sou cativo da liberdade de expressão. Sei como foi duro reconquistá-la e tenho especial orgulho de ter contribuído para isso, como deputado federal constituinte, em 1988, inserindo na nossa Carta Magna a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


    MARIANA DE MESQUITA
    Das doulas como testemunhas
    O perigo oferecido pela doula é que ela presencia a violência covarde contra mãe e bebê. Pais bem informados dão trabalho ao hospital
    Nos últimos dias, uma rede de maternidades de São Paulo proibiu a entrada de doulas, profissionais que prestam suporte emocional e físico à mulher antes, durante e depois do parto. Diante da repercussão negativa na imprensa e nas redes sociais, mudaram de estratégia: a gestante teria direito a um único acompanhante no parto, devendo escolher entre a doula e o marido. A justificativa era reduzir os índices de infecção hospitalar.
    Se a preocupação é essa, por que não limitam também o acesso das equipes de fotografia e filmagem? Por que não se esforçam para reduzir os altos índices de cesariana, em torno de 90%? A verdade é que o trabalho das doulas, embora respaldado pela Organização Mundial da Saúde, não se encaixa em nosso modelo de assistência obstétrica, arbitrário e centrado na figura do médico.
    Nos países desenvolvidos, com as menores taxas de mortalidade materna e fetal, o pré-natal, o parto e o pós-parto são acompanhados por obstetrizes e enfermeiras obstetras (parteiras). O médico só é chamado em casos considerados de risco.
    Por aqui, o incômodo causado pela presença das doulas está ligado ao poder que elas ajudam a mulher a conquistar, o de serem donas de seus próprios partos. Mulheres que tiveram o acompanhamento de uma doula na gravidez são questionadoras, pois sabem do seu direito de decidir sobre o parto. Um perfil bem diferente do desejado por hospitais, onde a boa paciente é aquela que se recolhe à posição de coadjuvante.
    A mulher informada, ao contrário, tem nome próprio: não aceita ser infantilizada, ser chamada de "mãezinha". Não aceita soro de rotina, corte desnecessário na vagina, ser separada do seu filho sem real motivo. A mulher informada sabe que pode escolher em que posição, como, onde e com quem prefere dar à luz. Não está acima nem abaixo da autoridade médica ou do protocolo hospitalar, pois não estabelece com eles uma relação de poder. Exige apenas que tudo esteja a favor desse importante trabalho, que somente ela pode e deve executar: trazer seu filho ao mundo.
    O casal bem informado "dá trabalho" ao hospital, pois tem consciência da violência muitas vezes imposta pelos procedimentos de rotina ao corpo e à personalidade frágeis do seu bebê. Eles pesquisaram, leram artigos científicos, conhecem as leis e sentem alívio por saber que o bebê não precisa passar por procedimentos dolorosos e solitários em seus primeiros momentos de vida, apenas porque fazem parte da rotina do hospital.
    Qual é mesmo o perigo oferecido pela doula? É que a doula é testemunha! Ela presencia e identifica a violência silenciosa e covarde contra dois seres (mãe e bebê), que, por conta da fragilidade do momento, não estão em condições de questionar.
    Mulheres acompanhadas por doulas não se deixam convencer de que o choro desesperado do recém-nascido seja bom de ouvir, sinal de saúde! De que a clássica cena da mãe presa à cama, dopada e incapacitada, faça parte do processo de ter um filho. De que o pai ver seu filho através do vidro seja normal.
    O recuo estratégico dos hospitais quanto à restrição às doulas mostra a força da voz da sociedade. Estejamos atentos às entrelinhas: agora, a doula pode entrar, desde que seja fisioterapeuta, psicóloga, enfermeira ou terapeuta. A direção clínica sabe quem é e quais são as atribuições da doula ou essa exigência é uma demostração clara da postura intransigente?
    Mas o recuo estratégico não impediu a manifestação, no domingo passado, na avenida Paulista. A marcha foi uma demonstração de que a sociedade não tolera mais esse abuso.
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