Zero Hora - 29/03/2013
Numa sexta-feira como hoje, os competentes médicos da Santa Casa descobriram que havia um tumor devorando um dos meus rins.
Um câncer.
É estranho você dizer que está com câncer. É como se dissesse: estou
morrendo. Foi o que pensei naquela sexta-feira. Naquela sexta-feira, eu
morri um pouco.
No sábado, meu rim foi removido. A cirurgia, comandada pelo doutor
Ernani Rhoden, do Hospital São Francisco, foi um sucesso, mas, para mim,
eu que nunca havia sido internado em hospital, nunca quebrara nada,
nunca ficara doente, para mim foi uma dor inédita, um sofrimento que nem
sabia ser capaz de suportar.
Agora estou sendo bem cuidado pelo oncologista Jefferson Vinholes e
tudo envereda pelo bom caminho, mas ainda não processei totalmente o que
aconteceu. O que posso concluir desse episódio? Alguns dizem que essas
experiências radicais nos levam a iluminações.
Você compreende a vida de outra forma, vê as coisas de outro ângulo.
Talvez no futuro, mas, até agora, o sofrimento não me abriu as portas
da percepção. Até agora o sofrimento só foi isso mesmo, sofrimento. Que
desperdício de dor.
Mas houve algo, um sentimento que se consolidou na minha mente, com
essa experiência. O que posso dizer é que, se não houve sofisticação da
minha, digamos, vida espiritual, houve aumento da minha fé nas pessoas.
A preocupação sincera e a ajuda incondicional dos meus amigos e dos
meus familiares; as orações e promessas de pessoas que nem conheço, de
todas as religiões; o apoio tranquilizador da minha empresa, a RBS, e o
carinho dos meus colegas, desde a atendente do bar até o mais alto
diretor; a competência dos médicos e o requinte da ciência; tudo isso me
ergueu e me ergue, e tudo isso é humano. Não há nada transcendental aí;
o que há são as pessoas.
Os homens. O homem que inventa a bomba atômica, mas que também
desenvolve a medicina nuclear, o homem é, sim, o lobo do homem, mas
também o seu consolo e a sua salvação. Depois de olhar na cara da morte,
vi que a vida está na relação com as outras pessoas. As pessoas, as
pessoas. Os outros seres humanos é que nos tornam humanos.
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