sexta-feira, 29 de março de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Casamento sem dogma
Enquanto se discute, na Suprema Corte dos Estados Unidos, a constitucionalidade de uma emenda proibindo o casamento gay no Estado da Califórnia, vem do Líbano uma notícia surpreendente.
Ao menos para quem julgava ser totalmente laico o regime jurídico naquele país árabe, surge como inesperada -e auspiciosa- a informação de que, pela primeira vez, foi possível realizar-se lá um casamento civil. Heterossexual, bem entendido.
Foi graças a uma burla, na verdade, que a sunita Nidal Darwish logrou celebrar seu matrimônio com o xiita Kholoud Sukkarieh. Ainda que o credo religioso não fundamente a ordem legal no Líbano, no direito de família prevalecem as orientações vigentes para cada uma das 18 crenças oficialmente reconhecidas. Retirando de seus documentos a filiação religiosa, Nidal e Kholoud conseguiram validar sua união apenas à luz da legislação civil.
O caso dos dois ativistas em prol da plena separação entre igreja e Estado atraiu, como não podia deixar de ser, o anátema de autoridades religiosas muçulmanas.
Nada pareceria mais distante das polêmicas em curso em vários países ocidentais, nos quais se acelera a aceitação dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Neste lado do mundo, lideranças religiosas condenam, mesmo na esfera laica e civil do Estado moderno, a união homossexual.
Nos anos pós-1968, as bandeiras do "amor livre" e a crítica acerba à instituição familiar faziam prever que os laboriosos rituais do matrimônio, com seu lastro de compromissos mútuos e expectativas de durabilidade, figurariam em breve nas prateleiras de um museu.
Nessa perspectiva, a ideia do casamento gay parece ser mais um sinal da vitalidade da ideia tradicional do casamento do que uma intensificação da voga libertária. Procura-se, com efeito, fortalecer uma situação de estabilidade familiar, compromisso pessoal e construção de vida em comum, para além do que muitos condenam como encontro fugaz entre pessoas entregues a uma atração pecaminosa.
É como se, num paradoxo, a religião servisse de pretexto para desunir aquilo que o desejo e o amor buscam constituir de modo estável, se não permanente.
Avessos às limitações impostas a xiitas e sunitas, Nidal Darwish e Kholoud Sukkarieh não se insurgiram contra a instituição do casamento. Ao contrário, celebram-na -assim como procuram fazer casais homossexuais em várias paragens, a despeito de tantas forças militando por sua separação.

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    Atropelos de Dilma
    Presidente constrange BC com declaração desajeitada sobre combate à inflação, que segue em alta, e depois ainda diz que foi mal interpretada
    Foram lesivas à credibilidade da política econômica da presidente Dilma Rousseff suas declarações sobre inflação na cúpula dos Brics em Durban, na África do Sul. Reforçaram a percepção de que o governo federal não tem estratégia definida para lidar com os desafios da economia e do regime de metas inflacionárias.
    Ontem, um dia depois das declarações de Dilma, o BC publicou seu relatório do primeiro trimestre com novas projeções de inflação, sensivelmente piores que as do final do ano passado. O BC espera que o IPCA suba 5,7% neste ano, bem acima dos 4,9% prognosticados em dezembro. Para 2014, a expectativa subiu de 4,8% para 5,3%.
    O tropeço retórico presidencial começou por atribuir ao Ministério da Fazenda, e não ao Banco Central, o papel de discorrer sobre inflação. Parece uma questão semântica, mas não é.
    O mandato de controlar a inflação pertence ao BC. Desde que o presidente do banco passou a ter status de ministro, até mesmo sua subordinação formal à pasta da Fazenda deixou de existir.
    A presidente também declarou não concordar com um combate à inflação que implique redução do crescimento econômico. Para ela, o receituário "que quer matar o doente em vez de curar a doença" estaria datado.
    Por fim, Dilma atribuiu o problema a flutuações de preços no curto prazo, visão contestada por grande número de especialistas. O segmento de serviços, por exemplo, mantém alta persistente, à taxa de 8% ao ano.
    A fala de Dilma foi considerada incompatível com manifestações do BC, que vem sinalizando em seus comunicados o desconforto com a inflação e a possibilidade de ter de elevar os juros para contê-la. Alertada sobre a reação negativa do mercado financeiro, a presidente voltou à carga para dizer que suas afirmações haviam sido manipuladas e mal interpretadas.
    O ponto nevrálgico não está em uma ou outra má palavra da presidente, mas no atropelo do BC. Ainda assim, chama a atenção a imperícia na comunicação do governo, que deixa a sensação de improviso. Não há um estado-maior para definir um rumo claro e alinhar as percepções do setor privado. Aos trancos e barrancos, o governo parece enfrentar apenas o desafio -ou o deslize- de cada dia.
    A inflação sobe. O crescimento permanece deprimido. As contas externas pioram. E o investimento, que seria a marca do governo Dilma Rousseff, não dá sinais de sair da letargia.
    Qual é a estratégia? A colcha de retalhos formada pelas declarações das autoridades sugere resposta sombria: não há nenhuma à vista.

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