Artistas plásticos ultrapassam a
fronteira das galerias e se aproximam do público nas salas de cinema.
Longas filmados no Brasil divulgam a obra de nomes de ponta das artes
visuais
Walter Sebastião
Estado de Minas: 29/03/2013
Sucesso de público, o documentário
sobre o fotógrafo Vik Muniz foi indicado ao Oscar em 2011. Cildo
Meireles, autor de uma das obras mais admiradas da coleção Inhotim –
Desvio para o vermelho –, já mereceu dois filmes. Até o fim do ano,
chegará ao circuito comercial o documentário sobre o carioca Hélio
Oiticica (1937-1980), criador mundialmente admirado e considerado um dos
fundadores da arte contemporânea.
Não apenas os artistas
experimentais vêm sendo tema de longas-metragens. O mineiro Sebastião
Salgado, de 65 anos, radicado há décadas em Paris, é um dos fotógrafos
mais famosos do mundo. Depois de protagonizar The spectre of hope
(2002), de Paul Carlin, estará em outros dois filmes: um, dirigido por
Betse de Paula, encontra-se em fase de finalização. O outro está sendo
rodado pelo cineasta alemão Wim Wenders.
Tem mais. O retrato das
coisas que sonhei, com direção de Fábio Belotte, apresenta personagem
ilustre da arte feita em Minas Gerais: o escultor Geraldo Telles de
Oliveira, conhecido como GTO. Também foram anunciados um filme sobre a
pintora Beatriz Milhazes e animação inspirada na trajetória de Tarsila
do Amaral. A maioria dessas produções vem sendo exibida no circuito
alternativo e na TV. Várias ganharam prêmios de júri e do público em
festivais. Mas pelo menos dois cineastas – Mariana Brennand e César
Oiticica Filho – prometem brigar para chegar ao circuito comercial de
todo o Brasil.
“Filmes contribuem para divulgar os artistas. Mas é
sempre bom lembrar: esses longas se devem à repercussão da obra
realizada por eles”, observa Morgana Rissinger, coordenadora de
programação artística de Inhotim.
A filmografia sobre artes
visuais ainda é modesta, pondera Morgana, que não se surpreende com o
fato de o longa sobre Hélio Oiticica, outrora um ilustre anônimo, fazer
sucesso atualmente. Em fevereiro, o documentário recebeu dois prêmios no
Festival de Cinema de Berlim. “Hélio é personagem fantástico, um dos
artistas mais importantes de todos os tempos. Então, um filme sobre ele
era necessidade”, diz a coordenadora do centro de arte mineiro.
Inhotim
está produzindo curtas documentais sobre artistas que lá expõem. A
série Retratos focaliza Chris Burden, Matthew Barney, Adriana Varejão e
Doris Salcedo. O quinto filme, em fase de produção, é sobre Tunga. O
projeto surgiu da constatação de que o processo de criação das obras
destinadas à coleção do instituto é muito rico. “O público sempre
pergunta como elas são feitas, o que o artista pensa. Então, decidimos
fazer os documentários”, explica Morgana.
Ficção
O
senhor do labirinto, dirigido por Geraldo Motta, é raridade na
filmografia nacional: trata-se de um longa de ficção sobre um artista
plástico brasileiro. Flávio Bauraqui interpreta Arthur Bispo do Rosário.
Lançado em 2010, tem circulado em festivais e mostras. O elenco reúne
Irandhir Santos, Maria Flor, Eriberto Leão e Odilon Esteves, entre
outros.
Arthur Bispo do Rosário (1911-1989) passou a maior parte
de sua vida em instituições psiquiátricas cariocas. Acreditava ter
missão determinada por Deus. Para cumpri-la, construiu objetos com
sucata e objetos de seu dia a dia, como linhas e botões. Descoberto na
década de 1980, vem se tornando nome internacionalmente aclamado. Seus
trabalhos serão expostos na Bienal de Veneza, em junho.
“A
riqueza de vida desses artistas dá rica matéria-prima para
longas-metragens”, diz Geraldo Motta. “Na hora de filmar, estamos sempre
buscando refletir sobre a condição humana. Esses artistas que ganharam
filmes talvez façam isso de modo extremo”, conclui.
A jornada de Brennand
No
Rio de Janeiro e São Paulo, o circuito comercial exibe documentário de
75 minutos dedicado ao pernambucano Francisco Brennand, de 85 anos. “É a
jornada sobre o mundo fantástico construído por um artista plástico
cuja obra, ao investigar a condição humana, procura decifrar o mistério
que é a vida”, explica Mariana Brennand Fortes, diretora do longa e
sobrinha-neta do homenageado.
“Levo o espectador para a toca do
lobo”, brinca a cineasta, referindo-se à Oficina Brennand. Instalado
dentro de um parque no Bairro Várzea, no Recife, o espaço reúne
esculturas monumentais ao ar livre e galpões onde se pode conhecer a
obra de Francisco Brennand e técnicas da cerâmica que o fizeram famoso.
“No
futuro, esse pernambucano será conhecido como um dos grandes artistas
do mundo. Por enquanto, espero que o filme contribua para que mais
pessoas o descubram”, explica Mariana. A diretora diz que o crescimento
da filmografia sobre artistas plásticos é natural neste momento em que o
Brasil tem feito mais cinema, com destaque para documentários. “É a
oportunidade de contar grandes histórias. Os artistas plásticos têm
belas histórias”, observa.
Francisco Brennand, o segundo filme de
Mariana, inspirou outro projeto: a edição dos diários do artista,
usados como condutores da narrativa.
A lenda
Inventor
da instalação, Hélio Oiticica, em vida, já era uma lenda. Ainda jovem,
criou obras inovadoras – caminho radicalizado depois de sua morte, aos
43 anos, em 1980. Esse carioca circulava entre os morros do Rio de
Janeiro, a cena underground nova-iorquina e círculos vanguardistas.
Depois
de o polêmico criador se tornar nome respeitado, ele chega à telona no
longa Hélio Oiticica – O filme. Ainda não há data de lançamento no
circuito comercial, mas o público poderá conferi-lo ainda este ano.
“A
função do documentário é apresentar Hélio ao Brasil e ao mundo”, resume
o diretor César Oiticica Filho, sobrinho do artista plástico. O
homenageado chegará ao público na primeira pessoa, por meio de fitas que
deixou gravadas, reunidas em seu espólio.
“Hélio era um criador
que tinha compromisso com a invenção. Isso o colocou no caminho de um
salto mortal após o outro, fazendo surgir novas categorias artísticas”,
observa César. “Todo bom artista merece um filme. Produções assim ajudam
o Brasil a conhecer o Brasil. O país é grande, faltam museus adequados
para receber mostras, viajar com exposições é caro. O cinema chega onde a
exposição não vai”, observa.
Longas como Hélio Oiticica – O filme têm ainda outro papel. “Construir a memória que estava perdida”, conclui o diretor.
Os longas
. Francisco Brennand (2013), de Mariana Brennand Fortes
. Hélio Oiticica – O filme (2013), de César Oiticica Filho
. O senhor do labirinto (2012), de Geraldo Motta. Sobre Arthur Bispo do Rosário.
. O retrato das coisas que sonhei (2012), de Fábio Belotte. Sobre Geraldo Teles de Oliveira, o GTO
. Lixo extraordinário (2011). De Karen Harley, João Jardim e Lucy Walker. Sobre Vik Muniz. Disponível em DVD
.
A obra de arte (2010), de Marcos Ribeiro. Sobre os artistas Eduardo
Sued, Carlos Vergara, Beatriz Milhazes, Tunga, Ernesto Neto, Carlos
Vergara e Waltércio Caldas
. Cildo (2008), de Gustavo Rosa de Moura. Sobre Cildo Meireles. Disponível em DVD
. Moacir arte bruta (2006), de Walter Carvalho. Sobre o artista plástico goiano Moacir
. O risco – Lúcio Costa e a utopia moderna (2003), de Geraldo Motta Filho
.
Imagens do inconsciente (1984), de Leon Hirszman. Três longas
dedicados, respectivamente, aos artistas Fernando Diniz, Adelina Gomes e
Carlos Pertius. Disponível em DVD
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