Longa inspirado na canção de Renato Russo, Faroeste caboclo, que estreia no fim do mês, tem
roteiro e atuações que prendem a atenção, apesar de a história ser bem conhecida do público
Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 21/05/2013
Conhecidos por trabalhos na televisão,
Fabrício Boliveira e Ísis Valverde vivem o casal central de Faroeste
caboclo, de René Sampaio
O desafio do filme
Faroeste caboclo, que estreia no fim do mês em todo o Brasil, é a
própria história. A produção, inspirada na música homônima do líder do
Legião Urbana, Renato Russo (1960-1996), para os que hoje estão acima
dos 30 não apresenta maiores novidades. Trata-se da transcrição quase
literal da narrativa contida em um dos maiores hits dos anos 1980. Mas
não é que, a partir de um tema previsível, o diretor René Sampaio
conseguiu propor um longa capaz de prender a atenção do início ao fim? O
mérito está em criar um filme que, mesmo com todo parentesco possível,
consegue se distanciar da música e da letra e propor uma imersão ao
passado recente de uma geração. Passa-se numa época de Brasília que,
para aquela turma, a vida era ditada pela rebeldia simbolizada pelo
rock, sexo e drogas.
A história é a da trajetória de João de
Santo Cristo (Fabrício Boliveira), desde a infância no interior da Bahia
até a ida para Brasília, no início dos anos 1980, onde se envolveu com o
tráfico. Ajudado por Pablo (Cesar Troncoso), um primo distante, peruano
que vende drogas da Bolívia, ele vai trabalhar numa carpintaria, mas
também se envolve com o tráfico de drogas. Um dia, por acaso, conhece
Maria Lúcia (Ísis Valverde), filha de um senador (Marcos Paulo, em seu
último trabalho no cinema). Enquanto os dois se apaixonam, João mergulha
cada vez mais numa escalada de crime e violência – até encontrar seu
principal inimigo, o playboy e traficante Jeremias (Felipe Abib), rival
nos negócios e no coração de Maria Lúcia. As cenas intensas de amor e
vingança espelham, de uma maneira quase literal, em 100 minutos, a
epopeia narrada por Renato Russo de jeito bastante inusitado para uma
canção.
Faroeste caboclo, com nove minutos e três segundos de
duração, desde sua criação já sinalizava a possibilidade de virar um
futuro roteiro de cinema, pelo caráter altamente descritivo e visual da
letra. Lançada em 1987 pelo Legião Urbana, no álbum Que país é este?,
narra em 168 versos a saga de João de Santo Cristo, da infância no
sertão baiano à morte ainda jovem em Brasília. Sucesso de nascença,
nunca deixou de ser cantada, desde então, pelas gerações seguintes,
apesar da natural dificuldade em decorar toda a letra. Os roteiristas
Marcos Bernstein e Victor Atherino também enfrentaram desafios para
levar contexto tão vasto às telas, o que os obrigou a optar por licenças
poéticas, deixando de fora alguns trechos em nome da fluência da trama.
A opção não prejudicou o resultado. Pelo contrário. Ao se distanciar da
narrativa literal é que o roteiro ganha mais força para ganhar a
atenção do espectador.
Outro mérito do filme é o elenco. Boa
história, encenada por um grupo pequeno de atores experientes nos
principais papéis, garante agilidade a uma típica Cinderela às avessas:
uma garota de classe média alta que se envolve e se apaixona pelo jovem
negro, assaltante e sem futuro. Dar conta de um roteiro cheio de
clichês, tirando proveito das situações desse faroeste ambientado na
cidade grande, é a missão na qual mergulhou o elenco. Teve gente que se
saiu melhor. Fabrício Boliveira, conhecido do público depois da
minissérie Subúrbia, da Rede Globo, conseguiu tirar proveito do papel do
Santo Cristo, assim como Ísis Valverde. Como Maria Lúcia, a jovem atriz
mineira se superou.
Faroeste caboclo tem outro desafio, que é a
proximidade com produção também inspirada no legado de Renato Russo.
Somos tão jovens, filme de Antonio Carlos da Fontoura, recém-lançado e
ambientado no início da carreira de Renato Russo, tem tido sucesso em
todo o país. Repetir o mesmo com Faroeste caboclo não é tarefa das mais
fáceis. Porém, a julgar pelos seguidores saudosistas do Legião, parece
que o novo longa-metragem deve trilhar caminho parecido. Somente o
trailer oficial já foi visto no YouTube, até o início da tarde de ontem,
por mais de 2,5 milhões de pessoas.
Diretor vem da publicidade
O
diretor brasiliense René Sampaio conseguiu o feito de realizar um
faroeste na cidade grande, como reza a letra da canção de Renato Russo. O
filme tem agilidade, as cenas de ação convencem, o elenco é bom, tudo
isso garante elementos de sobra para não frustrar as expectativas dos
fãs do Legião Urbana. Mas é bom avisar: não se trata de nenhuma
obra-prima, mas de filme honesto, bem no estilo Globo Filmes – uma
mescla da linguagem televisiva com cinema.
O ritmo intenso da
narrativa foi garantido pela vasta experiência de René Sampaio na
publicidade. Ele tem vários prêmios no currículo, entre eles o Leão de
Prata, em Cannes, em 2005. Depois da estreia nas telas com o
curta-metragem Sinistro (2000), produção que conquistou sete Candangos
no Festival de Brasília, ele finalmente chega ao longa-metragem sem
esconder as influências da linguagem publicitária. Nem é seu desejo.
“É
o jeito que sei filmar. Minhas escolhas têm a ver com minha escola.
Porém, também há planos contemplativos em que os atores estão em ritmo
bem diferente do publicitário”, diz o diretor. A opção pela história é
algo da época de juventude. “Tinha 14 anos quando ouvia a canção no
rádio e a imaginava no cinema. Era o filme que gostaria de fazer. Deu
certo. É uma história que faz muito sentido para minha geração.” A
adaptação acabou ficando bem diferente das primeiras impressões que René
teve da letra. “Naquele tempo, minha visão era bem alegórica e
acompanhava a métrica e rima, o que não tem como ser repetido no filme.
Tive agora um pouco mais de compromisso com a realidade.”
A
expectativa de René Sampaio é grande. “Estamos esperando que os números
de acesso à internet se concretizem na bilheteria. Ao mesmo tempo, estou
com o pé no chão. Tento manter a expectativa de que quem assistir ao
filme saia satisfeito e entenda a adaptação a que me propus realizar. Se
ainda assim o projeto se concretizar em sucesso de bilheteria, melhor
ainda.” Com três roteiros em andamento – dois dramas e uma comédia –, o
cineasta espera um futuro intenso. Sobretudo se atingir êxito com
Faroeste caboclo. “Este filme retrata um Brasil que ainda é atual. As
questões ali ainda permanecem importantes. Fala da minha geração, mas
não acho que seja algo datado. Muita molecada ouve Legião e gosta dessa
música. Sinal que permaneceu”, conclui o cineasta.
Legião em Cannes
O
legado de Renato Russo continua rendendo nos cinemas. O diretor mineiro
Thales Corrêa, de 24 anos, exibirá diariamente em Cannes, na mostra
paralela Short Film Corner, o curta Parents, baseado na letra Pais e
filhos, do Legião Urbana. O filme, rodado em Los Angeles, onde mora há
três anos, é protagonizado por Ludmila Dayer. A ideia surgiu em janeiro
do ano passado. Thales estava com amigos em um bar da terra natal, Campo
Belo, quando a canção começou a tocar e o filme inteiro se formou na
sua cabeça. Cinco meses depois, ao receber a notícia de que seu pai
havia falecido, a letra de Renato Russo voltou à cabeça. Principalmente o
trecho “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.
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