RODOLFO LUCENA
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Ela diz que não se trata de vingança. Mas parece. Dona de um "exterior incontrolável", como diz, a americana Haley Morris-Cafiero, 37, criou uma coleção de imagens em que ela ao mesmo tempo se mostra e mostra a reação das pessoas ao verem a gorda fotógrafa na rua.
Nos rostos e na linguagem corporal dos fotografados há ironia, deboche, surpresa, condenação: em uma palavra, preconceito.
"É uma experiência de caráter sociológico", diz ela, chefe do Departamento de Fotografia do Memphis College of Arts, no Tennessee. "Inverto o olhar, e o foco fica sobre as pessoas que me observam", explica Morris-Cafiero, que trabalha há quatro anos nesse projeto.
O resultado é a série "Wait Watchers" (jogo com a grafia e o som das palavras peso ""weight-- e espera ""wait--; uma das leituras pode ser: observadores do peso), que até a semana passada estava em exposição na mostra Memphis Social, na galeria Hyde, em Memphis.
Olho Gordo
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'Champion Ship', foto feita em Cusco, no Peru, que integra o projeto 'Wait Watchers'
São 25 painéis nos quais a fotógrafa aparece nas ruas de Memphis, Chicago, Nova York, Barcelona e Cusco fazendo coisas rotineiras: olhando vitrines, conferindo mapas, tomando um sorvete. O destaque, porém, é a reação das pessoas ao corpo de Morris-Cafiero, que não revela seu peso e diz ter problemas para controlá-lo.
O projeto começou por acaso, conta ela em entrevista à Folha, por e-mail: "Eu estava fazendo autorretratos em que me posicionava em locais que me faziam consciente de meu peso, como restaurantes ou supermercados. Montei um autorretrato em uma escadaria na Times Square (Nova York) e, quando revelei a imagem, notei que um homem zombava de mim às minhas costas. Apesar de ele estar sendo fotografado por uma bela loira, olhava para mim. Essa imagem virou 'O Anonimato Não É para Todos'. Foi em março de 2010."
Aliás, foi também por acaso que ela se tornou fotógrafa e professora na área.
Morris-Cafiero entrou na faculdade para se tornar advogada, mas as aulas lhe pareceram muito chatas, então ela acabou fazendo um curso de fotografia.
"Foi satisfação instantânea observar como produtos químicos conseguiam produzir imagens em um papel em branco", conta.
Passou por uma fase gótica: fotografava cemitérios e garotas vestidas de vampiro. "Eu queria dizer algo contra os papéis tradicionais das mulheres, mas não conhecia nem a arte nem o movimento feminista; também não sabia como dizer o que eu queria de forma que tivesse impacto", afirma.
Depois de formada, Morris-Cafiero vivia em Washington com o marido, quando ele recebeu convite para dar aulas em uma universidade em Memphis. Ela tratou de arrumar emprego na região: foi contratada para dar aulas de fotografia no College of Arts, onde trabalha há nove anos e coordena o programa de graduação.
Nas férias e horas de folga, a fotógrafa se dedica aos seus projetos pessoais. A série "Wait Watchers", por exemplo, é uma espécie de filha de um trabalho anterior, "Something to Weight" (alguma coisa a pesar), em que ela se fotografava em lugares que a lembrassem do seu peso.
"Eu uso a mim mesma nas imagens porque acredito que não posso transferir para outros as lutas internas e externas de meu corpo. Acredito que minhas questões pessoais sejam universais e acho que posso passar melhor a minha mensagem usando meu próprio corpo e não dirigindo uma modelo", diz Morris-Cafiero.
"Wait Watchers" é uma obra aberta. "Viajo o máximo que eu posso para poder capturar muitas pessoas de origens diferentes", diz Morris-Cafiero, que em julho vai fotografar em Berlim e Praga.
O Brasil está nos planos dela, mas a viagem ainda depende de recursos: "Já entrei com pedido de bolsa para financiar o projeto". Se der certo, serão dois meses capturando imagens reveladoras da visão que os brasileiros têm dos gordos.
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