terça-feira, 21 de maio de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

ADIB D. JATENE
TENDÊNCIAS/DEBATES
Cultura do pronto-socorro
O que precisamos é de uma nova fonte de recursos, que seja seguramente vinculada para a saúde, capaz de suprir a necessidade sentida há décadas
O doutor Jayme Murahovschi enviou e-mail tratando da "tirania da urgência". Por outro lado, o noticiário da mídia referente ao setor da saúde está concentrado em demora no atendimento da emergência.
As pessoas ficam horas aguardando para serem atendidas. Frequentemente são crianças, e seus pais acumulam a sensação de impotência e desproteção.
Quando os pacientes são atendidos, acrescente-se, o são por profissionais com quem não tiveram contato antes e que quase certamente não verão mais.
Isso é a negação da profissão médica, que se baseia no vínculo e na responsabilidade de quem atende para com quem é atendido. A advertência, que acompanha a receita e o pedido de exame, é a de que busque o seu médico, ou o seu serviço de saúde, para o acompanhamento.
O que ocorre é que esse paciente não tem acesso nem a médico nem a serviço de saúde, razão por que buscou o pronto-socorro, onde imagina ter a resolubilidade capaz de solucionar o seu problema.
Nessa situação, o que se verifica é que a maioria dos pacientes não está com problema que o pronto-socorro possa resolver. Não são casos que exigem providências radicais. Antes, são sintomas que necessitam de acompanhamento por profissionais que já conhecem o paciente e que conseguem avaliar adequadamente o seu problema.
O plantonista tem a tendência natural, até para se proteger, de receitar medicamentos e solicitar exames de utilidade discutível, que ampliam gastos e geram novas preocupações, pela dificuldade de agendamento.
Cabe perguntar por que tudo isso acontece. A resposta vem sendo colocada há muito tempo. Trata-se da falta de serviços básicos à disposição da população, mas também de serviços especializados e leitos, que não têm relação com o número de pessoas a serem atendidas.
Em 1995, quando consolidamos o Programa de Saúde da Família, colocando um médico, uma enfermeira e uma auxiliar para tratar de cerca de 3.500 pessoas, simultaneamente pleiteamos aumento de recursos que não poderiam ser atendidos pelo Orçamento. Buscamos nova fonte na CPMF, prontamente esterilizada pela área econômica do governo.
Passados 18 anos, desde então, o que houve foi o agravamento da situação.
Em 1999, demonstrei que, apenas na cidade de São Paulo, faltavam 12 mil leitos, ou 60 hospitais de 200 leitos, e necessitávamos de pouco mais de 4.000 equipes de saúde da família. Hoje, a deficiência de leitos na periferia continua. Apenas dois hospitais foram construídos, o da Cidade Tiradentes e do M'Boi Mirim, e apenas 2.200 equipes foram implantadas, algumas incompletas.
O que precisamos é de uma nova fonte de recursos, que seja seguramente vinculada para a saúde, capaz de suprir a necessidade sentida há décadas.
Várias propostas de melhoria de gestão, que devem sim ser feitas, não têm o condão de substituir a massa de recursos de que necessitamos e que, em um cálculo preliminar, significa dobrar o gasto que hoje contamos no setor público.
Não se iluda o prefeito, que assume com as melhores intenções: não há milagre a ser feito, mas recursos, e não pequenos, a ser mobilizados. Caso contrário, a situação atual irá persistir e até se agravar.


EDUARDO CUNHA
TENDÊNCIAS/DEBATES
Divisor de águas
Se a MP dos Portos despertou tanto interesse, não será diferente com o marco da mineração. Queremos poder discutir sem constrangimento
Não se deve confundir aliança com subserviência, divergência com confronto. A contundência dos debates sobre a MP dos Portos induz, às vezes, a comentários equivocados acerca das posições defendidas.
É bom se acostumarem com um PMDB mais combativo, defendendo teses, discutindo temas e matérias, sem que isso possa ser considerado contestação ao governo.
Essa legislatura tem sido rica em polêmicas. Começou com a política do salário mínimo. Foi fácil para o governo defender a sua posição. Passou pelo Código Florestal, em que o governo fingiu que ganhou, mas perdeu feio. Depois veio a prorrogação da DRU (Desvinculação da Receita da União) e a batalha dos royalties --o governo fingiu que perdeu, mas queria mesmo o resultado que obteve. Depois houve a votação da mudança das regras dos partidos, de conotação mais eleitoral. Como se fosse pouco, vieram as mudanças dos marcos regulatórios da energia e do setor portuário.
Os embates podem ser divididos em antes e depois das eleições municipais. Antes, o governo passeava, sem dar muita atenção, chegando mesmo a tratar a base como departamento do governo. Depois, a antecipação da disputa eleitoral mudou o processo.
Depois das eleições, tivemos três dessas votações. A primeira, do marco de energia, quebrou regras de contratos, mas não teve tanta contestação porque os entes que estavam perdendo eram, na sua grande maioria, do governo federal. E ainda houve aplauso pela redução da conta de luz, de apelo popular.
Na prática, o governo socializou uma grande parte do patrimônio público das empresas estatais federais, na forma de redução temporária de tarifas. Poderia ter obtido o mesmo resultado reduzindo impostos, sem prejudicar a regra dos contratos, mas isso não atingiria os Estados, o que talvez fosse um dos objetivos.
A segunda foi a votação para criação de novos partidos, na qual o governo, apesar da vitória na Câmara, viu a possibilidade esbarrar no Supremo. Neste caso, concordo que a mudança seria positiva.
A terceira, e mais polêmica, foi a da MP dos Portos. Resultou no fim da distinção de cargas próprias e de terceiros, no aumento do custo trabalhista do porto público e em condições de autorizações sem licitações. A longo prazo será o fim dos portos públicos. Talvez tivesse sido melhor enfrentar logo o problema, privatizando os portos públicos e enfrentando os custos trabalhistas, aí sim com benefícios para a competitividade.
Foi divulgado que a bancada do PMDB apoiou a prorrogação dos contratos em vigor --firmados após a lei de 1993--, a critério do governo e mediante condições. Essa regra já estava no artigo 49 da MP original, mas o relator apenas tratou, no artigo 57, da antecipação da prorrogação, esquecendo-se de tratar da própria. Ou seja, a emenda apenas repunha a ideia inicial.
A lei em vigor tem 20 anos e atraiu investidores para melhorar a condição portuária. Agora, imagine em 2033, com uma nova mudança de regra, alguém dizer que precisamos respeitar os direitos de quem investiu com base no que acabamos de aprovar! Estará errado?
A bancada do PMDB apoia qualquer medida para modernizar a logística do país. Não poderíamos ficar ausentes de um debate que pode terminar violando contratos. Acredito que essa não é a vontade do governo, a menos que se vete a proposta --aí sim poderá passar a impressão do contrário.
Se essa MP despertou tanto interesse da opinião pública, não será diferente com o marco da mineração, cuja reformulação está a caminho no Congresso. Esperamos que o governo debata com a base aliada aberto ao contraditório.
Queremos o direito de discutir sem nos sentirmos constrangidos. Discordar não significa ser inimigo.

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