Madrugada no centro
É uma experiência fascinante ver a cara de SP na noite sem fim da Virada, apesar da violência nossa de cada dia
"Que horas vai ser a Elza?", perguntei, desligado do relógio. "Às seis", disse-me a amiga. "Às seis?!", quer dizer então que já são....
Sim, já passavam das 5h de domingo, sentia-me um zumbi e a massa continuava a transitar para lá e para cá pelas ruas do centro. Manos, minas, bibas, bobos, bêbados, pretos, brancos, mulatos, morenos, orientais, perifas, playboys, polícia, nóias. A paisagem humana e desumana de São Paulo desfilando na avenida.
Não é sempre que se pode ter uma experiência como essa, de ficar cara a cara com a cidade e caminhar de madrugada por aquela região, degradada, mas também pulsante, com suas referências históricas, seus belos marcos arquitetônicos e sua fascinante bizarrice. A Luz, a Pinacoteca, a Júlio Prestes, os edifícios modernistas, os cortiços... São Paulo, comoção de muitas vidas.
Mas ninguém em sã consciência imaginaria que um acontecimento desse tipo fosse transcorrer sem tensão e conflitos. Se um show está marcado para começar às 6h, o que esperar na plateia? Pessoas que foram dormir cedo para acordar atleticamente às 5h e chegar tinindo à Júlio Prestes? Ou gente que desde cedo já estava pilhada para virar a noite e se entregar à balada?
Eram ainda 14h quando fui à Sé de metrô para ver, na Caixa Cultural, a exposição do poeta multimídia Walter Silveira. E já havia àquela hora (quatro antes do início da programação de shows) um grupo de rapazes e moças tirando fotos no trem com uma garrafa de vodka vagabunda pela metade e canecas nas mãos.
O fato é que a Virada, ao menos implicitamente, é um um convite oficial a um porre coletivo, como o Carnaval. É aquele fim de semana em que a farra preside a vida. E pelas ruas rola de tudo, do pior álcool à pior droga -o crack, que continua a ser consumido por hordas assustadoras de dependentes, apesar das operações que prometiam "acabar com a cracolândia". "Dependente também é gente", dizia, a propósito, uma pichação que vi num muro.
É verdade que a maioria está ali para se divertir, mas nessas condições, excessos e casos de violência tornam-se inevitáveis. A presença do policiamento, embora ostensiva aqui e ali, parece insuficiente. E não seria num evento como a Virada que a rotina de roubos e mortes da cidade magicamente se interromperia.
Não é demais lembrar que no primeiro trimestre do ano os homicídios no centro da cidade passaram de 14 para 25 casos, em comparação com 2012. E nesses 90 dias, apenas nos distritos da Sé e de Santa Ifigênia, foram registrados mais de 1.600 roubos.
O saldo de crimes do evento, portanto, não surpreende. É uma pena, porque muita gente vai pensar três vezes se vale a pena arriscar na próxima. Talvez seja o caso de rediscutir o formato, os horários e a atuação da polícia na Virada, mas bom mesmo seria viver numa cidade e num país menos propensos à violência.
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