O homem é um santo
Richard Nixon foi um dos grandes presidentes americanos do século 20. É preciso repetir? Sim, conheço bem o caso Watergate e sei que é imperdoável espiar opositores políticos. Nixon, depois de arrastar os pés, agiu em conformidade e demitiu-se.
Mas também conheço o resto. O fim da guerra do Vietnã - um conflito iniciado por Sua Alteza Real, John F. Kennedy. A abertura diplomática entre Washington e Pequim (e entre Washington e Moscou). E, claro, uma economia doméstica sobre os carris.
Por isso é ofensivo fazer comparações entre Nixon e Obama a respeito dos últimos escândalos que rebentaram nos Estados Unidos. Ofensivo para Nixon, não para Obama.
Começa por ser ofensivo pelo motivo mais básico: Nixon deixou um legado, Obama sairá sem ele. Nem sequer o encerramento de Guantánamo o atual presidente foi capaz de oferecer ao mundo, apesar da sua retórica pacifista (e do Prêmio Nobel respectivo).
Mas a comparação é ofensiva por outro motivo: Nixon saiu pelo próprio pé, Obama nem sequer contempla a hipótese. E, no entanto, o que nos dizem os recentes escândalos?
A revista "The Economist" revisita os três. Leitura imprópria para menores.
A revista "The Economist" revisita os três. Leitura imprópria para menores.
Para começar, parece que o Departamento de Justiça interceptou registros telefônicos de jornalistas da Associated Press. O Departamento de Justiça, relembra a revista, depende diretamente do presidente, o que sem dúvidas qualifica o abuso. Aguardam-se investigações.
Depois, a Receita Federal resolveu imitar o espírito tolerante do saudoso Joseph McCarthy e entendeu que era sua missão caçar algumas bruxas: no caso, caçar opositores políticos do presidente, a começar pela tribo do "Tea Party". Perfeito.
A juntar a tudo isso, existe ainda aquele atentado na Líbia, em 2012, que resultou na morte do embaixador americano. Um fato "acidental", próprio de manifestações violentas?
Longe disso. Um ataque terrorista premeditado (e talvez negligenciado pela Casa Branca). Mas admitir isso, antes das eleições de 2012, não seria o melhor cartão de visitas para Obama.
Curioso: em 2004, José María Aznar tentou esconder a natureza jihadista dos atentados de Madrid, atribuindo os ditos à ETA. Havia soldados espanhóis no Oriente Médio a combater junto
das tropas de Bush e Aznar não queria que esse "pormenor" prejudicasse o seu herdeiro, Mariano Rajoy.
das tropas de Bush e Aznar não queria que esse "pormenor" prejudicasse o seu herdeiro, Mariano Rajoy.
Azar. Os eleitores espanhóis perceberam a manobra e, três dias depois dos atentados, puniram os conservadores pelo voto.
Grampos a jornalistas, investigações fiscais a opositores políticos, incompetência (e possível encobrimento) nos atentados da Líbia: qualquer um dos escândalos chegava e sobrava para definir uma Presidência. Os três juntos, para acabar com ela. Isso, claro, se Obama fosse um político como os outros.
Não é. Em 2008, os americanos não elegeram apenas um presidente. Eles canonizaram em vida um homem que já virou santo. E os santos não pertencem mais a este mundo.
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na versão impressa de "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, no site.
Nenhum comentário:
Postar um comentário