segunda-feira, 20 de maio de 2013

Virada da diversão, Virada do arrastão - Lucas Nobile

folha de são paulo

Virada da diversão
Em sua volta ao evento paulistano, rap atrai milhares de jovens com shows pacíficos divididos em dois palcos
LUCAS NOBILEDE SÃO PAULOSeis anos após ter ser seu show marcado por uma confusão entre Polícia Militar e público, os Racionais MC's fizeram ontem, na praça Júlio Prestes, o show mais aguardado desta Virada Cultural.
A apresentação teve público de cerca de 100 mil pessoas, segundo a Secretaria Municipal de Cultura.
Se a contestação do papel da "polícia" e do "sistema" aparecem fortemente nas letras do grupo de rap, o mesmo não aconteceu em discurso surpreendente do líder dos Racionais, Mano Brown.
Diferente do ocorrido em 2007, quando a Polícia Militar declarou que os Racionais estimularam o confronto entre PM e público, a fala e a apresentação de Brown tiveram tom apaziguador.
Com crianças no palco, o líder do grupo de rap creditou a violência ocorrida no centro da cidade ao público presente no evento.
"Dez manos roubaram o [tênis] Mizuno de um moleque. Custa R$ 900. Quem aqui ganha isso?", disse o rapper.
Ele ainda pediu que a volta para casa fosse pacífica. "Olha que multidão, olha que exército. Não pode faltar ninguém na volta. A falta de um é a falta de milhões."
Há seis anos, a confusão durante o show dos Racionais teve início após algumas pessoas subirem em uma banca de jornal. Desta vez, na tentativa de evitar que algo parecido ocorresse novamente, Mano Brown foi precavido.
Ao observar que mais de 50 pessoas assistiam à apresentação de seu grupo em cima da marquise de um estabelecimento, Brown pediu que elas descessem do local.
"Esse barato vai cair, é de plástico. Já vi inventarem um monte de coisa, mas ainda não vi inventarem algo pra negão voar", disse Brown, de forma bem humorada.
Em termos de segurança, o show teve policiamento maior do que o show de Criolo, que aconteceu antes no mesmo palco. A dispersão do público após a apresentação foi rápida e sem tumultos.
A REDENÇÃO DO RAP
Famoso por atrasar seus shows em horas, o grupo de rap adiantou a apresentação da Virada, prevista para as 15h, em 30 minutos.
Pelo Twitter, a produção dos Racionais informou que a antecipação aconteceu para que Brown, santista fanático, pudesse ver a final do campeonato paulista entre Santos e Corinthians.
Quem chegou antes ao local presenciou na íntegra a melhor apresentação desta edição do evento.
Com repertório eficiente, os Racionais mesclaram músicas recentes, como "Mil Faces de Um Homem Leal", homenagem a Carlos Marighella, com outras mais conhecidas, como "Diário de Um Detento" e "Negro Drama".
Desde a confusão de 2007, o rap vinha sendo deixado de lado na Virada. Este ano, o gênero ganhou espaço não apenas no palco principal, com Racionais e Criolo, mas teve também um local dedicado ao hip-hop, na avenida Rio Branco.
Por lá, além de nomes como Sombra, KL Jay, Edi Rock e Inquérito, o destaque foi Emicida, na noite de anteontem. Com show lotado, o rapper comemorou o retorno do gênero à Virada. "Thaíde, Racionais, Criolo, isso é um sonho. Façam barulho para o rap nacional", disse ele, antes de cantar "Dedo na Ferida".
O palco de rap também teve pelo menos um arrastão presenciado pela reportagem daFolha.

    Virada do arrastão
    Apesar de programação abrangente e com artistas de peso, primeira Virada Cultural da gestão Haddad é uma das mais violentas em nove anos de evento
    DE SÃO PAULOMais concentrada no centro de São Paulo do que em anos anteriores, a Virada Cultural encerrada ontem, a primeira sob gestão do prefeito petista Fernando Haddad, foi também uma das mais violentas nos nove anos do evento.
    Uma onda de arrastões e assaltos ofuscou uma programação mais abrangente, que trouxe o rap de volta à festa, abriu espaços para o funk e o forró, reuniu intervenções artísticas de peso e sanou alguns problemas de infraestrutura.
    Apesar do orçamento recorde, de R$ 10 milhões para reforços na infraestrutura e na segurança, e do contingente de 4.800 agentes de segurança, o maior nos últimos cinco anos, um jovem de 19 anos foi baleado ao reagir a um assalto na avenida Rio Branco e morreu no hospital.
    Houve ainda mais uma morte, por uma suposta por overdose. Outras três pessoas foram baleadas e seis, esfaqueadas. No total, 28 pessoas foram detidas pela polícia e outros nove adolescentes, apreendidos. Até a conclusão desta edição, a polícia investigava outras 32 ocorrências.
    A reportagem da Folha flagrou pelo menos 11 arrastões pelo centro. Houve ataques de grupos de até 50 bandidos nas avenidas Ipiranga, São João, Rio Branco e Duque de Caxias, na praça da República, e no viaduto Jaceguai.
    Em entrevista coletiva, o prefeito Fernando Haddad admitiu que houve um "aumento do número de ocorrências". Mas o coronel Reynaldo Simões Rossi, à frente do policiamento durante a Virada, relativizou a afirmação, dizendo que prefere se pronunciar após a compilação de todos os dados da festa.
    Juca Ferreira, secretário municipal da Cultura, não quis comentar os episódios de violência, dizendo apenas que "foram casos isolados".
    Embora Simões Rossi, da Polícia Militar, evite classificar como arrastão a ação de bandidos na Virada Cultural, grupos de assaltantes agrediam frequentadores da festa, roubando bonés, tênis, joias e celulares gritando "é o bonde, é bonde do arrasta".
    Vítimas da violência na festa reclamaram da desatenção da polícia. Um jovem atingido por um chute no rosto chegou a ficar dez minutos desacordado no chão da praça da República, mas policiais disseram a amigos da vítima que havia ocorrências mais graves para atender.
    Aureliano Santana, 49, pai de Elias Martins Morais Neto, o rapaz morto com um tiro na cabeça, também cobrou providências da polícia. "Como pode um menino vir para uma festa e ser baleado? Não tinha ninguém para revistar e ver quem estava armado?"
    Drogas eram vendidas a menos de uma quadra de uma delegacia na rua Aurora e policiais permaneciam enfileirados, sem responder a delitos, na Rio Branco.
    Na rua Cásper Líbero, no entanto, a PM conseguiu prender seis suspeitos de envolvimento em um arrastão.
    Mesmo o senador petista Eduardo Suplicy teve o telefone e sua carteira furtados durante a festa e subiu ao palco após o show de Daniela Mercury, pedindo que devolvessem seus pertences --ele, de fato, recuperou alguns de seus documentos.
    Sob o olhar do prefeito, Mano Brown, líder dos Racionais MC's, reclamou da violência durante seu show.
    "Estive ontem aqui. Sou da rua, vi muita covardia no centro. Todo mundo fala da polícia, do sistema, mas eu vi vários malucos roubando. Isso está longe de ser evolução. O rap precisa de gente de caráter, não de malandrão."

      REVIRADAS
      Incorreto No palco de stand-up, na Sé, o humor politicamente incorreto de Rafinha Bastos foi só sucesso, sem nada da rejeição acalorada que enfrenta na internet.
      Incorreto 2 Citando dois processos movidos contra ele, um por fãs da cantora Wanessa Camargo e outro pela Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), arrancou gargalhadas ao resumir: "Fui processado duas vezes pelo mesmo grupo de pessoas".
      Choro O tributo a Chorão, que morreu em março, lotou o palco São João e fez muita gente desabar em lágrimas. O ponto alto foi quando Sandrão, do RZO, e o filho de Sabotage se juntaram ao grupo A Banca, formado por ex-membros do Charlie Brown Jr., para cantar "Respeito É para Quem Tem".
      Quebrando tudo Falcão não perdoou ninguém nas piadas de seu show no Sesc Santo Amaro. Sobrou para políticos ("Estava vendo a convenção do PSDB, e foi eleito o Aécio Neves", disse, antes de cantar, em "homenagem" ao tucano, a música "Abutre") e para o orgulho gay ("Algum dia vamos ter um gay na presidência. Desconfio dessa Dilma").
      Churrasquinho A feira gastronômica que ocupou av. São Luís teve como destaque o porco assado com tutu de feijão e geleia de pimenta, do chef Jefferson Rueda. Ele escreveu na barraca: "Mais vale um porco na churrasqueira do que dois no chiqueiro".
      Churrasquinho 2 Quem não achou graça foi o grupo vegano Veddas. Em protesto, gritou: "Porcos são vocês".

        Violência causa mal-estar entre PM e prefeitura
        DE SÃO PAULO
        Os seguidos arrastões provocaram durante a Virada Cultural um mal-estar entre o governo do Estado e a prefeitura. Frequentadores reclamaram de "falhas" no esquema de segurança e de uma demora de policiais militares no enfrentamento de criminosos que agiam no evento.
        Representantes da prefeitura, organizadora da Virada, disseram ter recebido, ao longo da madrugada, relatos de uma suposta inércia de PMs.
        Em dois arrastões presenciados pela Folha, logo após os crimes, era possível ver PMs concentrados perto de viaturas, que só saíam em busca de suspeitos após serem cobrados por vítimas.
        Nos bastidores do show dos Racionais MCs, a Folha acompanhou o momento em que o coronel Reynaldo Rossi conversou com o prefeito Fernando Haddad.
        Rossi negou a suposta indiferença da corporação em relação à segurança do evento e disse que a PM não se omitiu. Haddad respondeu: "Estamos tranquilos, tem um pessoal querendo fazer picuinha".
        Mais tarde, à Folha, Haddad disse estar "muito preocupado". "Estamos averiguando, porque omissão é muito grave. Estamos fazendo um relatório para podermos falar com mais assertividade."
        Organizadores da Virada disseram à reportagem, em conversas reservadas, que a omissão da PM visaria comprometer um "evento-vitrine" da gestão petista --criado pelo tucano José Serra, em 2005.
        A reportagem apurou que há muitos PMs insatisfeitos com o prefeito por causa das mudanças na Operação Delegada, em que policiais atuam pagos pela prefeitura para conter comércio ambulante.
        Para o coronel Rossi, comandante do policiamento na Virada, as ações da PM tiveram a "justa medida". "Não digo em sutileza nem em leniência. A sensação de ser vítima não é confortável para ninguém, mas gostaria de perceber o universo de vítimas dentro do universo de pessoas."


        FOCO
        Jovem fica 12 horas em DP para recuperar tênis, mas sai descalço
        GIBA BERGAMIM JR.DE SÃO PAULO"Tá todo mundo falando da polícia, do sistema, mas eu vi maluco roubando. Os malandrão (sic) roubaram o Mizuno de um moleque que custa 900 paus. Quem aqui ganha isso por mês?", perguntou Mano Brown, do Racionais MC's, ontem ao comentar os arrastões que ocorreram na Virada Cultural.
        Na mesma hora, o conferente de supermercado Fábio Viana, 24, estava descalço na delegacia. Tentava recuperar seu par de tênis Mizuno Wave Creation, pelo qual ele diz ter pago "quase R$ 1.000".
        Viana foi uma das centenas de pessoas que foram a delegacias após terem suas roupas, celulares e carteiras arrancadas à força por grupos de ladrões que agiam no chamado arrastão. Quem resistia levava chutes e socos.
        O jovem estava no DP às 5h quando viu um dos 15 detidos pela PM. Olhou para os pés de um ladrão e disse: "é meu tênis". Passou o dia na esperança de recuperar o pisante do qual Mano Brown havia falado no show. Às 17h, concluiu que o calçado não era o dele. Saiu e foi de trem a Itaquera, onde mora. Descalço.

          REVIRADAS
          Frustração alemã
          A participação do Kultur Tour, caminhão com filmes e músicas alemãs --parte das comemorações do ano Alemanha+Brasil--, foi cancelada na Virada Cultural por falta de segurança. A mostra foi programada para a rua dos Gusmões, na região da cracolândia. Produtores disseram ter pedido à prefeitura por um local mais seguro. Como não tiveram resposta, removeram o veículo dali.
          Blecaute na cozinha
          Após uma estreia marcada por filas, baixa oferta de comida e tumulto em 2012, o Chefs na Rua teve problemas nesta Virada Cultural. Metade das barracas do evento gastronômico, aberto no domingo às 8h30, ficou sem energia, sem poder cozinhar ou esquentar pratos. A energia foi restabelecida ao meio-dia.

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