Marina Colasanti - marinacolasanti.s@gmail.com
Estado de Minas: 09/05/2013
Saímos nadando
mansamente pelo igarapé, ele e eu, ele que era mais jovem e que como eu
havia vestido o colete salva-vidas. Os outros tinham saído de lancha
para pescar piranhas. No grande barco que nos hospedava, só alguns se
deixaram ficar. O sol fazia seu trabalho no azul irretocável, a água
escura tinha temperatura de chá, a mata fechava as margens. Tudo parecia
sereno, não fosse o voo de um gavião. E era imponente. Nadando ali,
como se àquele universo pertencesse, tive a funda sensação de estar o
mais próximo possível do paraíso terrestre.
Lembro disso agora, voltando de uma comovedora viagem pelo Rio Negro, no projeto Navegar é preciso, da Livraria da Vila, de São Paulo. Foram três dias a bordo alternando literatura e natureza. E deixando o porto de Manaus rumo a um pôr de sol grandioso entrecortado por colunas de chuva, novamente pensei estar mais próximo de Deus.
Pudor danado dá na gente falar essas coisas. Mas talvez seja só falta de hábito, porque o silêncio é improvável nas cidades e o aperto da multidão não conduz à transcendência.
As águas agora estão altas na Amazônia, a floresta alagada espera, duplicada no espelho escuro do rio, desse rio tão lento que no igapó se faz quase parado. Infinita é a paciência da mata. As águas não subirão mais este ano, é o que nos diz o caramujo grudado a um tronco, com suas ovas. Nenhum caramujo se afoga, nenhum caramujo abandona sua futura descendência. Onde o caramujo se instala antes da cheia, as águas não chegarão, ele sabe.
Aquela vez já distante em que nadei no igarapé, estávamos em um encontro organizado por Antonio Houaiss, então ministro, para secretários de Cultura do Norte e Nordeste. O jovem que nadava comigo era um dos secretários nordestinos, afeito ao mar. Um boto- cor-de-rosa aflorava e desaparecia adiante. E era atrás dele que, sem pressa, íamos. Houaiss, gourmet incorrigível, havia partido rumo a outro braço de rio em busca de piranhas, sonhava talvez jantar um caldo engrossado com farinha – se bem me lembro, o que trouxeram na volta não deu nem para isso. Quase todos os secretários, mais interessados no ministro do que nas piranhas, foram com ele. Affonso, sábio, havia ficado no barco. E quando me viu desaparecer ao longe, considerou mais prudente mandar alguém me chamar. O estardalhaço do jet ski estilhaçou a serenidade da mata. Nadamos de volta.
Agora, nem passou pela minha cabeça nadar no igarapé. Nadamos, porém, na Praia do Tupe, de areia branca e água tão quente como aquela cuja lembrança havia ficado na minha pele. Já envolvidos por intimidade fraterna, os participantes – alguns vindos de outros países – , nós escritores e os jovens músicos, brincamos de molho naquela espécie de liquido amniótico, coroando a viagem que terminaria no dia seguinte. Nos sentíamos longe no mundo e perto da vida.
Na viagem de Houaiss, jantando à noite, um dos organizadores me repreendeu: “você não devia ter ido nadar no igarapé. Por quê?, perguntei com leve ironia, nado muito bem. “Por causa das cobras”, disse ele. E eu, altiva, “não tenho medo de cobras”. “Você não entendeu, arrematou ele, “não estou falando de qualquer cobra, são as sucuris. Vêm por baixo da água, confundem tuas pernas com um peixe, se enroscam, e te puxam para baixo”.
Lembro disso agora, voltando de uma comovedora viagem pelo Rio Negro, no projeto Navegar é preciso, da Livraria da Vila, de São Paulo. Foram três dias a bordo alternando literatura e natureza. E deixando o porto de Manaus rumo a um pôr de sol grandioso entrecortado por colunas de chuva, novamente pensei estar mais próximo de Deus.
Pudor danado dá na gente falar essas coisas. Mas talvez seja só falta de hábito, porque o silêncio é improvável nas cidades e o aperto da multidão não conduz à transcendência.
As águas agora estão altas na Amazônia, a floresta alagada espera, duplicada no espelho escuro do rio, desse rio tão lento que no igapó se faz quase parado. Infinita é a paciência da mata. As águas não subirão mais este ano, é o que nos diz o caramujo grudado a um tronco, com suas ovas. Nenhum caramujo se afoga, nenhum caramujo abandona sua futura descendência. Onde o caramujo se instala antes da cheia, as águas não chegarão, ele sabe.
Aquela vez já distante em que nadei no igarapé, estávamos em um encontro organizado por Antonio Houaiss, então ministro, para secretários de Cultura do Norte e Nordeste. O jovem que nadava comigo era um dos secretários nordestinos, afeito ao mar. Um boto- cor-de-rosa aflorava e desaparecia adiante. E era atrás dele que, sem pressa, íamos. Houaiss, gourmet incorrigível, havia partido rumo a outro braço de rio em busca de piranhas, sonhava talvez jantar um caldo engrossado com farinha – se bem me lembro, o que trouxeram na volta não deu nem para isso. Quase todos os secretários, mais interessados no ministro do que nas piranhas, foram com ele. Affonso, sábio, havia ficado no barco. E quando me viu desaparecer ao longe, considerou mais prudente mandar alguém me chamar. O estardalhaço do jet ski estilhaçou a serenidade da mata. Nadamos de volta.
Agora, nem passou pela minha cabeça nadar no igarapé. Nadamos, porém, na Praia do Tupe, de areia branca e água tão quente como aquela cuja lembrança havia ficado na minha pele. Já envolvidos por intimidade fraterna, os participantes – alguns vindos de outros países – , nós escritores e os jovens músicos, brincamos de molho naquela espécie de liquido amniótico, coroando a viagem que terminaria no dia seguinte. Nos sentíamos longe no mundo e perto da vida.
Na viagem de Houaiss, jantando à noite, um dos organizadores me repreendeu: “você não devia ter ido nadar no igarapé. Por quê?, perguntei com leve ironia, nado muito bem. “Por causa das cobras”, disse ele. E eu, altiva, “não tenho medo de cobras”. “Você não entendeu, arrematou ele, “não estou falando de qualquer cobra, são as sucuris. Vêm por baixo da água, confundem tuas pernas com um peixe, se enroscam, e te puxam para baixo”.
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