"Ao invés de" ou "em vez de"?
A recíproca não é sempre verdadeira; sempre se pode substituir "ao invés de" por "em vez de", mas...
A coleção de mensagens de leitores que me pedem comentários sobre as mais diversas questões da língua é imensa. Faz tempo que me perguntam, por exemplo, sobre a diferença entre "em vez de" e "ao invés de".
No uso efetivo da língua, essas duas expressões se igualaram há um bom tempo; nos dicionários, gramáticas, manuais e guias de uso, no entanto, a diferença persiste. É bom lembrar que, via de regra, as obras citadas se baseiam no uso formal da língua.
A expressão "ao invés de" tem por núcleo a palavra "invés", que vem do latim "inversum" ("de modo contrário"). Como se vê, "invés" e "inverso" são da mesma família. No uso culto, a expressão "ao invés de" ocorre unicamente quando há oposição real entre duas ideias, fatos, palavras etc. Quando chega a safra de determinado produto agrícola, por exemplo, é normal que o preço desse produto caia. Se ocorre o oposto, diz-se que, "ao invés de cair, o preço subiu".
Também se pode dizer que alguém "subiu, ao invés de descer" (imagine alguém que estava no sexto andar à procura de um escritório que fica no quinto e, ao invés de descer, subiu). O "Houaiss" dá este exemplo: "Era um governante piedoso, ao invés de cruel". A mesma obra diz que "a locução ao invés de deve ser empregada quando houver uma oposição real entre determinada coisa e outra; só é sinônima de em vez de, portanto, num dos sentidos desta".
Permita-me perguntar-lhe, caro leitor: entendeu a observação do "Houaiss"? Leia-a de novo, se necessário. E então? O que se diz lá é que, num de seus sentidos, a locução "em vez de" (atenção: "em vez de") é sinônima de "ao invés de". Em outras palavras, o "Houaiss" diz que, na língua culta, ocorre o uso de "em vez de" com o sentido de "ao invés de", mas...
Mas a recíproca não é sempre verdadeira, isto é, sempre se pode substituir "ao invés de" por "em vez de", mas nem sempre se pode substituir "em vez de" por "ao invés de".
Resumo da ópera: na língua culta, registra-se uma construção como "Em vez de estudar, foi ver a namorada", mas não se registra algo como "Ao invés de estudar, foi ver a namorada". Como se sabe, "estudar" nem de longe é o oposto de "ir ver a namorada".
No uso prático da língua, ou seja, na língua do dia a dia, essa distinção beira a filigrana, por isso mesmo é sumariamente ignorada. Pela aproximação semântica, as expressões citadas (como já vimos) acabam sendo igualadas, isto é, são usadas como equivalentes.
A esta altura, os pragmáticos já devem estar pensando que é melhor pura e simplesmente riscar do mapa a expressão "ao invés de" e usar sempre a expressão "em vez de", que, como o caro leitor deve ter deduzido, não ocorre exclusivamente com o papel de estabelecer relação de oposição real entre uma coisa e outra.
Para os que amam a tradição linguística, lembro que, no padrão formal da língua, o verbo "preferir" não se constrói com "em vez de" ou com "que/do que", mas com a preposição "a", o que equivale a dizer que, nesse registro, uma frase como "Preferiu namorar em vez de estudar" é substituída por "Preferiu namorar a estudar". Na língua oral a construção "culta" tem incidência próxima de zero. O "Houaiss" diz que "o uso, embora frequente no Brasil, de preferir seguido de do que não é aceito pela norma culta da língua, embora se abone em escritores modernos e clássicos".
A julgar pelo que se vê em provas recentes ou mais antigas, os vestibulares (mesmo os mais "modernos") e os concursos públicos continuam exigindo dos candidatos o emprego da construção que o "Houaiss" dá como culta, portanto, se você participar de um desses exames, é bom ficar de olho nessas minúcias. É isso.
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