Mistério, encantamento e cumplicidade 
cercam artistas e suas fontes de inspiração. Musas e musos emprestam a 
própria alma às obras para se tornar símbolo do inconsciente coletivo 
    
    
  
  
  
    
 
Walter Sebastião
    Estado de Minas: 13/05/2013 
Apenas
 quatro letras nomeiam a musa, figura eternamente cultivada pelos 
artistas. Protetora das artes e das ciências, segundo a mitologia 
greco-romana, seu dom é inspirar. O que elas – ou eles – têm? Um 
encanto, que, observado e registrado com arte, não vem necessariamente 
da beleza, da perfeição das formas ou do poder de despertar desejo 
sexual. 
José Maria Ribeiro faz retratos de sua mulher, Fátima, 
há 40 anos. “É minha musa”, afirma. Os dois se conheceram no Festival de
 Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – ela, aluna de 
desenho; ele, de pintura. “Aquela figura bonita me inspirava. Assim 
surgiram os retratos que faço até hoje. A pintura sempre esteve entre 
nós dois”, diz José Maria. O pintor avisa: não usou a arte para seduzir 
Fátima. Isso até costuma ocorrer, admite, mas ele nunca agiu assim, pois
 considera tal comportamento impróprio.
“Pintar o retrato de 
alguém é a busca de captar a alma de algo que está além do físico”, 
explica José Maria Ribeiro. Trata-se de uma experiência de 
autoconhecimento para o modelo, sobretudo pela possibilidade de alguém 
se ver por meio da ótica de outra pessoa. É difícil expressar em 
palavras o sentimento despertado pela musa: “Um encanto misterioso”, 
arrisca José Maria. Ele fez cerca de 200 pinturas de Fátima, trabalhos 
que chama de “retratos imaginários”, além de desenhos.
A longa 
dedicação à imagem de Fátima não foi planejada. “É sempre algo novo”, 
assegura o pintor, que, aliás, tem outra musa: “Minha filha Iara, de 32 
anos, que pinto desde que nasceu. E também o Humberto”, acrescenta, 
referindo-se ao filho de 34 anos.
AMIZADE Há 
mais de uma década, o artista plástico Sérgio Nunes se dedica à série 
com cerca de 40 desenhos e algumas pinturas, cujos modelos são as irmãs 
Ana, Lídia, Maria e Ignez Lana Gastelois. Ele só aceita definir as duas 
primeiras como musas. E avisa: não é apaixonado nem casado com elas, 
escolhidas por terem o tipo adequado ao projeto que Sérgio queria 
realizar. 
Dada a explicação, Sérgio Nunes se desdobra em 
tentativas de descrever o encanto. Que nem tanto se deve à beleza do 
quarteto, mas ao modo como as irmãs mexem os cabelos, a olhares 
expressivos e a gestos sensuais.
“Fico observando o jeito delas, 
sinto que convidam ao desenho”, garante Sérgio. Em 1983, ele descobriu 
Ana e a irmã gêmea, Lídia, no Festival de Inverno da UFMG. Inclusive, já
 desenhou a filha de Lídia. “Há entre nós forte relação de amizade e 
proximidade, o que permite a abordagem e o pedido de poses e 
movimentos”, conta ele.
Se a inspiração das musas é poderosa, o 
artista explica ser necessário um platonismo para aproveitá-la. Sérgio 
revela que nunca fez retratos das mulheres por quem se apaixonou.
MUSO “Meu
 muso é Caetano Veloso”, afirma Vânia Toledo. Mineira de Paracatu, ela 
mora em São Paulo há décadas. Conhecida por retratar dezenas de 
artistas, a fotógrafa publicou seus trabalhos em livros, capas de discos
 e revistas. “Caetano é o exemplo de homem moderno da minha geração. 
Temos alto grau de cumplicidade, vejo isso no olhar dele. Respeito-o 
muito, e ele o que faço. Nunca tive um senão dele na hora de 
fotografar”, conta. 
Para se ter ideia do grau de intimidade dos 
dois, foi para Vânia que o baiano posou sem roupas em 1979. A imagem 
integraria um livro de nus. “Ele se entrega, confia no que estou 
fazendo”, agradece a mineira.
A fotógrafa não diz, mas ao 
comentar seu trabalho, deixa claro que não não mira no mito e em 
celebridades. “Trato qualquer homem como João e qualquer mulher como 
Maria. Faço musos e musas todos os que se entregam a mim. Adoro gente, 
quero sempre mostrar o melhor lado do ser humano”, conclui. 
PERSONAGEM DA NOTÍCIA
Perto da alma 
. Fátima Inchausti
. pintora
“Tenho
 um sentimento bom quando vejo cerca de 200 retratos meus que o José 
Maria fez. Sinto-me bonita. Em outros momentos, sinto que ele me pegou 
mais séria, mais preocupada. É a minha vida, uma biografia em imagens”, 
afirma a pintora Fátima Inchausti, mulher do artista plástico José Maria
 Ribeiro. “Os retratos têm muito da minha alma, algo que ele percebe sem
 que eu tenha de falar nada”, garante. Para ela, artistas que se voltam 
recorrentemente para determinado modelo gostam da figuração e têm 
facilidade para o retrato, um gênero difícil. “É a atração pelo humano, a
 tentativa de desvendar o mistério que é o ser humano”, acredita.
AS BELAS
»
 Simonetta Vespúcio (1453–1476), casada com um primo do navegador 
Américo Vespúcio, foi modelo do pintor Sandro Boticelli (1445–1510) e 
aparece nos quadros Nascimento de Vênus e Primavera. Diz a lenda que o 
último pedido de Boticelli foi ser enterrado aos pés de Simonetta.
»
 Há quem garanta que Maria do Carmo Raimundo da Silva, mulher do pintor 
Manoel da Costa Ataíde (1762–1830), inspirou a figura central da 
apoteótica imagem que se vê no teto da Igreja de São Francisco de Assis,
 em Ouro Preto.
» A beleza da pintora Tarsila do Amaral (1886–1973), musa do Modernismo brasileiro, foi saudada por vários escritores.
» A obra de Picasso (1881–1973) é dividida de acordo com as seis mulheres com quem ele viveu relacionamentos conturbados.
»
 Gala (1894–1982), a russa que trocou o poeta Paul Eluard e o pintor Max
 Ernst por Salvador Dalí (1904-1989), é a mais famosa das musas dos 
surrealistas.
» Durante sete anos, a mulata Marina Montini 
(1948–2006), miss e madrinha de blocos de carnaval que posou nua para a 
Playboy, foi a musa do pintor Di Cavalcanti (1897–1976).
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