Deveres da vitória
Seria absurdo pretender que a obediência à OMC impeça o Brasil de desejar um comércio saudável
É óbvio que, ao persuadir a maioria dos membros da organização de que o candidato brasileiro é o melhor para concluir com êxito as negociações comerciais paralisadas, o Brasil contraiu o dever moral e político de ajudar o diretor eleito a tornar possível esse objetivo.
Terá de voltar à postura proativa que assumiu em julho de 2008, quando, junto da União Europeia, propôs fórmula de compromisso em agricultura que teria permitido fechar as negociações.
Caso a proposta não tivesse sido sabotada pelos EUA de um lado e pela Índia do outro, o país teria tido ganhos em agricultura, mas seria obrigado a fazer concessões em indústria e serviços. À luz do agravamento da crise de competitividade da indústria nesses cinco anos, seremos ainda capazes de renovar as ofertas daquele tempo?
Não é o que indica a política comercial e industrial do governo, que vem multiplicando medidas contrárias, se não à letra do mandato de negociações, ao menos a seu espírito. Um exemplo é o aumento das tarifas de cem produtos; outro, as medidas de favorecimento a fornecedores nacionais. Tais decisões contrariam claramente a cultura de liberalização comercial e não discriminação que constitui a essência da identidade da OMC.
Prova de que há gente no governo consciente do problema é o episódio relatado por Paulo Sotero em magnífico artigo no "Financial Times".
Segundo o relato, um alto representante brasileiro numa organização internacional teria criticado a decisão de apresentar candidato à direção da OMC porque a "entidade representava um obstáculo à política industrial brasileira". Pode-se replicar que não são todas as políticas industriais que se chocam com a organização, mas é indiscutível que, no caso da brasileira, a frase reflete uma contradição real.
O dever nascido da vitória nos obriga a conciliar a reconstrução da competitividade com as normas internacionais. Seria absurdo pretender que a obediência à OMC implique o sacrifício do legítimo desejo brasileiro de ter um comércio exterior saudável e competitivo. A conciliação desses dois objetivos é possível, exigindo, porém, que os setores do governo responsáveis por essas decisões deixem de marginalizar o Itamaraty no momento de definir políticas contestáveis e, além disso, ineficazes.
Se a diplomacia brasileira dispõe de pessoas brilhantes como Azevêdo, que ajudou o país a ganhar as causas do algodão contra os EUA, do açúcar contra os europeus e agora obteve consagradora eleição, por que não utilizar esse conhecimento especializado no desenho de políticas compatíveis com a OMC?
Ganhar a eleição não é um fim em si mesmo. Deve ser um meio para o Brasil demonstrar não só que tem prestígio, mas que é capaz de contribuir para desbloquear as negociações, restaurar a credibilidade da OMC e ajudar o mundo a recuperar o comércio e sair da crise.
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