sexta-feira, 7 de junho de 2013

Como vive Kátia Rabello, a ex-bailarina mineira que herdou o Banco Rural e foi condenada no julgamento do mensalão por KARLA MONTEIRO


Revista Piauí 


A banqueira

Como vive Kátia Rabello, a ex-bailarina mineira que herdou o Banco Rural e foi condenada no julgamento do mensalão
por KARLA MONTEIRO

Fazia calor intenso no Pantanal na manhã de 12 de novembro de 2012, uma segunda-feira. Era cedo quando Kátia Rabello pulou da cama, o sol mal havia raiado. Estava no Mato Grosso do Sul, em uma fazenda que pertencia ao Banco Rural, instituição fundada por seu pai, o mineiro Sabino Rabello, quando ela tinha apenas 3 anos de idade. Com o namorado, um empresário do setor do agronegócio, e a sobrinha de 27 anos, seguiu para Cuiabá. Foram direto para um congresso da Organização Latino-Americana de Plantadores de Teca, assunto do interesse da família. Depois de algumas horas, já no fim da tarde, se dirigiram ao hotel, para descansar. Naquela noite, Kátia teria um jantar com um grupo de empresários também dispostos a investir na árvore nativa da Ásia que virou moda no ramo do reflorestamento.
Assim que entraram no quarto, o iPhone da banqueira apitou. Era um torpedo de uma amiga que morava no Rio de Janeiro, com quem ela não se encontrava havia alguns anos. O texto dizia o seguinte: “Tenho grande admiração e carinho por você. Se soubessem do seu coração, da artista sensível que você é, teriam sensibilidade na questão em curso. Lembro-me da minha filhota na sua escola, tão feliz. Conte com a minha amizade, querida.”
Ao exibir, meses depois, a mensagem de solidariedade que guardou na caixa de entrada, Kátia recordou que, naquele instante, o alarme soou na sua cabeça. Até então ré no processo do mensalão, ela havia se refugiado no Mato Grosso do Sul para ficar bem longe do julgamento no Supremo Tribunal Federal, que já se arrastava por quase quatro meses. “Eu estava procurando administrar desta forma: entrava no assunto, tratava o que tinha que tratar com os meus advogados, e saía. Senão, enlouqueceria”, comentou Kátia. Ao ver o torpedo, seu namorado correu para o computador. Pela expressão dele, ela teve a sensação nítida de que algo grave havia acontecido. “Saiu a pena?”, perguntou. Ele balançou a cabeça afirmativamente. Kátia leu a notícia: condenada a dezesseis anos e oito meses de prisão.
“Momento ruim, né?” Kátia suspirou, parou alguns segundos para pensar e sorveu um demorado gole de água. Estávamos na sala de sua cobertura no Sion, bairro da Zona Sul de Belo Horizonte, numa manhã de março. Era nosso segundo encontro. Vestida com calça e camisa em diferentes tons de bege, sandálias de salto baixo, ela se mexia na cadeira o tempo todo, ajeitando uma almofada atrás das costas: “A última novidade é que eu vou ter que operar a bacia. É uma esperança. Sinto dores agudas e ninguém me diz o que é.” Sobre a mesa de jantar de oito lugares, ainda repousava um farto café da manhã, com bolo de maçã feito por ela: “Meus avós eram italianos, aqui em casa a gente adora comer e cozinhar.”
Depois de insistir para que eu provasse um pedaço, ela retomou o assunto da condenação: “Eu foco no presente. Só isso me deixa sã. A minha vida foi tão surpreendente, tudo aconteceu tão diferente do que eu imaginei que só posso acreditar no presente. Acordo e penso: O que eu tenho hoje? Isso é uma prática de sobrevivência”, disse.
“Mas é claro que tenho medo”, emendou, sem desviar o olhar. “Tem horas que eu sinto muito medo e muita solidão. É uma solidão tão intensa que não existe uma palavra adequada para definir a fundura. A expectativa de uma privação de liberdade desse tamanho é inimaginável para mim.”
 
lém de Kátia, ex-presidente e herdeira do banco, mais três executivos do Rural – José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório – compunham o chamado núcleo financeiro entre os réus do julgamento mais longo e mais esperado da história do STF. Foram 138 dias, 53 sessões e 204 horas de funcionamento do plenário, que resultaram em 25 condenações, 12 absolvições e um acórdão de mais de 8 mil páginas.
O maior escândalo de corrupção do governo Luiz Inácio Lula da Silva veio à tona em junho de 2005, quando o então deputado Roberto Jefferson disse à Folha de S.Paulo que havia um esquema de compra de parlamentares da base aliada, patrocinada pela cúpula do Partido dos Trabalhadores com o aval do ministro da Casa Civil, José Dirceu, mais tarde qualificado pelo procurador-geral da República como “chefe da quadrilha”. O publicitário Marcos Valério, figura carimbada da política mineira, mas até então desconhecido da opinião pública, aparecia como intermediário entre o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e os políticos agraciados com o dinheiro. Sócio das agências de publicidade SMP&B Comunicação, DNA Propaganda e Graffiti Participações, Valério fazia a função de “homem da mala”. O Rural entrava na história como o dono do cofre que alimentou o valerioduto. Da cúpula do banco, só Ayanna Tenório foi absolvida. Vinícius Samarane foi condenado a oito anos e nove meses de prisão. José Roberto Salgado amargou a mesma pena de Kátia Rabello.
 Para o Supremo, ela cometeu quatro crimes: gestão fraudulenta (condenada por unanimidade), evasão de divisas (9 votos a 1), formação de quadrilha (6 a 4) e lavagem de dinheiro (unanimidade). Todos os delitos derivaram de um fato: o Banco Rural emprestou 32 milhões de reais ao esquema, sendo 3 milhões diretamente ao PT e 29 milhões para duas empresas de Marcos Valério, a Graffiti (10 milhões) e a SMP&B (19 milhões).
O ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, sustentou a tese e convenceu seus colegas de que os empréstimos eram fictícios, isto é, meros repasses de dinheiro. Entre os indícios, citou o fato de que o Rural aceitou de bom grado sucessivos pedidos de renovação dos empréstimos, realizados a cada noventa dias. Foram dezenove renovações no total.
Na sessão de 3 de setembro de 2012, a 36ª do julgamento, Barbosa falou durante mais de duas horas a respeito do comportamento do banco. Em pé e debruçado sobre o espaldar da cadeira, como de hábito, brandia papéis no ar enquanto enumerava os vestígios de que o Rural emprestara o dinheiro para cobrar a conta em favores políticos: o banco ocultou documentos, ignorou a avalanche de saques vultosos na boca do caixa, atribuiu uma classificação de risco de crédito incompatível com a situação real dos devedores, entre outras coisas.
 
u coloco isso como a maior derrota na minha vida profissional, cinquenta anos de advocacia”, lamentou-se José Carlos Dias, representante de Kátia no processo. Ocupando a cabeceira da mesa de reunião do escritório Dias e Carvalho Filho, no Edifício Itália, Centro de São Paulo, ele explicou seu inconformismo: “Gestão temerária seria aceitável, embora ela não tenha participado de nenhuma das operações de crédito. Kátia só participou de duas renovações do empréstimo do PT, que, aliás, veio a ser pago. [O PT quitou o empréstimo de 3 milhões de reais em 34 parcelas, a última paga em 28 de junho de 2011. O valor final foi de 11 milhões.] Por ela estar no cargo de presidente poderia até se dizer que tinha domínio do fato. Mesmo aceitando isso, foi um ato de condenação exagerado e, a meu ver, absurdo.”
Além de José Carlos Dias, ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, a cúpula do Rural contratou Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça de Lula, que ficou responsável pela defesa de Salgado, vice-presidente do banco à época dos empréstimos. Nem Kátia nem Dias revelam os valores envolvidos. Mas, apenas com sua defesa (que inclui um serviço de assessoria de imprensa contratado pelo escritório de advocacia), a banqueiracomentou com amigos ter gasto 10 milhões de reais.
 O revés sofrido por nomes do pelotão de elite da advocacia criminal brasileira saiu muito maior que a encomenda. Até o início do julgamento, ninguém esperava uma derrota desse quilate. Os advogados questionam principalmente dois pontos: a fixação das penas e a condenação por lavagem de dinheiro.
“A denúncia é muito ruim. É fraca tecnicamente. Eles [os executivos do Banco Rural] são acusados dos mesmos fatos, ora gestão fraudulenta, ora lavagem de dinheiro, e, de repente, evasão de divisas”, disse Thomaz Bastos, sentado na sala de reunião do seu escritório, na avenida Brigadeiro Faria Lima, uma das regiões mais nobres de São Paulo. “Para existir crime de lavagem de dinheiro é preciso haver intenção específica de colocar dinheiro sujo na legalidade. Não houve isso.” De acordo com o advogado, “o julgamento foi feito sob muita pressão midiática. Tinha gente que assistia a Vale a Pena Ver de Novo e, depois, o mensalão. Virou programa de tevê”.
Além dos aspectos técnicos levantados pela defesa, seu entorno acreditava que a biografia de Kátia funcionaria como atenuante no julgamento. Desde sempre ligada ao mundo das artes, bailarina e dona de uma companhia de dança, ela assumiu o comando do banco após uma sucessão de fatalidades trágicas – e teria feito isso contra a sua vontade, praticamente à véspera do escândalo e já no curso dos acontecimentos que levaram à sua condenação.
O enredo segundo o qual Kátia Rabello seria uma espécie de presidente decorativa e pouco informada do que se passava abaixo dela esbarra num fato: em 2004, ela, já no comando do Banco Rural, encontrou-se duas vezes com José Dirceu. O primeiro encontro aconteceu no Palácio do Planalto. E o segundo, no restaurante do Ouro Minas, hotel cinco estrelas de Belo Horizonte. O ministro todo-poderoso do governo Lula abalou-se até Minas Gerais para falar de um assunto que interessava ao Banco Rural.
O objetivo de Kátia Rabello era apressar a suspensão da liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco. A decisão envolvia “vontades políticas”, disse ela em depoimento à Polícia Federal sobre as conversas com Dirceu.
Insolvente, o Mercantil sofrera intervenção do Banco Central nos anos 90. O Rural, em seguida, comprou 22% das ações em liquidação. Desde 2001, o banco mineiro e outros acionistas alegavam que os ativos do Mercantil já eram suficientes para saldar as dívidas. No julgamento, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que o ganho esperado pelo Rural com o fim da liquidação “superava a casa do bilhão de reais”. Quando a intervenção no Mercantil foi finalmente suspensa, no início de 2012, o banco de Kátia Rabello recebeu 96 milhões de reais. Thomaz Bastos diz que houve “terrorismo” da Procuradoria. Esta sustenta que o Rural não levou o que esperava porque não houve tempo de o esquema se completar.
 
"Já disse tudo. Fui muito transparente o tempo todo.” Logo de saída, Kátia avisou que não falaria nada diretamente relacionado ao processo. Estávamos numa tarde de março de céu azul quando ela aceitou conceder sua primeira entrevista pessoalmente desde que fora apontada como ré no julgamento do mensalão, em 2007. Trajava um vestido preto de malha, cobrindo os joelhos. Não usava nenhuma maquiagem nem esmalte nas unhas. Os cabelos curtos se ajeitavam com dificuldade num minúsculo rabo de cavalo.
A conversa começou com um esclarecimento: “Em cada jornal saiu uma idade diferente. Não gostei de 58. Acho que vou adotar 41, 41 é bom, né? Na verdade, eu tenho 51 anos. Faço 52 em junho.” Com pouco mais de 1,70 metro, Kátia tem o corpo ao mesmo tempo farto e alongado. É uma mulher grande. O sotaque é mineiríssimo e sua fala vem entremeada por expressões como “uai”, “bom demais da conta” e sucessivos “né?”.
Ela mora sozinha numa cobertura duplex. Os móveis do apartamento também são do estilo mineiro, de madeira pesada. Um estandarte do Divino Espírito Santo, com fitas azuis acetinadas, no topo da escada que leva ao terraço, chama a atenção. E, mais uma vez como boa mineira, Kátia não resistiu a uma citação filosofante de Riobaldo: “Tem uma frase de um personagem do Guimarães no Grande Sertão de que eu gosto muito: ‘Não percoocasião de religião.’ Eu não perco ocasião de religião. Tenho uma crença muito forte de que existe um sentido maior”, disse. À religião, depois do processo, Kátia juntou a autoajuda. Leu três livros recentemente: O Poder do Agora, de Eckhart Tolle, A Paz é Possível, de Prem Rawat, e o clássico hippie Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, de Robert Pirsig.
Em casa, a banqueira é assessorada por três empregados: uma cozinheira, com ela há mais de duas décadas, uma faxineira e um motorista. Sempre andou cercada por guarda-costas. O pai, ela contou, tinha “uma coisa com segurança”. “Por questões óbvias não me permitem falar sobre quem ou quantas pessoas me acompanham”, disse, mudando de assunto. Os dois filhos, com 26 e 21 anos, vivem fora de Belo Horizonte. O caçula é músico; o mais velho, empresário de futebol.
 
esde que deixou a presidência do Rural para responder ao processo, Kátia divide o tempo entre cuidar de si – faz várias sessões de RPG e massagens por semana para aliviar as dores nas costas – e da própria defesa. “Para os advogados, é só mais uma causa. Para mim, é a minha vida”, comentou. “Também tenho uma vida, como todo mundo, mãe, filhos, amigos... Não estou deitada na cama, me consumindo em lágrimas. Já tive esse momento.” Kátia não faz terapia, mas passou a tomar remédios para dormir.
Não é difícil encontrar no ambiente artístico e cultural da capital mineira quem esteja disposto a sair em defesa da banqueira. Mulher forte! Boa mãe! Guerreira! Amiga! Generosa! Sensível! Ingênua! Artista! Ao longo de meses, ouvi todas essas qualificações a seu respeito. Para alguns, a condenação parece soar quase como uma ofensa pessoal. Numa noite de meados de março, no restaurante preferido de Kátia, A Favorita, o produtor cultural Afonso Borges, uma figura popular na cidade, idealizador do projeto “Sempre um Papo”, que há 27 anos promove encontros com escritores nos palcos mineiros, fez o seguinte comentário: “Não é a gente que consola a Kátia, é a Kátia que nos consola. Ela é uma mulher muito forte. Outro dia me disse, em tom de brincadeira, que vai aproveitar o tempo na cadeia para ler todos os livros que nunca leu. Kátia adora ler. É uma pessoa muito erudita.”
Da elite política, ela afirmou nunca ter recebido afago. “Meu pai convivia com parentes e com as pessoas que trabalhavam com ele. Só teve um amigo na vida. Júnia [a irmã mais velha, de quem herdou o cargo de presidente do banco] não era uma pessoa simpática. Participava dos eventos, mas sempre no plano formal. Eu venho de outro mundo. Não temos relações pessoais com políticos”, insistiu.
No “plano formal”, Aécio Neves já manifestou publicamente a sua admiração pelo Banco Rural. Na cerimônia de 40 anos da instituição, em outubro de2004, meses antes do estouro do mensalão, disse em discurso no Palácio das Artes que Minas devia uma palavra de agradecimento ao Rural. “O Banco Rural é o orgulho dos mineiros”, destacou o então governador, entre elogios superlativos. Um ex-consultor do banco que preferiu ter sua identidade preservada afirmou que Aécio e Andréa Neves, responsável pela distribuição da verba publicitária no governo do irmão, telefonaram para Kátia por ocasião do indiciamento para prestar solidariedade à banqueira. “A Kátia não contaria isso. É muito discreta e procura não envolver ninguém. Mas eu mesmo atendi telefonemas deles, mais de uma vez”, disse.
 
átia Rabello nasceu em 1961, em Belo Horizonte. A mãe, Jandira, hoje com 90 anos, assumiu a função que lhe cabia: dona de casa. O pai, Sabino Rabello, de temperamento atrevido e cabeça voltada para os negócios, pertencia a uma família tradicional, influente no cenário político mineiro. O seu pai, o empresário Ajax Rabello, foi um dos amigos mais próximos de Juscelino Kubitschek – de acordo com Kátia, o único político de quem a família foi realmente próxima.
Advogado de formação, doutor Sabino, como era conhecido, logo enveredou para a construção civil. Abriu estradas, ergueu pontes, progrediu. Fundou duas construtoras, a Tratex e a Servix. No caso Collor, a primeira ganhou má fama ao ser flagrada como uma das fontes do dinheiro que alimentou o esquema PC Farias. Sabino não se deu ao trabalho de negar as relações promíscuas. Na época, admitiu publicamente: “O Paulo César estava precisando de recursos para liquidar dívidas. A proposta, levada à diretoria da Tratex, foi aceita pelo interesse da empresa em manter um bom relacionamento com o governo, diga-se de passagem, recém-empossado.”
Foi em 1962 que o empreiteiro ingressou no mercado financeiro. Comprou a carta-patente do minúsculo Banco Manoel de Carvalho e, mais tarde, em 1964, o rebatizou de Banco Rural. Não porque tivesse gosto ou interesse particular pela vida no campo. A razão era outra: era apaixonado pelo automóvel Rural Willys.
É possível contar uma parte da história dos escândalos políticos desde a redemocratização seguindo os passos do Rural. Ele apareceu na Comissão Parlamentar de Inquérito do PC, que desaguou no impeachment de Collor. Era uma das instituições financeiras em que o esquema mantinha contas fantasmas. E já foi citado em outras quatro cpis: do Orçamento (1993), dos Títulos Públicos (1996), do Futebol (2000) e do Banestado (2003).
Os olhos de Kátia brilham quando ela se lembra dos “sabinismos”. “Papai era um homem fora do comum. Excêntrico. Não frequentava a sociedade. Dinheiro para ele tinha duas funções: segurança e conforto. Nunca deu bola para status”, disse.
E soltou uma boa risada antes de começar a contar a história de uma das invenções paternas, que gostava, segundo ela, de bancar o Professor Pardal: “Quando eu era criança, ele inventou a churrasqueira vertical, a VertGrill. A gente saía pelas feiras... Eu, com 10 anos, de garota propaganda da VertGrill, imagina?”
Sabino e Jandira tiveram três filhas: Júnia, Nora e Kátia, a caçula. A diferença de idade entre as três era de quatro anos quase cravados uma da outra. Júnia, a primogênita, foi preparada para ser a sucessora nos negócios. Antes mesmo de terminar a faculdade de engenharia, já trabalhava na financeira que pertencia ao Banco Rural.
 “A Júnia era o sucessor. Ela brincava que o papai a batizou assim porque estava esperando o Júnior”, comentou Kátia. A irmã teve que cumprir todos os papéis. Casou-se com as honras e pompas das famílias mineiras tradicionais: cerimônia na Basílica Nossa Senhora de Lourdes, vestido do costureiro Gerson, o chique da época, e recepção para mil convidados no Automóvel Clube.
Ainda nos anos 80, Júnia assumiu a presidência do banco, tendo como braço direito o executivo José Augusto Dumont. Os dois trabalharam na financeira e seguiram juntos para o Rural. Nas mãos da dupla, a fortuna da família floresceu. O banco chegou a ter um patrimônio líquido de 700 milhões de reais, ocupando o posto de quinta maior instituição financeira privada do país, com uma carteira de ativos (investimentos) de 5 bilhões de reais.
Na rabeira da linha de sucessão do império Rabello, Kátia se deu ao luxo de seguir a vida que bem quis. Aos 12 anos, foi fazer balé na escola do Palácio das Artes, o correspondente mineiro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Ficou lá dois anos até migrar para a escola do Grupo Corpo, uma das mais renomadas companhias de dança contemporânea do país, onde permaneceu por mais de cinco anos. “Ela não se destacava individualmente. Mas fez parte de uma turma de alunas que se dedicava muito ao estudo da dança. Era uma pessoa correta, simpática, envolvida”, lembra Carmen Purri, a Macau, diretora da escola e assistente de coreografia do Corpo.
Quando chegou a hora de ir para a universidade, Kátia optou por biologia. “Eu saía da faculdade às cinco da tarde, trocando de roupa dentro do carro, e chegava ao Corpo pontualmente às seis. Fazia aulas até onze da noite”, recordou. Com 19 anos, resolveu estudar inglês em Londres e, depois, dança numa escola de ponta alemã, a Universidade de Artes Folkwang, na cidade de Essen, frequentada pela turma de Pina Bausch. Na volta ao Brasil, em 1981, juntou-se à amiga e bailarina Suely Machado, também do Grupo Corpo, e criou sua própria escola, o Primeiro Ato.
 
o escolher o marido, Kátia também não seguiu o figurino tradicional. Casou-se com um pianista que tocava na noite, José Namen. A festa aconteceu num sítio, no estilo “coisa de artista”, como Kátia a descreve. “Ela sempre foi artista. Nasceu velha e foi ficando jovem. Tem uma relação muito profunda com a vida, com a família”, disse Suely, a grande amiga de Kátia. São tão próximas que a ex-bailarina amamentou o filho de Suely. Foram mães ao mesmo tempo.
Hoje Suely dirige sozinha a escola e a companhia. Nos anos 80–90, o Primeiro Ato ocupou posto importante no cenário da dança contemporânea, com espetáculos marcantes como Isso Aqui Não é Gotham City, em que misturava teatro, história em quadrinhos e dança. “Nos primeiros anos não tínhamos patrocínio. A gente sobrevivia das aulas”, lembrou Suely. Em 1989, o grupo ganhou a Concorrência Fiat para a dança, um prêmio da empresa para as artes. O dinheiro deu fôlego até que, em 1992, com o surgimento da Lei Rouanet, o Primeiro Ato passou a ser patrocinado pelo Banco Rural. “Júnia foi assistir Gotham City e, no final, falou: ‘Gostei. Isso eu quero patrocinar.’”
As irmãs, que eram distantes, começaram a se aproximar. Sentavam-se à mesa da presidência do Rural, cada uma de um lado, para discutir a parceria. O Rural punha dinheiro no grupo. Em troca, o grupo se apresentava para clientes do banco em ocasiões especiais. Na época, os bancos começavam a apostar em marketing cultural. “Júnia era uma pessoa muito dura. As pessoas diziam que era arrogante. Eu também achava. Hoje vejo que era até mansa, pela dificuldade de ser uma mulher nesse cargo. Você não consegue nem um cafezinho se você não se colocar. Até a copeira vai te desprezar”, disse Kátia. E continuou elogiando a irmã: “Desenvolvi uma enorme admiração pela Júnia. Quando eu a via tomando decisões, nossa... Era impressionante. Ela sabia o que queria, fazia observações pontiagudas. Costumava falar quando não entendia um relatório: ‘Não tem bom-senso nisso. Não consigo ler.’ Mas era montando a cavalo que ela ficava mais à vontade.”
 Nora, a irmã do meio, havia estudado psicologia e vivia boa parte do tempo na Bahia. Em 1994, Júnia fez o convite que seria o começo da virada do destino de Kátia.
Ela se remexe na cadeira, olha o relógio, pede licença e vai até a cozinha. Volta com uma jarra d’água. E diz que precisamos interromper a entrevista “daqui a pouquinho”. As dores nas costas a incomodam. Não consegue ficar sentada por muito tempo. Também tem um compromisso. Precisa passar na casa da mãe.
“Bom”, prosseguiu Kátia, “um belo dia, do nada, a Júnia chegou para mim e disse que queria que eu assumisse a superintendência de marketing e comunicação do Banco Rural. Eu, claro, ouvi e deletei aquilo da minha cabeça.” No ano seguinte, a irmã renovou o convite. “Ela disse que precisava de mim. Fazia dramas, dizia que se sentia muito sozinha. E se sentia mesmo. Hoje eu compreendo.”
A bailarina, enfim, aceitou. Conversou com a sócia e, em meados de 1995, foi trabalhar no banco da família. Organizava festas e eventos, cuidava da imagem institucional. Mas continuou dançando. “Ela chegava no Primeiro Ato antes de todo mundo. Entrava na sala de aula com uma pilha de CDs e ficava lá estudando movimentos”, recorda Suely, a amiga. Só quando as dores nas costas aumentaram ela parou.
 
ra o dia 26 de fevereiro de 1999. Kátia e o então marido, José Namen, tinham acabado de se sentar para almoçar. Ela se recorda do cardápio: carne assada com batatas. “A gente estava bem ali, naquela mesa”, conta, apontando o dedo para uma mesinha de quatro lugares do outro lado da sala. Antes de darem a primeira garfada, o motorista entrou correndo para avisar que o helicóptero do Banco Rural havia caído. “Eu me lembro de olhar para o prato e jogá-lo no chão”, diz Kátia. Quase ao mesmo tempo, o telefone tocou. A pessoa do outro lado da linha, alguém da direção do banco, anuncia: “Júnia morreu.”
“Saí trombando pelas paredes. Completamente cega. Meu marido atrás de mim, gritando para eu parar. Entrei no quarto e fechei a porta. Estava fora, totalmente fora de mim. Isso demorou uns cinco minutos.” Então, prosseguiu Kátia, “eu me lembrei da minha sobrinha Renata,  sozinha em Londres”. [Júnia teve duas filhas, Renata, hoje com 33 anos, e Vitória, que estava ao lado da tia no dia em que o STF definiu sua sentença.] “Ela estava lá na Inglaterra, estudando moda. Me baixou uma frieza. Sou assim: quando preciso funcionar, fico fria. Isso, aliás, tem me ajudado muito. Só sei que comecei a tomar todas as providências, desde mandar buscar a minha sobrinha até as flores do caixão.”
O acidente que matou Júnia Rabello aos 45 anos causou grande comoção. O helicóptero teve que fazer um pouso forçado na zona rural de Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte, às 11h40, quando retornava da fazenda da família em Lagoa Santa. O piloto Luís Francisco Belculfine conseguiu pousar na mata, depois de bater em dois coqueiros e perder a cauda. Mas, ao descer do aparelho, Júnia teve a cabeça decepada pela hélice e morreu instantaneamente. O instrutor de equitação da banqueira também foi atingido pela hélice, mas sobreviveu. O piloto sofreu ferimentos leves. “Até hoje as pessoas falam do acidente. Foi tão, tão chocante”, Kátia olhava para o teto enquanto falava.
Passados os ritos fúnebres e o primeiro impacto da morte de Júnia, Kátia viu cair no seu colo... o Banco Rural. Até então, Júnia ocupava a presidência. José Augusto Dumont era o vice, com função executiva – quem, de fato, tocava o dia a dia. O pai, Sabino, na época com 79 anos, presidia o Conselho de Administração. Mas já sofria com uma microisquemia e, a cada dia, perdia mais funções do corpo. Só a cabeça seguia funcionando bem.
“Eu não queria continuar no banco sem a Júnia. Mas, não sei se por pressão ou não, comecei a sentir uma obrigação com a minha irmã. Eu precisava conduzir aquele projeto. Eu conhecia a visão da Júnia, como ela achava que as coisas deviam ser.” Na dança das cadeiras, doutor Sabino reassumiu a presidência executiva. Manteve José Augusto na vice-presidência. E nomeou Kátia presidente do Conselho de Administração. “Dois anos depois, eu e meu pai trocamos de posição. Havia muitos compromissos sociais de um presidente de banco dos quais papai não dava mais conta. Ele estava debilitado, na cadeira de rodas”, ela falou.
Kátia havia traçado um plano: quando o pai faltasse, ela retornaria à presidência do conselho, e José Augusto subiria para a presidência executiva. Enquanto isso não acontecia, decidiu colocar a mão na massa: “O banco tinha um modelo de gestão antigo, personalista, centralizador. Eu estava lendo muito sobre o assunto, sabia que tínhamos que avançar.” José Augusto continuou administrando a máquina. E ela, como presidente, fazia a interface entre os executivos, os diretores e o pai: “Eu era uma pessoa de representação. Precisei assumir a vida institucional e social do banco. Banco médio e pequenotêm essa coisa do dono...”  Voltado para  o chamado middle market, especializado em dar crédito a quem não possuía credenciais suficientes para contrair empréstimos nos grandes bancos, o Rural chegou a ter 100 agências e vivia seu auge em 2004.
Foi nesse mesmo ano que o destino de Kátia sofreria a segunda guinada. José Augusto Dumont morreu num acidente de carro no mês de abril. O paide Kátia ainda estava vivo. “Eu falei: agora chega. A vida inverteu tudo. Decidi sair do banco. Para mim, era uma traição. Sem o José Augusto não dava” – ela se exaltou, mantendo o olhar firme, sem piscar. “Por outro lado, como eu podia chegar no dia seguinte da morte do futuro presidente e dizer: Tchau, gente, estou indo para o meu balé?”
O contador Plauto Gouvêa passou mais de duas décadas no Rural e está aposentado há dois anos. Homem que cuidava do back office do banco e fiel escudeiro do doutor Sabino, ele relata que estava em Brasília quando a mulher lhe telefonou avisando do acidente. Para Gouvêa, foi ainda pior do que a morte da irmã de Kátia. “Júnia e José Augusto faziam uma dobradinha. Ela era durona, de trato não muito fácil. Ele era simpático, amável.” Uma cena ficou gravada em sua cabeça: “Eu me lembro da primeira coisa que a Kátia disse quando eu cheguei ao velório do José Augusto. Ela olhou para mim e falou: ‘E agora, Plauto? O que é que eu vou fazer?’”
Em novembro de 2004, a quebra do Banco Santos deflagrou uma corrida para os bancos grandes – apelidada fly to big– e provocou um abalo no Rural. Em meados de 2005, veio o mensalão e afundou o banco numa crise sem precedentes. O Rural viu sua carteira reduzida de 5 bilhões para 800 milhões de reais. Os acionistas injetaram 750 milhões de reais para mantê-lo vivo. (Hoje, com 23 agências e 700 funcionários, a instituição está reduzida a um terço do tamanho que tinha antes da crise.)
 
xiste uma máxima para elucidar o jeito mineiro: “Em Minas tudo pode, menos o escândalo.” O jornalista Lucas Figueiredo, nascido em Belo Horizonte, gosta de repeti-la. Em 2006, ele lançou O Operador: Como (e a Mando de Quem) Marcos Valério Irrigou os Cofres do PSDB e do PT. Ele me recebeu numa manhã ensolarada em sua casa, pouco depois de chegar da corrida matinal em volta da lagoa da Pampulha. Foi logo falando: “Numa família de industriais, tem o filho que é criado para trabalhar no chão da fábrica. E tem o outro criado para ser cantor de ópera. O destino trai e o cantor de ópera se revela um excelente industrial.”
Figueiredo defende a tese de que Kátia Rabello se tornou uma “banqueira tarja preta”. Ou seja, numa analogia mais explícita, ela seria a versão mineira de Michael Corleone, o personagem de Al Pacino no Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola.
“Kátia não foi criada para ser uma criminosa, mas, quando ela é colocada dentro de um esquema criminoso, age como criminosa. Isso não exclui o fato de ela ser sensível, uma grande bailarina, uma excelente mãe, uma amiga fiel, uma pessoa adorada na sociedade”, enumerou Figueiredo. E concluiu: “É isso que as pessoas aqui não entendem. A banqueira tarja preta e a bailarina sensível são a mesma pessoa. A vida não é vilão contra mocinho. As pessoas são mais complexas do que isso.”
Para o jornalista, encontrar alguém de peso disposto a falar do Banco Rural ou de Kátia em Belo Horizonte é uma missão impossível. “Aqui em Minas você não vai encontrar ninguém pichando a Kátia. O Banco Rural sempre foi amigo de todo mundo. Sempre ajudou todos os projetos políticos. Minas se protege. Vivemos na calmaria dos pântanos.” E disparou: “Ela foi condenada. Em algum momento vai para a cadeia. A banqueira vai para a cadeia. Existe um movimento muito grande em Minas para jogar água de colônia no currículo dela.”
O Operador traça em detalhes o fio da meada do esquema de Marcos Valério, que desembocou no julgamento do mensalão petista. O Banco Rural aparece logo nos primeiros capítulos. Em 1998, o publicitário cedeu o nome da DNA – e por conseguinte o seu e o de seus sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach – para empréstimos no banco então presidido por Júnia Rabello e José Augusto Dumont. Conforme a denúncia, eles assinaram as promissórias, pegaram o dinheiro e repassaram para a campanha de Eduardo Azeredo e Clésio de Andrade, a dobradinha que disputava o governo de Minas pela coligação liderada pelo PSDB. O primeiro empréstimo foi de 2 milhões de reais. E o segundo, de 9 milhões. No caso em questão, os empréstimos também seriam fictícios. O Banco Rural não contava receber a dívida. Não em dinheiro, pelo menos.
Azeredo perdeu a eleição para Itamar Franco. Mas Valério ganhou: a SMP&B e a DNA deixaram de ser as agências que atendiam ao governo de Minas e foram recompensadas com novas contas no governo FHC: além do Banco do Brasil e da Fundacentro, as empresas de Valério passaram a atender o Ministério do Trabalho, o Ministério dos Esportes e a Eletronorte. O Banco Rural, por sua vez, deixou barato. Emprestou 11 milhões de reais e recebeu 2 milhões, cinco anos depois. O restante seria pago em contratos publicitários, conforme o banco declararia posteriormente. O mensalão mineiro, como ficou conhecida a primeira fase do valerioduto, foi citado por Joaquim Barbosa como o início do que chamou de “quadrilha”. O caso está sendo julgado em Minas Gerais. Apenas Eduardo Azeredo e Clésio Andrade, que têm foro privilegiado, serão julgados no STF. O desmembramento da perna mineira e tucana do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal foi um dos pontos questionados pelos advogados de Kátia Rabello. Por que a diferença de tratamento, se o esquema era o mesmo?
 
alando de São Paulo, via Skype, o ex-diretor do Banco Central, Nelson Carvalho, atualmente consultor e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, saiu a campo na defesa de Kátia Rabello. Ele estava na sala de reuniões do Banco Rural quando o escândalo do mensalão estourou. Permaneceu ao lado de Kátia até 2009. Fazia parte de um grupo de consultores pessoais, que incluía ainda Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central; Paolo Zaghen, ex-presidente do Banco do Brasil; e o advogado mineiro Caetano Vasconcelos.
Carvalho foi o primeiro a chegar. Fora contratado para assessorar Kátia após a morte de José Augusto Dumont. A memória do professor sobre o “dia fatídico” está viva: “Tínhamos acabado de comer, na sala de reunião mesmo, e ligamos a televisão. Naquele momento, apareceu a foto do Banco Rural de Brasília com as primeiras informações, ainda desencontradas, do que se tornaria o mensalão.”
Ele convocou uma reunião e avisou Kátia do risco: poderia haver uma fuga de depositantes. “Eu disse a ela: você só tem uma possibilidade de parceria, a autoridade monetária. O Banco Central tem que estar a seu lado. Ele é o supervisor, ele é o regulador. Não interessa ao BC a quebra de um banco, na medida em que isso imprime o risco de um efeito sistêmico, gera metástase.” Carvalho ligou para o Banco Central e pediu uma reunião de emergência com o então presidente do BC, Henrique Meirelles. O chefe de gabinete marcou para o dia seguinte, sexta-feira, em São Paulo, onde o ministro estaria despachando. “O Meirelles agiu como eu acho que um presidente do BC tem que agir. Depois que expusemos o caso, ele saiu da sala. E meia hora depois voltou com a solução. Disse: ‘Estejam segunda-feira com o doutor Antonio Carlos Bueno, do Fundo Garantidor de Créditos.’”
No retorno a Belo Horizonte, Kátia, assessorada por Carvalho e pelos outros consultores então contratados, iniciou a “operação salvamento” do Banco Rural. “Fechamos, acho, quase oitenta agências. Demitimos e indenizamos um número enorme de pessoas. Readequamos os produtos. Eu acompanhei o banco durante todo esse processo”, relatou Carvalho.
Ao recordar esse período, ele afirma: “Eu conheci a Kátia. Houve dias em que vi dentro do banco, ao mesmo tempo, Polícia Federal, Ministério Público, Banco Central, auditores independentes. Isso causava um estresse inexplicável, mas a Kátia tinha uma habilidade incomum para manter o autocontrole. Em muitas reuniões, eu a ouvi dizer com muita sinceridade que também havia sido pega de surpresa. Tenho pena da Kátia. Ela está pagando pelos pecados que outros cometeram.”
 
átia ajeitou-se mais uma vez na cadeira, à frente da mesa da sala de jantar. “Quando eu conto toda essa história, eu pulo a morte do papai. Era tanta confusão. O José Augusto tinha morrido há poucos meses. Logo depois veio a crise do Banco Santos, gerando um tsunami. Papai morre em janeiro de 2005. E, em seguida... o mensalão. Eu não havia superado ainda nem a morte da Júnia. Não há metáfora para abarcar o tamanho do que eu vivi”, ela diz, sorvendo um café preto. “Eu estava sozinha. E fui radical. Se o banco tem que encolher, vai encolher. Se o acionista tem que botar dinheiro, vai botar dinheiro. E a imprensa em cima. Eu tinha uma demanda de trinta entrevistas por dia.”
O pior, porém, ainda estava por vir: o julgamento e a sentença. Kátia bebeu mais um gole de café e relatou as providências que havia tomado naquele dia, em Cuiabá, ao ler na tela do computador “condenada a dezesseis anos e oito meses de prisão”: chamou seu namorado e sua sobrinha, mandou que fossem para o jantar combinado com os empresários do ramo da teca, e ficou sozinha no hotel. Passou algumas horas na cama, olhando para o vazio. “Quando ficou tarde, senti fome. Aqui em casa a gente não perde a fome. Peguei um táxi e fui para um rodízio de peixes que eu amo em Cuiabá.” No dia seguinte, despediu-se do namorado, com quem estava havia nove anos. E seguiu para o aeroporto sozinha. A sobrinha também ficou. Na sala de embarque, escreveu um e-mail para ele, terminando a relação. “Qual o sentido? Qual o plano de vida? Qual a expectativa de construção? Nenhuma, né? Eu queria que ele se sentisse livre.”
Dois meses depois, ela recebeu um e-mail do ex-companheiro. Era a letra de uma música: Esse Cara Sou Eu. Kátia leu e não reconheceu. Talvez fosse a única pessoa no país que não ouvira ainda o sucesso do Roberto Carlos, trilha sonora da novela das oito, Salve Jorge. Como ele mora em Mato Grosso do Sul, pensou que fosse um sucesso sertanejo. Naquele mesmo dia, embarcou para São Paulo para uma reunião com os advogados. No aeroporto, ouviu um flash da música. Ao chegar à capital paulistana, pegou um táxi e a música tocou mais uma vez. “Perguntei ao motorista: de quem é essa música, moço? Ele então me falou que era a música da novela. Quando voltei para Belo Horizonte, meu namorado veio me ver e reatamos. Eu não podia escolher por ele.” Kátia ri da piada de que tudo no Brasil acaba – “mesmo, né?” – é em Roberto Carlos.
Seus advogados continuam trabalhando com recursos junto ao Supremo na expectativa remota de ainda livrá-la da prisão. “A gente sempre tem esperança”, ela diz. 

6 comentários:

  1. É muuito bom ver bandido na cadeia. Kátia Rabello é bandida. Bandidona.

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    1. Olha meu bem , quem pode nos jugar é apenas Deus , então fica quieto na sua ok

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Fui um dos seguranças da família, convivi de perto com todos durante anos e posso dizer que Kátia Rabello é uma pessoa boa, não tem vocação e nem foi preparada para assumir o Rural. Caiu numa emboscada do destino. Oro por ela e pela família. Que Deus transforme esse incidente em benção!

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