Duas faces do Senado
Sabatina de Luís Roberto Barroso, indicado ao STF, oferece ocasião para senadores ostentarem verniz liberal em meio à estagnação
Pelo que afiançaram alguns dos presentes, não há memória no Senado de sabatina tão longa quanto a que examinou a indicação, pela presidente Dilma Rousseff, do advogado Luís Roberto Barroso para a vaga de Carlos Ayres Britto no Supremo Tribunal Federal (STF).Não que seu nome fosse especialmente polêmico. Ao contrário, Barroso chega ao Supremo cercado de elogios nos meios especializados, a que senadores da oposição, como Aécio Neves (PSDB-MG) e Agripino Maia (DEM-RN), deram convicto e sólido respaldo.
Resultando numa aprovação de 59 votos contra 6, a sessão estendeu-se por cerca de sete horas. Sinal, sem dúvida, da necessidade de cada senador de buscar para si as atenções das câmeras que transmitiam o evento, mesmo se ao custo de perguntas repetitivas e incapazes de suscitar resposta objetiva.
Nada de grave nessa circunstância. Afinal, reflete apenas a crescente importância do Supremo como foco de decisões variadas, que abrangem do pré-sal à fronteira agrícola, do casamento gay à anistia de torturadores e terroristas.
A delicadeza de modos, característica de Barroso, não chegou a ocultar uma consideração de bom senso, e incontornável, no que tange a essa situação. O chamado "ativismo" do Judiciário, conclamado a decidir sobre questões de tão variado conteúdo, tende a ser proporcional às omissões do Legislativo.
Eis que parece restar a uma de suas Casas o esforço, principalmente retórico, de tomar a sabatina de um indicado ao STF como ocasião para ascender à ribalta num espetáculo em que, na maior parte do tempo, tem papel coadjuvante.
A ironia do caso não deixa de vir à tona quando se nota considerável concordância de governistas e situacionistas sobre convicções expressas por Barroso na sabatina.
Com exceção de alguns membros mais conservadores e de orientação religiosa, prevalece certa convergência para uma visão de mundo liberal quanto à vida privada, ciosa dos princípios que fundamentam o Estado laico, garantidor nos direitos de réus e condenados criminais, consciente do papel da iniciativa privada na criação de riqueza e do Estado na correção das desigualdades sociais.
Do lado de fora do Senado, em contraste, milhares de evangélicos tomaram a Esplanada dos Ministérios para protestar contra o aborto e o casamento gay. Evidência de que há correntes contrárias bem vivas na opinião pública, que se fortalecem precisamente ao confrontar tal hegemonia política.
Essa espécie de consenso liberal, que Barroso encarna com elegância, subsiste na elite política --que submerge, entretanto, na estagnação legislativa e na profunda desmoralização dos costumes parlamentares. Menos mal que, pelo menos, o STF continue a sobrenadar nessas águas melancólicas.
Muito além das macas
A imagem do paciente agonizando sobre uma maca largada no meio do corredor se tornou o símbolo de tudo o que há de errado no sistema de saúde do país.Recorrendo ao poderoso estereótipo, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) escolheu marcar o lançamento da campanha "Prontos-Socorros em Agonia. Até quando?" com a denúncia de que 58% das unidades de pronto atendimento que atendem pelo SUS têm macas no corredor.
O dado soa ainda mais preocupante quando analisado ao lado de outros indicadores colhidos pela comissão de fiscalização do Cremesp que visitou 71 prontos-socorros entre fevereiro e abril deste ano. É preciso, entretanto, um certo cuidado ao lidar com estereótipos; nem todo hospital que coloca um paciente no corredor é incapaz de prestar bom atendimento.
Em princípio, é perfeitamente aceitável que o doente, depois de examinado e medicado, permaneça numa maca enquanto aguarda resultados de exames ou uma vaga para internação. O ideal é que a espera transcorra em salas de observação, mas, se elas estiverem cheias, não chega a ser um descalabro posicioná-lo no corredor.
A situação muda de figura quando o fenômeno é generalizado e o paciente passa dias na maca, o que infelizmente ocorre em muitos serviços paulistas. E a lista de despautérios é muito maior.
É inaceitável que 58% dos serviços vistoriados estejam com as equipes médicas incompletas ou que 59% relatem faltar algum tipo de material crítico, como marcapassos externos e oftalmoscópios.
Há, sobretudo, um problema sistêmico: 66% dos postos relataram dificuldades para encaminhar pacientes a serviços especializados.
O sistema de referência e contrarreferência é a espinha dorsal do SUS: o doente entra no sistema por um PS ou unidade ambulatorial; a maioria dos casos se resolverá ali, mas os mais graves precisam ser levados a serviços capazes de intervenções mais complexas.
O caminho de volta (contrarreferência) também é importante. Uma vez que o paciente recebeu o diagnóstico, ou a cirurgia de que precisava, deve voltar a ser acompanhado por um médico mais próximo de sua casa.
Se tais mecanismos não funcionam bem, a tendência é sobrecarregar todas as unidades do serviço de saúde pública. Daí surgem o congestionamento de macas e a consulta após vários meses.
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