sexta-feira, 7 de junho de 2013

O patrimônio invisível - Nadia Somekh;Para esclarecer o óbvio - Ives Gandra[Tendências/debates]

folha de são paulo
NADIA SOMEKH
TENDÊNCIAS/DEBATES
O patrimônio invisível
A demanda pela proteção do patrimônio histórico não vem sendo valorizada, e o resultado disso são ações fragmentadas e, às vezes, invisíveis
Folha vem publicando reportagens sobre problemas de preservação do nosso patrimônio cultural, como a falta de recursos para a manutenção de casarões e a intermitência e mesmo paralisação do programa Adote uma Obra Artística.
A falta de interesse das empresas reflete o distanciamento entre a população da cidade de São Paulo e o seu patrimônio histórico. Tal retrato, certamente, é fruto de uma política de preservação equivocada, reproduzida ao longo dos anos.
Mas o patrimônio histórico retrata a relação da sociedade com a sua história. A demanda por sua proteção não vem sendo valorizada, e o resultado disso são ações fragmentadas e, às vezes, invisíveis.
A proposta desta administração municipal é a formulação de uma gestão territorial da cultura e de uma política de preservação do patrimônio histórico compreensiva e vinculada ao plano diretor, ora em processo de revisão participativa.
Para dar visibilidade à nossa história, é necessário superar a ideia de monumentos e imóveis públicos isolados. Precisamos proteger conjuntos urbanos que traduzam a nossa identidade de forma coletiva.
Desde 2004, a população foi inserida no processo, podendo indicar imóveis a serem preservados. É um avanço, mas demanda reformulação de novos critérios.
Atualmente, o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) estuda a formulação dessa política de preservação efetiva e desfragmentada. Os altos custos de preservação do patrimônio deverão ser objeto de articulações de fontes de financiamento: desde a legislação de incentivos até a articulação com operações e projetos urbanos a serem incluídos no plano diretor.
O tombamento deverá ser melhor entendido pela sociedade. Não se trata de congelamento e, sim, de atribuição de valor coletivo. É o primeiro passo para a preservação.
Para a articulação das três esferas de governo que, hoje, aparentemente, complicam e burocratizam a vida do cidadão que tem um imóvel tombado, está sendo proposta a criação de um escritório de gestão compartilhada de Iphan (nacional), Condephaat (estadual) e Conpresp (municipal).
Seu objetivo será a definição comum das áreas envoltórias dos bens tombados. Assim, facilitará a vida dos contribuintes que resistem a enfrentar a burocracia necessária para preservar o seu patrimônio.
Projetos especiais poderão ser definidos, buscando a identidade da cidade. Não se pode entender São Paulo sem reconhecer seus caminhos históricos e o seu patrimônio industrial e ferroviário.
A proclamação da independência do país ocorrida no Ipiranga localiza a área como patrimônio das três esferas, devendo o Monumento do Ipiranga ser federalizado, o que potencializaria os investimentos estaduais e municipais.
O DPH e o Conpresp deverão ser reorganizados para atender ao passivo existente e ampliar a participação da sociedade civil. O Conpresp deverá gerir os recursos que serão potencializados pela reorganização dos fundos que investem em recuperação de patrimônio histórico (Funpatri e Funcap).
Só assim conseguiremos valorizar e dar visibilidade ao nosso patrimônio, herança da população de São Paulo.
    IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Para esclarecer o óbvio
    O Ministério Público ser parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) no inquérito policial é reduzir a ampla defesa à sua expressão nenhuma
    A meu ver, não haveria necessidade de um projeto de emenda constitucional para assegurar aos delegados de polícia a exclusividade para presidir os inquéritos policiais.
    Já a têm na Constituição Federal, pois o § 4º do artigo 144 está assim redigido: "Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".
    O Ministério Público não é polícia judiciária. Tem o direito de requisitar às autoridades policiais diligências investigatórias (artigo 129, inciso VIII), assim como a instauração de inquérito policial aos delegados, que, todavia, serão aqueles que os instaurarão.
    O exercício do controle externo da atividade policial (inciso VII do artigo 130) de rigor é controle semelhante ao que exerce sobre todos os poderes públicos (inciso II), para que não haja desvios de conduta.
    Não há que confundir a relevante função de defesa da sociedade e de zelar pelo bom funcionamento das instituições com aquela de dirigir um inquérito, que é função exclusiva da Polícia Judiciária.
    À evidência, com o direito de requisição, o Ministério Público pode pedir aos delegados todas as investigações de que precisar, como também o tem o advogado de defesa, que se coloca no inquérito judicial no mesmo plano do Ministério Público. Não sem razão, o constituinte definiu a advocacia e o Ministério Público como "funções essenciais à administração de Justiça" (artigos 127 a 135).
    O direito de defesa, a ser exercido pelo advogado, é o mais sagrado direito de uma democracia, direito este inexistente nas ditaduras. Não sem razão, também, o constituinte colocou no inciso LV do art. 5º, como cláusula pétrea, que aos acusados é assegurada a "ampla defesa administrativa e judicial", sendo o adjetivo "ampla" de uma densidade vocabular inquestionável.
    Permitir ao Ministério Público que seja, no inquérito policial, parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) ao mesmo tempo é reduzir a "ampla defesa" constitucional à sua expressão nenhuma. Se o magistrado, na dúvida, deve absolver (in dubio pro reo), o Ministério Público, na dúvida, deve acusar para ver se durante o processo as suas suspeitas são consistentes.
    Pelo texto constitucional, portanto, não haveria necessidade de um projeto para explicar o que já está na Constituição. Foi porque, todavia, nos últimos tempos, houve invasões nas competências próprias dos delegados que se propôs um projeto de emenda constitucional para que o óbvio ficasse "incontestavelmente óbvio".
    Eis por que juristas da expressão do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, do presidente do Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Américo Lacombe, de Márcio Thomaz Bastos, Vicente Greco Filho, José Afonso da Silva, José Roberto Batocchio, Luiz Flávio D'Urso e Marcos da Costa colocaram-se a favor da PEC 37.
    Com todo o respeito aos eminentes membros do parquet, parece-me que deveriam concentrar-se nas suas relevantes funções, que já não são poucas nem pequenas.
    Uma última observação. Num debate de nível, como o que se coloca a respeito da matéria, não me parece que agiu bem o Ministério Público quando intitulou a PEC 37 de "PEC da corrupção e da impunidade", como se todos os membros do Ministério Público fossem incorruptíveis e todos os delegados, corruptos.
    Argumento dessa natureza não engrandece a instituição, visto que a Constituição lhe outorgou função essencial, particularmente necessária ao equilíbrio dos Poderes, como o tem a advocacia e o Poder Judiciário, em cujo tripé se fundamenta o ideal de justiça na República brasileira.

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