Desconsiderado por muitos pacientes, o
pré-diabetes compromete nervos e artérias. Mudança no estilo de vida é
capaz de adiar consequências da doença
Carolina Cotta
Estado de Minas: 26/06/2013
Chicago – O médico
alerta: os níveis chegaram ao ponto de uma intervenção. Feito o teste
de tolerância à glicose, eles estão entre 100 e 125. O diagnóstico?
Pré-diabetes. Assim as sociedades médicas ao redor do mundo definem o
estado prévio à instalação da doença. Paciente comunicado, riscos
conhecidos. Mas por que tão poucos veem ali a oportunidade de evitar, ou
pelo menos adiar, as consequências da doença: cegueira, problemas
cardiovasculares, insuficiência renal, neuropatias? O conceito colabora
para a ideia de que “quando a doença complicar eu cuido”. Assim, o termo
pré-diabetes vem sendo alvo de críticas por alguns especialistas.
Afinal, o quadro já traz comprometimento de nervos e artérias.
“Esse
nome é um desserviço à medicina. Porque, de pré, o pré-diabetes não tem
nada. É diabetes e já aumentou os riscos de mortalidade do paciente”,
alerta Saulo Cavalcanti, diretor da Federação Latino-Americana de
Endocrinologia. O ponto positivo é que esse paciente tem a chance de
mudar precocemente o curso da doença.
O engajamento em se cuidar,
adotando alimentação saudável e programa regular de exercícios físicos,
foi tema recorrente no 73º Congresso da American Diabetes Association
(ADA), que terminou ontem, em Chicago, Estados Unidos. Novas pesquisas
reforçam e avançam um estudo clássico que na década passada mudou a
forma de fazer a prevenção. Naquela época, o estudo “Diabetes Prevention
Program” observou grupos de pré-diabéticos que adotaram diferentes
estratégias de prevenção. Dieta e exercício foi a que mais impediu a
progressão do diabetes, atingindo 58% de resultados positivos, contra
31% da metformina, medicamento mais indicado nessa fase da doença. Como a
epidemia do diabetes tipo 2 está associada à obesidade, esse é o foco
de ação. Hoje, um terço dos adultos e mais de 18% dos jovens americanos
estão obesos; um em cada três deve desenvolver o diabetes tipo 2 até
2050. Enquanto 8,3% da população vive com diabetes, 35% têm
pré-diabetes.
No Brasil, quarto país do mundo em número de casos, o
cenário é parecido. As medidas preventivas tampouco são desconhecidas
dos pacientes. Alto consumo calórico e sedentarismo têm levado milhares
de jovens ao ganho de peso. E são esses hábitos que precisam ser
combatidos para diminuir a doença, que anda na companhia não só da
obesidade, mas também da hipertensão e da deslipidemia, a alteração dos
níveis de colesterol. Adultos nesse grupo de risco devem fazer o teste
de resistência à glicose anualmente.
“Se o diagnóstico for
confirmado, o tratamento passa por educação e medicação. O primeiro
passo é fazer o paciente aceitar que tem uma doença assintomática. O
tratamento começa com a educação. O pré-diabético tem que saber que tem
um problema que lesiona seu organismo de forma progressiva. Quanto mais
cedo ele assumir a doença, melhores serão os benefícios. Costumo dizer
que o que o diabetes leva ele não traz e, quanto mais cedo se trata,
menos coisa ele leva”, diz Cavalcanti.
SUCESSO
Boca seca e urina em maior volume foram os sintomas que alertaram Ivanir
Severino, de 52 anos, para o diabetes. Diagnosticado há dois anos com o
tipo 2 da doença, atribui sua situação a uma vida de excessos. Procurou
ajuda e começou o tratamento, mas demorou cerca de um ano para se
adaptar. “É uma mudança cultural do paciente. Tive que reaprender a me
alimentar e mudar meu estilo de vida”, conta. Para ele, a doença que
veio com o passar dos anos poderia ter sido evitada ou adiada se tivesse
tido maiores cuidados. Atualmente com 89 quilos, Ivanir chegou a pesar
106 quilos. Com o tratamento interdisciplinar (nutricionista e
endocrinologista), não precisou fazer uso da insulina, apenas do
medicamento oral. “Passei a gostar de mim. O diabético que muda seu
hábito alimentar e pratica atividade física vai ter sucesso e uma vida
mais longa”, ensina.
Foco na perda de peso e dieta
Um longo programa
de intervenção no estilo de vida, focado na perda de peso, pode melhorar
a qualidade de vida e reduzir as complicações no sistema circulatório, o
risco de depressão e os custos do tratamento. A descoberta é do estudo
Look AHEAD (Action for Health in Diabetes, ou ação para saúde em
diabetes, na tradução livre), que mostrou que uma intensiva intervenção
no estilo de vida reduz menos os riscos de ataques do coração e derrames
do que a adoção de um programa de suporte e educação para ajudar os
pacientes nessa mudança.
A pesquisa do National Institutes of
Health sugere duas possibilidades de intervenção. Uma passa pelo estilo
de vida, com perda de peso e atividade física. A outra é a educação em
diabetes, com sessões de aconselhamento com nutricionista, profissional
de educação física e psicólogos. Segundo Rena Wing, coordenador da
pesquisa e professor do Alpert Medical Schools of Brown University, o
avanço é a confirmação de como uma mudança mais profunda pode reduzir os
riscos de mortalidade relacionada a problemas cardiovasculares,
principal causa de morte entre os diabéticos.
“Nossa pesquisa
mostra como adultos com diabetes tipo 2 com sobrepeso ou obesidade podem
perder peso e ter vários benefícios para a saúde. Isso reforça a
recomendação de que eles devem aumentar a atividade física para melhorar
sua saúde”, disse Griffin Rodgers, diretor do Instituto Nacional de
Diabetes dos EUA.
Outro estudo se concentrou em um grupo diferente
de pacientes. Isso porque pesquisas anteriores já haviam demonstrado
como uma intervenção intensiva e individualizada no estilo de vida pode
reduzir drasticamente o risco de desenvolvimento do diabetes. Contudo,
os trabalhos foram feitos com voluntários, revelando um alto nível de
motivação. O programa MOVE! (Managing Obesity and Owerweight in Veterans
Everywhere) mostra o que ocorre com pacientes do sistema público quando
são comunicados de que sua garantia de saúde está atrelada a essas
mudanças.
CARBOIDRATOS
Ninguém morre de diabetes, e sim do mau controle da doença. “A
alimentação é um dos pontos essenciais do tratamento. O paciente precisa
conhecer o que é carboidrato, nutriente que mais afeta a glicemia. Não
são só os açúcares que elevam os níveis. Farinhas, legumes e outros
alimentos se transformam em açúcar”, explica Natalia Fenner,
especialista em nutrição e metabolismo e educadora em diabetes pela
Sociedade Brasileira de Diabetes.
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