Meios e fins
RIO DE JANEIRO - Em 1981, o correspondente em Roma de um grande jornal brasileiro antecipou em 24 horas suas férias e partiu para o Leste Europeu sem avisar seu editor. Enquanto ele estava no trem, absorto pela paisagem, o papa João Paulo 2º sofreu aquele atentado no Vaticano. O editor estranhou seu silêncio e disparou telefonemas e telexes à sua procura --em vão. Numa época sem internet e celular, era possível a um ser humano ficar incomunicável.
O pior é que, ao saltar do trem no destino, o correspondente continuou sem saber da notícia. Jornais expostos nas bancas traziam a foto do papa, mas as manchetes, cheias de consoantes ao contrário, não lhe diziam nada. Os hotéis nos países socialistas não tinham TV nos quartos. Como ele não entendia a lín-gua, não desconfiava do que as pessoas diziam à sua volta. E, com isso, por cruciais 48 horas, permaneceu alheio ao momentoso fato, que se dera bem na sua horta.
Não sei como essa história terminou, mas tive sensação parecida ao me ver de férias, na semana passada, na única cidade do Brasil que, pelos primeiros dias, não tomou conhecimento das manifestações que sacudiam o país: Búzios, a 173 km do Rio. E não só por estar de férias, alheio ao noticiário, mas por estar cercado de pessoas a quem o assunto não dizia muito respeito: os argentinos. Como se sabe, metade da população da Argentina mora em Búzios; a outra metade está lá a passeio.
Ao descobrir com atraso o que se passava, grudei-me aos jornais e à TV. Veterano das passeatas contra a ditadura, em 1967/68, no Rio; da Revolução dos Cravos, em 1974, em Portugal; da campanha das Diretas, em 1984; e do Fora Collor, em 1992, achei que não teria dificuldade em entender os meios e fins do movimento.
E vou entender --assim que encontrar duas pessoas com a mesma opinião sobre o que está acontecendo.
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