Walter Sebastião
Estado de Minas: 26/06/2013
Todo mundo sabe que Alberto da Veiga Guignard é autor de algumas das mais belas vistas de Minas Gerais. Tão surpreendente quanto sua pintura é o próprio artista, que nasceu em Nova Friburgo (RJ) em 25 de fevereiro de 1896 e morreu em Belo Horizonte em 26 de junho de 1962. Na capital, ele fixou residência 18 anos antes de falecer – com direito a pausas para longas temporadas em Ouro Preto a partir de 1954. Amigos se lembram do pintor como um homem elegante, educado, alegre e generoso, embora sua vida familiar, pessoal e amorosa tenha sido atravessada por muitos dramas.
Minas Gerais guarda duas coleções de documentos com preciosas informações sobre o pintor. Elas estão na Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), em BH, e no acervo do Museu Casa Guignard, em Ouro Preto, pertencente à Superintendência de Museus e Artes Visuais da Secretaria de Estado da Cultura. Uma traz, basicamente, anotações de aula, enquanto a outra reúne documentos e objetos pessoais. Ambas com catalogação parcial e acesso exclusivo para pesquisadores.
“Nosso acervo é pequeno em relação à vida e à obra do artista, mas significativo”, explica Ramon Vieira Santos, diretor de Arquivos Museológicos da Superintendência de Museus e Artes Visuais, onde está a maior das coleções. São cerca de 370 itens: fotos, mobiliário, diplomas, inventários, cartas, entrevistas – 40% deles expostos na Casa Guignard. O restante fica no Museu Mineiro, em Belo Horizonte, reserva técnica das instituições estaduais.
“Grande parte do material está em bom estado de conservação. Alguns documentos necessitam de intervenções pontuais, mas tudo se encontra bem acondicionado. É necessário prosseguir a digitalização, pois isso facilitaria acesso à documentação sem que o material tenha de ser manipulado, o que é proteção”, observa Ramon.
Origem A colecionadora Priscila Freire, ex-diretora do Museu de Arte da Pampulha, reuniu documentos do artista como acervo inicial para a Casa Guignard, aberta em 1987. Documentos vieram da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), da correspondência do pintor com a escritora Lúcia Machado de Almeida e, mais tarde, da aquisição de peças como o violão pintado por ele e a coleção de cartões enviados a Amalita, uma de suas musas.
“Pode existir mais alguma coisa. Entretanto, acredito que o material que se encontrava em Minas Gerais por ocasião da morte de Guignard está nesse acervo. Ainda falta dar a esse artista a importância que ele merece”, adverte Priscila Freire.
Apesar de reconhecido como pintor excepcional e autor emblemático para a arte brasileira, Guignard ainda não conta com um catálogo de suas obras. “Isso é grave, sobretudo neste momento em que vêm aparecendo, com frequência, obras falsificadas dele, principalmente cabeças de Cristo”, acrescenta Priscila. O Projeto Guignard, atualmente interrompido, não deveria se limitar à catalogação “parcialmente feita” de suas obras, adverte a ex-diretora do MAP. “Deveria ser criada uma comissão que autenticasse as obras. Poderíamos pesquisar, localizar e publicar toda a documentação, além de criar banco de dados sobre o artista”, acrescenta.
“Guignard foi uma pessoa educada e reservada, que tinha consciência do valor de sua própria arte. Foi um homem elegante, refinado, discreto, embora tudo isso ainda não seja claro para as pessoas”, lamenta Priscila.
Museu A Casa Guignard guarda a única exposição permanente no Brasil dedicada ao artista. Instalado num sobrado ouro-pretano do século 18 com direito a chafariz atribuído a Aleijadinho, o espaço é ambientado como ateliê e museu. “Não se trata da residência do pintor, mas do local que materializa o sonho de Guignard de ter uma casa em Ouro Preto com a obra dele”, informa Gélsio Fortes, coordenador do espaço.
O museu desenvolve o projetos Passos de Guignard em Ouro Preto, com sugestão de nove passeios por locais que remetem às temporadas do pintor na cidade que ele amava. O guia reúne tanto pontos no Centro Histórico (como a Ponte de Marília e a Igreja de Santa Efigênia), onde ele tomava sol, quanto arredores da antiga Vila Rica, como os morros de São João e de São Sebastião, com belas vistas da região.
“Guignard e Ouro Preto são portais um do outro”, lembra Gélsio Portes, ressaltando que essa relação ativa memórias de diversas épocas – das origens de vilas da região mineradora à cidade ícone do modernismo, visitada por artísticas e intelectuais. Além disso, a antiga capital de Minas é eterna fonte de paisagens imaginárias para o pintor, com seus balões no céu. “Conhecer esse contexto é tão fascinante quanto conhecer a obra dele”, garante Portes.
NO MUSEU MINEIRO
TEXTO DE PORTINARI
Bom e grande Guignard. Pintor
do vento e do imperceptível. Nosso
São Cristóvão. Conversas com a água
branca do Rio e em seus ombros de aço.
Nos transporta através do fogo ou
do mar. Anjo da guarda da alegria
com os pés na terra. Vives no paraíso.
Não ousas a voz do mal.
No campo brincas com os passarinhos.
E colhes silêncios da luz sutil
Nos presenteias obras de mestre.
Enxergas o que outros não veem.
A poesia é tua namorada fiel.
Amor de belas jovens infiéis, sofrerás?
Menino anjo e santo agradeço-te
também em nome dos inocentes.
Portinari
Rio, 1/10/1960
QUESTIONÁRIO KREBS
Em 1958, Guignard concedeu esta entrevista a Carlos Galvão Krebs. Em 1975, o autor enviou, por carta, uma cópia ao escritor Murilo Rubião.
Quais as maiores dificuldades encontrou para seu desenvolvimento artístico?
Falha de incompreensão, espíritos irazadíssimos.
Em arte, segue alguma corrente ou escola?
Arte moderna, mas com base clássica.
Tem interesse por outras artes além das que pratica?
Paixão pela música e um pouco de poesia e filosofia.
O que se deveria fazer em benefício da arte nacional?
Haver mais amizade entre os bons artistas nacionais. Deixar de serem egoístas e convencidos.
No manuscrito enviado por Carlos Krebs a Murilo Rubião, Guignard defende: “Os verdadeiros artistas devem ser amparados pelo governo, que deve facilitar a eles dar aulas de desenho e pintura em escolas superiores”. O pintor informa que dá aulas e faz ilustrações para enfrentar as dificuldades econômicas. Com relação à arte, comenta que adora retrato e paisagem, considerando o primeiro “o mais difícil e interessante”. Guignard também reclama de temperaturas muito elevadas (“Trabalho melhor no frio”) e revela a Krebs os artistas que mais o estimulam: Leonardo da Vinci, Rembrandt, Goya e Van Gogh.
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