quinta-feira, 13 de junho de 2013

Tereza Cruvinel - O Velho, Cassandra e Poliana‏

Dilma tem todo o direito de exorcizar as pragas do Velho do Restelo e as profecias das cassandras, mas deve também evitar a "síndrome de Poliana" 


Estado de MInas: 13/06/2013 


Vestindo vermelho, a presidente Dilma Rousseff ressurgiu ontem lançando um programa de crédito subsidiado aos beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida, para a compra de móveis e eletrodomésticos. Não poderia haver palanque melhor para ela exorcizar a onda criada pelo viés de baixa na popularidade e o de alta na deterioração de indicadores econômicos. Evitando o primeiro assunto, ela enfrentou o segundo, reiterando que tudo está sob controle. Voltando de Lisboa, valeu-se da figura camoniana do Velho do Restelo para desafiar os pessimistas que torceriam pelo insucesso de seu governo.

Governantes, em momentos difíceis, costumam apontar contra eles o canhão verbal. Para não recuar muito, Fernando Henrique referia-se frequentemente às “cassandras”, e citou também o Velho de Camões. Lula falava nos “pessimistas de plantão” e no “complexo de vira-lata”. O Velho do Restelo é um eco erudito que já atravessou muitos discursos políticos. No obra épica sobre as navegações portuguesas que alargaram o mundo, ele ficava no cais profetizando desgraças para os tripulantes das caravelas. “Azarando”, disse Dilma, usando a palavra duas vezes. Mas “O Velho do Restelo não terá a última palavra no Brasil”, assegurou desafiadora.

É claro que uma presidente com a reeleição praticamente garantida, alta popularidade e prestígio mundial mobiliza a energia negativa das cassandras, que existem mesmo na política. Mas, é claro que a conjuntura negativa na economia não decorre apenas das profecia negativas, que os jornais vêm registrando, alguns com estranha vibração, há pelo menos três meses. Mas, se essas profecias adversárias estão se realizando, foi porque, de alguma forma, o governo ajudou, com medidas equivocadas ou com a falta de medidas, afora a incontrolável variável externa. Dilma tem todo o direito de exorcizar as pragas do Velho do Restelo e as profecias das cassandras, mas deve também evitar a “síndrome de Poliana”, aquela personagem da literatura juvenil que, mesmo sob raios e trovões, diz que tudo vai dar certo.

Remédio vencido

A própria medida lançada, o programa Minha Casa Melhor, baseia-se na receita que vem sendo usada para alavancar o crescimento, o estímulo ao consumo, que, por sua vez, é inflacionário. “É injusto dizer que este evento tem relação com as pesquisas, porque estava marcado há algumas semanas”, dizia ao fim da solenidade palaciana a empresária Luiza Trajano, das lojas que levam seu nome. Ela acredita que a medida terá um efeito aquecedor sobre o mercado, mas parte dos analistas econômicos vem dizendo que esse remédio já perdeu a eficácia. Mas voto, certamente, ele dá.

Eleitoralmente, a oscilação negativa da popularidade de Dilma não abalou seu favoritismo. Ela perdeu alguns pontos, mas seus adversários, juntos, cresceram quase nada. O que as pesquisas indicam, por enquanto, são perigos de duas naturezas. O primeiro está no fato de ela não ter um tefal (antiaderente) forte como o de Lula. Se a economia desandar, especialmente a inflação, o eleitorado reagirá. O segundo não tem a ver com o povo, mas com a elite política. Se a popularidade voltar a minguar, os partidos de sua coalizão vão encarecer o apoio, podendo mesmo um ou outro debandar. Ela tem tempo para evitar uma coisa e outra.

Quanto à identidade do Velho do Restelo, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), dizia no final do evento: “Velhos do Restelo por aqui há muitos, e cada qual saberá enfiar a carapuça”. Para quem tenha curiosidade literária, um pedacinho da fala derrotista da personagem: “A que novos desastres determinas/de levar estes reinos e esta gente?/Que perigos, que mortes lhes destinas/Debaixo de algum nome preminente?”

O valor dos aliados

Relativamente ao segundo perigo que ronda Dilma – o de oscilação negativa na fidelidade e engajamento dos aliados – um sinal pode ter havido ontem na decisão da bancada do PMDB na Câmara de nada votar enquanto não forem apreciados os vetos acumulados. Isso não começou agora, mas também vem de longe o queixume sobre o tratamento arrogante que o Planalto dispensaria aos aliados. O encolhimento da popularidade, se não ameaça Dilma eleitoralmente, talvez sirva para ampliar a compreensão do governo sobre o valor dos aliados e a importância da articulação do governo no Congresso, hoje quase inexistente.

Poucos, no PT, são tão realistas quanto o deputado Cândido Vacarezza (SP) quando aborda o assunto.“Nós temos aliados muito bons e o governo precisa compreender isso. O PT, com apenas 90 deputados, ou 17% das cadeiras na Câmara, não governaria o Brasil sem o apoio da coalizão. Agora, por desarticulação é que uma base com mais de 400 deputados exibe-se no plenário como uma Seleção Brasileira que precisa fazer de tudo para não perder para um time de várzea. Eles podem ter diferenças conosco, mas não têm divergências. Se fôssemos iguais, eles estariam no PT.”

Dilma, agora, vai ter que tratar melhor os que lhe dão apoio.

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