Dilma tem todo o direito de exorcizar as
pragas do Velho do Restelo e as profecias das cassandras, mas deve
também evitar a "síndrome de Poliana"
Estado de MInas: 13/06/2013
Vestindo vermelho,
a presidente Dilma Rousseff ressurgiu ontem lançando um programa de
crédito subsidiado aos beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida,
para a compra de móveis e eletrodomésticos. Não poderia haver palanque
melhor para ela exorcizar a onda criada pelo viés de baixa na
popularidade e o de alta na deterioração de indicadores econômicos.
Evitando o primeiro assunto, ela enfrentou o segundo, reiterando que
tudo está sob controle. Voltando de Lisboa, valeu-se da figura camoniana
do Velho do Restelo para desafiar os pessimistas que torceriam pelo
insucesso de seu governo.
Governantes, em momentos difíceis,
costumam apontar contra eles o canhão verbal. Para não recuar muito,
Fernando Henrique referia-se frequentemente às “cassandras”, e citou
também o Velho de Camões. Lula falava nos “pessimistas de plantão” e no
“complexo de vira-lata”. O Velho do Restelo é um eco erudito que já
atravessou muitos discursos políticos. No obra épica sobre as navegações
portuguesas que alargaram o mundo, ele ficava no cais profetizando
desgraças para os tripulantes das caravelas. “Azarando”, disse Dilma,
usando a palavra duas vezes. Mas “O Velho do Restelo não terá a última
palavra no Brasil”, assegurou desafiadora.
É claro que uma
presidente com a reeleição praticamente garantida, alta popularidade e
prestígio mundial mobiliza a energia negativa das cassandras, que
existem mesmo na política. Mas, é claro que a conjuntura negativa na
economia não decorre apenas das profecia negativas, que os jornais vêm
registrando, alguns com estranha vibração, há pelo menos três meses.
Mas, se essas profecias adversárias estão se realizando, foi porque, de
alguma forma, o governo ajudou, com medidas equivocadas ou com a falta
de medidas, afora a incontrolável variável externa. Dilma tem todo o
direito de exorcizar as pragas do Velho do Restelo e as profecias das
cassandras, mas deve também evitar a “síndrome de Poliana”, aquela
personagem da literatura juvenil que, mesmo sob raios e trovões, diz que
tudo vai dar certo.
Remédio vencido
A
própria medida lançada, o programa Minha Casa Melhor, baseia-se na
receita que vem sendo usada para alavancar o crescimento, o estímulo ao
consumo, que, por sua vez, é inflacionário. “É injusto dizer que este
evento tem relação com as pesquisas, porque estava marcado há algumas
semanas”, dizia ao fim da solenidade palaciana a empresária Luiza
Trajano, das lojas que levam seu nome. Ela acredita que a medida terá um
efeito aquecedor sobre o mercado, mas parte dos analistas econômicos
vem dizendo que esse remédio já perdeu a eficácia. Mas voto, certamente,
ele dá.
Eleitoralmente, a oscilação negativa da popularidade de
Dilma não abalou seu favoritismo. Ela perdeu alguns pontos, mas seus
adversários, juntos, cresceram quase nada. O que as pesquisas indicam,
por enquanto, são perigos de duas naturezas. O primeiro está no fato de
ela não ter um tefal (antiaderente) forte como o de Lula. Se a economia
desandar, especialmente a inflação, o eleitorado reagirá. O segundo não
tem a ver com o povo, mas com a elite política. Se a popularidade voltar
a minguar, os partidos de sua coalizão vão encarecer o apoio, podendo
mesmo um ou outro debandar. Ela tem tempo para evitar uma coisa e outra.
Quanto
à identidade do Velho do Restelo, o líder do governo na Câmara, Arlindo
Chinaglia (PT-SP), dizia no final do evento: “Velhos do Restelo por
aqui há muitos, e cada qual saberá enfiar a carapuça”. Para quem tenha
curiosidade literária, um pedacinho da fala derrotista da personagem: “A
que novos desastres determinas/de levar estes reinos e esta gente?/Que
perigos, que mortes lhes destinas/Debaixo de algum nome preminente?”
O valor dos aliados
Relativamente
ao segundo perigo que ronda Dilma – o de oscilação negativa na
fidelidade e engajamento dos aliados – um sinal pode ter havido ontem na
decisão da bancada do PMDB na Câmara de nada votar enquanto não forem
apreciados os vetos acumulados. Isso não começou agora, mas também vem
de longe o queixume sobre o tratamento arrogante que o Planalto
dispensaria aos aliados. O encolhimento da popularidade, se não ameaça
Dilma eleitoralmente, talvez sirva para ampliar a compreensão do governo
sobre o valor dos aliados e a importância da articulação do governo no
Congresso, hoje quase inexistente.
Poucos, no PT, são tão
realistas quanto o deputado Cândido Vacarezza (SP) quando aborda o
assunto.“Nós temos aliados muito bons e o governo precisa compreender
isso. O PT, com apenas 90 deputados, ou 17% das cadeiras na Câmara, não
governaria o Brasil sem o apoio da coalizão. Agora, por desarticulação é
que uma base com mais de 400 deputados exibe-se no plenário como uma
Seleção Brasileira que precisa fazer de tudo para não perder para um
time de várzea. Eles podem ter diferenças conosco, mas não têm
divergências. Se fôssemos iguais, eles estariam no PT.”
Dilma, agora, vai ter que tratar melhor os que lhe dão apoio.
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