quinta-feira, 13 de junho de 2013

Os donos da história - Silvana Arantes

Folha de São Paulo

Em alta no mercado de séries, roteiristas apontam condições de trabalho precárias

SILVANA ARANTES
DE SÃO PAULO

Os roteiristas brasileiros vivem dias de mordomo. Eles são os principais suspeitos quando se trata de apontar um culpado para o fato de a produção de séries nacionais na TV paga engatinhar, quando poderia dar passos largos.
"Falta roteirista" tornou-se bordão nesse mercado, às voltas com a exigência da Lei da TV Paga (2011) de 2h20 de conteúdo semanal brasileiro no horário nobre dos canais por assinatura --a cota sobe para 3h30 em setembro.
"Parece até que existe toda uma engrenagem muito habituada a fazer série de TV e só quem não tem competência para isso é o roteirista", diz Thiago Dottori, autor de "Pedro e Bianca" (TV Cultura) e coautor (com Contardo Calligaris, colunista da Folha) da inédita "Psi" (HBO).
Não é bem assim, diz ele. "Conheço um monte de roteiristas que estão sem trabalho, ou porque o mercado não os conhece, ou porque eles não topam as condições que os contratantes oferecem."
Ilustração Sandro Castelli/Editoria de Arte/Folhapress
PRECARIEDADE
As condições oferecidas no mercado de produção independente são "precárias", diz Newton Cannito, roteirista e ex-secretário do Audiovisual.
"Pagam muito pouco e não dão poder ao roteirista. O diretor mete a mão no roteiro o tempo todo e ele não entende do assunto. Os projetos são caóticos, mudam a toda hora, te tiram no meio", diz.
Depois de poucos títulos, como "9 mm" e "Cidade dos Homens", em que julgou ter boas condições de trabalho, Cannito trocou a seara independente por um contrato com a Globo, no fim de 2012.
"Preferi recomeçar do zero. Estou fazendo ceninha [para a próxima novela das 18h] e revisando texto. Mas está ótimo. Estou superagradecido. Lá [na Globo] tem plano de carreira", diz ele.
"Bráulio [Mantovani], Marçal [Aquino], [Marcos] Bernstein, todos estão na Globo. A Globo fez uma ofensiva, mas a produção independente não soube lidar com essas pessoas", afirma Cannito.
Indicado ao Oscar pelo roteiro de "Cidade de Deus", Mantovani diz que "na Globo, a liberdade e o controle criativos e o respeito pelo escritor são muito mais compensadores do que encontramos, na média, no cinema".
Ele frisa a ressalva "na média". "Tive experiências no cinema em que trabalhei com a mesma liberdade e controle que tenho na Globo."
Para Bernstein, que escreve a próxima novela das 19h, "não é uma questão de roteiristas. Há séries sendo veiculadas tão bem dirigidas quanto bem escritas, como há outras tão mal dirigidas quanto mal escritas". Segundo ele, "a avaliação de que faltam roteiristas no mercado é superficial. O que faltava e está apenas deixando de faltar é mercado". Enquanto o mercado se reacomoda, "é natural essa sensação de vácuo".
Já Aquino ("Força-Tarefa") afirma não ter "como analisar a produção independente". "Além do meu envolvimento com o cinema, só trabalhei como roteirista para a Globo, onde sou muito bem tratado", diz.
Se o mercado de produção independente não é o eldorado para roteiristas que o aumento da demanda faz parecer, há, no entanto, muitos interessados em explorá-lo.
Lançado neste mês, o projeto NetLabTV, que oferece prêmio em dinheiro e consultoria profissional a roteiristas, registrou 1.060 inscrições de participantes e 20,7 mil visitas ao seu site em sete dias.
O Programa Globosat de Desenvolvimento de Roteiristas, iniciativa semelhante lançada em 2012, recebeu mais de 1.200 inscrições.
"AOS MONTES"
Uma das responsáveis pelo programa, Jacqueline Cantore diz que "roteiristas existem aos montes. Eles só precisam ser qualificados para produzir séries de ficção".
Ela observa que "não é só a qualificação do roteirista que falta", mas também a dos outros elos da cadeia produtiva. "Falta muito até chegar a uma indústria como a americana. Não vai ser da noite para o dia", diz.
Para Felipe Hirsch, que roteiriza e dirige "A Menina sem Qualidades" (MTV), "tentar fazer uma série de TV tão bem como os americanos é um caminho que não leva a nada".
Na opinião de Hirsch, "devemos assistir aos americanos com o sorvete na mão, com admiração e respeito ao seu brilhantismo", mas, "se tentarmos fazer um simulacro da produção americana, não criaremos nossa personalidade, nossa maneira particular de contar histórias".

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