Charge
Retomar a Paulista
Avenida vital de São Paulo se tornou território preferido de protestos abusivos, que prejudicam milhões para chamar a atenção do público
Oito policiais militares e um número desconhecido de manifestantes feridos, 87 ônibus danificados, R$ 100 mil de prejuízos em estações de metrô e milhões de paulistanos reféns do trânsito. Eis o saldo do terceiro protesto do Movimento Passe Livre (MPL), que se vangloria de parar São Paulo --e chega perto demais de consegui-lo.Sua reivindicação de reverter o aumento da tarifa de ônibus e metrô de R$ 3 para R$ 3,20 --abaixo da inflação, é útil assinalar-- não passa de pretexto, e dos mais vis. São jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária, que buscam tirar proveito da compreensível irritação geral com o preço pago para viajar em ônibus e trens superlotados.
Pior que isso, só o declarado objetivo central do grupelho: transporte público de graça. O irrealismo da bandeira já trai a intenção oculta de vandalizar equipamentos públicos e o que se toma por símbolos do poder capitalista. O que vidraças de agências bancárias têm a ver com ônibus?
Os poucos manifestantes que parecem ter algo na cabeça além de capuzes justificam a violência como reação à suposta brutalidade da polícia, que acusam de reprimir o direito constitucional de manifestação. Demonstram, com isso, a ignorância de um preceito básico do convívio democrático: cabe ao poder público impor regras e limites ao exercício de direitos por grupos e pessoas quando há conflito entre prerrogativas.
O direito de manifestação é sagrado, mas não está acima da liberdade de ir e vir --menos ainda quando o primeiro é reclamado por poucos milhares de manifestantes e a segunda é negada a milhões.
Cientes de sua condição marginal e sectária, os militantes lançam mão de expediente consagrado pelo oportunismo corporativista: marcar protestos em horário de pico de trânsito na avenida Paulista, artéria vital da cidade. Sua estratégia para atrair a atenção pública é prejudicar o número máximo de pessoas.
É hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na avenida Paulista, em cujas imediações estão sete grandes hospitais.
Não basta, porém, exigir que organizadores informem à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), 30 dias antes, o local da manifestação. A depender de horário e número previsto de participantes, o poder público deveria vetar as potencialmente mais perturbadoras e indicar locais alternativos.
No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a força da lei. Cumpre investigar, identificar e processar os responsáveis. Como em toda forma de criminalidade, aqui também a impunidade é o maior incentivo à reincidência.
EDITORIAIS
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Tribunal em causa própria
A emenda constitucional que cria quatro Tribunais Regionais Federais (TRFs) é um exemplo pronto, e agora acabado, do amadorismo com que membros do Legislativo e do Judiciário tratam a administração da Justiça no país.Uma semana depois de sua promulgação pelo Congresso, ainda são incertos os custos embutidos na proposta. Tudo se passa como se as despesas fossem questão de importância menor --e não são nada modestos os recursos públicos envolvidos.
Seriam R$ 922 milhões ao ano, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A Associação dos Juízes Federais do Brasil estima a conta em R$ 700 milhões. "Bem menos", retruca Felix Fischer, presidente do Superior Tribunal de Justiça, que finaliza a regulamentação da medida.
Não será surpresa, porém, se a fatura chegar perto de R$ 8 bilhões, conforme aventa Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal e crítico da emenda.
Escandaloso por si só, o descaso com os cofres públicos é ainda mais deplorável porque nem sequer há evidências de que os quatro novos TRFs sejam necessários.
Ao contrário, o estudo do Ipea sugere que eles tornam a Justiça menos produtiva. Como existem despesas fixas consideráveis, o custo de cada processo aumenta com a diminuição da escala --a elevação pode chegar a 68% em relação ao gasto unitário atual.
Se fosse preciso pagar esse preço por uma Justiça melhor, as cifras poderiam ser contabilizadas como investimentos. Mas não é esse o caso. O mesmo trabalho do Ipea, em exercício hipotético, indica formas de aprimorar o atendimento judicial "a custo zero".
Um dos caminhos seria remanejar os Estados atendidos por alguns TRFs existentes, sem desrespeitar a contiguidade territorial. Outra solução soa quase banal: elevar a produtividade média de todos os magistrados ao nível observado no TRF-3, o mais produtivo.
Há mais contra a emenda. O TRF-9 surgirá com carga de trabalho tão baixa que só precisará de dois magistrados, mas a Constituição exige um mínimo de sete juízes em cada tribunal federal. Já o TRF-4 (que cobrirá apenas o Rio Grande do Sul) resolveria todos os casos pendentes em menos de um ano, tornando-se ocioso depois disso.
É difícil evitar a conclusão de que os novos TRFs atendem sobretudo aos interesses dos próprios juízes, que terão facilitadas suas promoções, e dos políticos, que os ostentarão como conquista.
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