segunda-feira, 15 de julho de 2013

Chinês pinta autoridades corruptas de seu país e atiça reflexão sobre censura local

folha de são paulo
MARCELO NINIO
DE PEQUIM

Um grande mapa da China enfeita uma das paredes no estúdio do artista plástico e cineasta Zhang Bingjian, na periferia de Pequim. Tudo está no lugar certo, exceto por um detalhe: o mapa está de cabeça para baixo.
"Foram cinco anos para inverter os nomes de todas as cidades", conta o artista.
Na sutil, mas poderosa mensagem visual, Zhang condensou sua visão das contradições da China moderna, cujo norte nem sempre é o que parece.
Ao botar de pernas para o ar o galo de briga que os chineses enxergam com orgulho no desenho de seu mapa, Zhang imprimiu em cores vivas uma das características principais de seu trabalho: a fina crítica política.

Zhang Bingjian

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Marcelo Ninio/Folhapress
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Artista plástico e cineasta Zhang Bingjian e seu painel de retratos de políticos acusados ou condenados por desvio de dinheiro na China
Uma marca que ganhou projeção internacional graças a um projeto no qual ele deu contornos artísticos a um dos temas mais revoltantes para os chineses: a corrupção nos altos escalões do Partido Comunista.
Depois de chocar-se ao saber pela TV estatal que 3.000 autoridades haviam sido processadas por corrupção em apenas um ano, Zhang decidiu dar caras ao problema.
A COR DO DINHEIRO
Começava assim o "hall da fama" da corrupção, uma galeria da vergonha que já tem quase 2 mil retratos de autoridades condenadas.
Produzidos por Zhang Bingjian sempre em tons rosados, para lembrar a cor do dinheiro chinês (chamado iuan), os quadros são a forma que ele encontrou para dividir com o público chinês seu assombro com o contágio da corrupção no país.
"Não penso no valor artístico. O que quero é criar um ponto de interrogação sobre a situação da China. Meu trabalho não dá respostas. Oferece uma plataforma para a reflexão", explica.
A ambição de levar sua interrogação ao público, no entanto, esbarrou na dificuldade em expor temas sensíveis num país onde a produção cultural é objeto de rígida censura do Estado.
Zhang enviou propostas para várias galerias do país, mas nenhuma respondeu. O hall da infâmia mantém-se limitado às paredes de seu estúdio e aos convites do exterior. Há dois meses, expôs os retratos dos corruptos chineses na Itália.
"A corrupção é um tema universal, pode ser compreendido em qualquer parte do mundo. Não sei porque meu trabalho não foi selecionado para a Bienal de São Paulo", brinca.
Nascido em Xangai, Zhang, 53, fez parte da primeira geração de chineses que pôde estudar arte depois dos anos de histeria coletiva da Revolução Cultural (1966-1976).
NOVIÇA SEM BEIJO
Apesar de ainda serem anos de forte repressão, Zhang recorda com emoção a tímida abertura política que lhe permitiu assistir pela primeira vez a um filme estrangeiro, "A Noviça Rebelde" (1965), aos 18 anos.
"Todos esperavam uma cena de beijo, que nunca tínhamos visto. Quando ela ia acontecer, uma enorme sombra cobriu a tela. Era a mão do projecionista. Beijo era contra o padrão moral comunista", relembra o artista.
Hoje, a censura oficial é muito mais profissional, mas nem por isso menos absurda, na visão de Zhang.
"Se há um policial no roteiro, ele é submetido à polícia. Se tem um professor, é checado pelo departamento de educação. E assim por diante. Desse jeito, todas as classes profissionais viram parte da censura", lamenta.
A obsessão em decepar as obras no nascedouro induz à atual produção cinematográfica insossa do país, diz ele, dominada por comédias e filmes para adolescentes.
Os produtores não querem perder dinheiro investindo em um filme que será decepado pela censura.
"É difícil entender a insegurança do governo. Censura é falta de confiança nas pessoas. É uma contradição. O país avança, mas continua atrasado nisso. Parece ser a natureza da China: toda vez que dá passos à frente, tem que dar outro para trás."
Contemporâneo na academia de cinema do polêmico Ai Weiwei, o mais conhecido artista chinês, Zhang considera o amigo um modelo de como os limites da censura podem e devem ser esticados ao máximo.
Um exemplo disso é o tragicômico documentário que dirigiu, "Readymade", sobre dois camponeses que largaram tudo para viver como imitadores de Mao Tse-tung, o fundador da China moderna.
"No filme, Mao deixa de ser um semideus, anda de ônibus e dança com Michael Jackson. Desconstruir uma imagem às vezes é mais forte que criticá-la", diz.
Sem permissão para ser exibido no país, porém, o filme permanece fora do alcance do público chinês.

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