segunda-feira, 15 de julho de 2013

Minha História - Josephine Henrichsen

folha de são paulo

Filha de cinegrafista argentino morto na queda de Salvador Allende critica Justiça chilena

DEPOIMENTO A
SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

RESUMO A professora de inglês Josephine Henrichsen tem 48 anos. Em junho de 1973, aos 8, recebeu a notícia de que o pai, o fotógrafo e câmera argentino Leonardo, tinha morrido assassinado por um oficial chileno enquanto cobria a tensão que antecedeu o golpe militar que derrubou Salvador Allende. As imagens da morte do pai ficaram famosas através do filme "A Batalha do Chile", de Patrício Guzman. Aos 40 anos de sua morte, Leonardo acaba de ser homenageado pela prefeitura socialista de Santiago, mas a família Henrichsen ainda busca justiça no país em que ele foi morto.
*
Não havia internet quando eu era criança. Então meu pai era meu guia para saber o que se passava no mundo.
Ele voltava de seus trabalhos em outros países, como o México, a Nicarágua, o Chile e a Bolívia, e ouvíamos seus relatos como se fossem aventuras que nos faziam entender o que acontecia na América Latina.
Divulgação/Arquivo Pessoal
Josephine Henrichsen durante cerimônia em homenagem a seu pai, em Santiago, em junho
Josephine Henrichsen durante cerimônia em homenagem a seu pai, em Santiago, no Chile, em junho
Quando ele viajou ao Chile, em junho de 1973, foi como se partisse apenas para um novo trabalho.
O país estava convulsionado entre a direita e os apoiadores de Salvador Allende (1908-1973). Não se imaginava que algo tão violento e grave como o golpe militar de 11 de setembro fosse acontecer, mas o clima era tenso de qualquer maneira.
Papai era o câmera freelance contratado por uma televisão sueca para reportar sobre o que acontecia na cidade de Santiago.
Naquela tarde, eles saíram para cobrir a repressão às manifestações nas quadras ao redor do Palácio de La Moneda. As imagens mostram um caminhão cheio de oficiais parando numa esquina e atirando contra um grupo de pessoas, que deixa o local.
Papai, ao contrário dos outros, se aproximou, tentou focar os soldados. Eles atiravam, até que um deles mira nele e o atinge. Ele não morreu na hora, ficou ali, caído no chão, agarrado à sua câmera.
Um oficial se aproximou e tentou arrancar o filme, mas não sabia que a câmera gravava as imagens de duas maneiras. Ao deixar meu pai e a câmera na calçada, não sabia que deixaria ali também o registro de seu crime.
Ele foi levado a um hospital por seu companheiro sueco, mas não resistiu e morreu.
Por muito tempo investigamos a gravação, que foi usada no documentário "A Batalha do Chile", do diretor Patrício Guzmán, para procurar saber quem era o autor dos disparos.
A princípio nos confundimos, porque ele veste o uniforme de um major, mas tratava-se apenas de um recruta. Hoje conhecemos seu nome e residência. Já o apresentamos à Justiça chilena, que alega falta de provas para iniciar uma ação contra ele.
É lamentável que o Chile não esteja prestando contas com relação a seu passado como está a Argentina.
Nós não buscamos uma indenização, apenas o reconhecimento de que meu pai morreu por conta de um crime de lesa-humanidade cometido pelo Estado chileno.
Lembro bem de como recebemos a notícia em casa.
Somos três irmãos, eu sou a do meio, meu irmão mais velho tinha 10, a menor, 2, e eu 8. Hoje, tenho 48 anos e também tenho três filhos. A lembrança de meu pai, que morreu tão novo, aos 33 anos, é fundamental no modo como me relaciono com eles.
Meu pai, não sei, creio que sabia de alguma forma que morreria jovem e desde cedo tentou inocular nos filhos o sentido de responsabilidade, de que deveríamos cuidar nós mesmos de nossos passos.
Sei que ele tentou, da melhor forma possível, passar tudo o que sabia para nós o mais rápido que pudesse.
Eu o acompanhava em muitos de seus trabalhos e o admirava muito. Penso demais nele quando me relaciono com meus filhos.

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