segunda-feira, 8 de julho de 2013

Dilma tenta reconstruir elo com os movimentos sociais

folha de são paulo
Divergências em políticas públicas mostra que reaproximação não será fácil
Ativistas reclamam de falta de diálogo com a presidente, aliança com setores conservadores e atropelo de suas pautas
RICARDO MENDONÇADE SÃO PAULOOs protestos pelo país não provocaram impacto só na popularidade da presidente Dilma Rousseff. Sua agenda também sofreu uma guinada. Nos últimos dias, ela passou a receber representantes de movimentos sociais que esperavam por uma audiência desde sua posse, em janeiro 2011.
Na lista dos que foram ou serão recebidos estão organizações recentes, como o MPL (Movimento Passe Livre), mas principalmente militantes com relações antigas e desgastadas com o PT, como gays, indígenas, camponeses, feministas e ativistas digitais.
A nova postura já rendeu as primeiras fotos para Dilma e gerou algum noticiário positivo. O histórico de desgastes com vários desses movimentos, porém, sugere que a reaproximação não deverá ser fácil. A lista de embates, reclamações e divergências em políticas públicas é extensa.
Um exemplo é o que ocorre com militantes da luta antimanicomial, setor historicamente ligado ao PT, e ativistas que pedem revisão da política de combate às drogas.
O alvo do segmento é a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), a quem atribuem a responsabilidade pela adoção de uma política muito conservadora, em diversos aspectos contrária ao que era defendido por petistas no passado.
Esses grupos discordam de dois dos pilares do plano do governo de combate ao crack: as internações compulsórias de dependentes e os repasses de recursos para comunidades terapêuticas religiosas.
Dois eventos são citados como marcos do distanciamento. O primeiro foi o convite que Gleisi fez à psicóloga evangélica Marisa Lobo para o lançamento do programa. Tida como inimiga dos ativistas, Lobo é a formuladora do projeto que permitia a oferta de tratamento para homossexuais, ideia apelidada de "cura gay" derrubada na Câmara.
O segundo foi um e-mail repassado por Gleisi para o ministro Alexandre Padilha (Saúde) pedindo a "flexibilização" na contratação das entidades religiosas, segmento para o qual o governo reservou R$ 100 milhões. A troca de mensagens, que começa com uma cobrança do líder de uma dessas comunidades, foi revelada pelo o jornal "Correio Braziliense" em 2012.
DECEPÇÃO
Entre os gays, os eventos que causaram maior aborrecimento foram os recolhimentos de materiais de orientação após pressão de evangélicos.
O caso mais conhecido foi o do kit de combate à homofobia vetado no Ministério da Educação quando a pasta era dirigida por Fernando Haddad, hoje prefeito de São Paulo. O mais recente foi o do cartaz "Eu sou feliz sendo prostituta", vetado por Padilha.
Ativistas reclamam por mais empenho do governo na aprovação do PL 122, o projeto de lei que criminaliza a homofobia e sofre forte oposição de líderes evangélicos.
Recém-recebido por Dilma, o ativista Toni Reis diz que a presidente se comprometeu "explicitamente" com o combate a todo tipo de discriminação: "Até então, as relações com ela estavam bem nebulosas, para dizer o mínimo".
Um dos setores com relações mais desgastadas com o governo e o PT é o que reúne indígenas e ambientalistas.
Além de apontarem queda no ritmo de demarcações e congelamento na criação de parques, acusam o governo de falta de diálogo no processo de instalação de hidrelétricas na Amazônia, reclamam da proximidade com ruralistas e fazem críticas à atuação fracassada do governo no combate ao projeto do novo Código Florestal.
A iniciativa recente de reformular os procedimentos para demarcação de terras indígenas é o capítulo mais recente das contrariedades.
O azedume foi sintetizado pelo filósofo Egydio Schwade, do Amazonas, teólogo com décadas de história na sigla: "O PT no poder parece que esqueceu toda a trajetória, as pessoas e a causa que o construíram", escreveu num artigo replicado entre ambientalistas na internet. "É humilhante ver uma ministra do nosso governo [Gleisi] propor a revisão de terras indígenas".
O governo quer mudar o processo de demarcação de áreas indígenas para incluir órgãos como o Ministério da Agricultura nas decisões, hoje concentradas na Funai. Os indigenistas temem que isso dê mais força ao agronegócio, que vê nas terras indígenas uma ameaça à sua expansão.
    Índios prometem ação criminal contra Gilberto Carvalho
    Grupo que invadiu Belo Monte protocolou petição no STJ para acusar o ministro de calúnia e difamação
    Episódio é um dos capítulos mais tensos da relação desgastada do governo com os movimentos sociais
    DE SÃO PAULOUm dos focos de grande tensão do governo com os movimentos sociais está no maior e mais ambicioso projeto da gestão Dilma Rousseff: a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte no município de Altamira, no Pará.
    Lideranças que fazem oposição à instalação da usina acusam o governo de tentar criminalizar os opositores do projeto e desconfiam até da infiltração de agentes do Estado em suas organizações.
    No fim de junho, a tensão foi parar na Justiça. Um grupo de caciques da etnia mundurucu foi ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e protocolou uma interpelação criminal contra o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
    Os índios pedem que Carvalho cite os nomes dos mundurucus acusados por ele de envolvimento com o garimpo ilegal. Com a resposta, prometem entrar com uma ação criminal contra o ministro por calúnia e difamação.
    O encaminhamento judicial é a resposta a uma nota divulgada por Gilberto Carvalho em maio em que ele, sem citar nomes, acusou "alguns" índios de envolvimento com garimpo ilegal de ouro no rio Tapajós.
    A nota dizia ainda que "pretensas lideranças" da etnia se comportam sem honestidade. E concluía afirmando que "um dos principais porta-vozes [dos indígenas] é proprietário de seis balsas de garimpo ilegal".
    Os mundurucus são residentes de áreas afetadas por hidrelétricas nos rios Tapajós e Teles Pires, distantes do Xingu. Eles invadiram Belo Monte para pedir a suspensão de estudos para instalação de usinas em seus territórios e a realização de consultas prévias.
    Nas últimas semanas também invadiram repartições públicas e chegaram a sequestrar três biólogos de uma empresa que fazia pesquisa de impacto ambiental na área de influência da hidrelétrica Jatobá, em Itaituba (PA).
    O tom inusual da nota de Carvalho surpreendeu militantes da causa indígena que há anos atuam próximos do PT. Eles lembram que desde o início do governo Lula, em 2003, um dos mais repetidos argumentos da gestão petista é que, ao contrário das anteriores, não há criminalização dos movimentos sociais.
    O site do STJ informa que Carvalho ainda não foi notificado. O caso está no gabinete do ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
    DESCONFIANÇA
    A contenda com Gilberto Carvalho não foi o primeiro episódio em Belo Monte que colocou opositores da usina em linha de confronto direto com o Palácio do Planalto.
    Em fevereiro, militantes do movimento Xingu Vivo, coletivo de organizações que se opõem à usina, flagraram um participante recém-integrado gravando uma reunião do grupo com uma caneta espiã.
    Pressionado, o rapaz deu um depoimento que deixou os ativistas apavorados.
    Ele afirmou ter sido contratado pelo consórcio construtor para colher informações que depois seriam analisadas pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
    Formalmente questionado pelos militantes, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República negou qualquer infiltração.
    O depoimento do rapaz foi colocado no YouTube. Depois disso, o Ministério Público tentou entrar no caso, mas não conseguiu mais encontrar o suposto espião. (RM)
      OUTRO LADO
      Governo diz que nunca esteve tão aberto ao diálogo
      DE SÃO PAULOO governo reconhece que enfrenta dificuldades na relação com alguns segmentos do movimento social, mas afirma que o Palácio do Planalto nunca esteve tão aberto para o diálogo com essas organizações como hoje.
      "O ex-presidente Lula abriu as portas do Planalto para os movimentos sociais, mas a presidenta Dilma [Rousseff] ampliou o acesso", diz Paulo Maldos, titular da Secretaria Nacional de Articulação Social, órgão vinculado à Secretaria-Geral da Presidência.
      Maldos cita como evidência disso o fato de sua secretaria ter crescido de 5 para 60 funcionários na gestão Dilma, o que, segundo ele, permite contatos mais frequentes e encaminhamentos mais adequados das demandas sociais.
      Cita também a criação do Sistema Nacional de Participação Social, projeto em andamento que busca profissionalizar as relações do governo com as organizações.
      Para o secretário, as reclamações de dificuldade de diálogo podem ter relação com as diferenças de estilo entre Lula e Dilma: "Lula é produto de muitas dessas lutas, chamava militantes pelo nome, buscava uma relação mais direta. Já Dilma procurou institucionalizar a relação. Tem outro estilo. Mas é errado dizer que ela é indiferente".
      Sobre a lista de desacordos nas políticas públicas, ele diz que nem sempre é possível contemplar as demandas de todos as setores interessados.
      "O governo também não é homogêneo, também tem visões internas diferentes", diz sobre a política de drogas.
      Com relação aos índios, Maldos nega a existência de qualquer plano para enfraquecer a Funai.
      "Falta demarcar terras para 20% da população indígena. Mas agora em áreas menores, mais populosas e às vezes com a necessidade de ressarcimento de fazendeiros que têm títulos de boa fé", afirma. "É mais difícil." (RM)

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