quinta-feira, 11 de julho de 2013

Marina Colasanti-O escuro lado escuro‏


Estado de Minas: 11/07/2013 


Primeiro foram os drones. Que coisa mais feia essa espionagem celeste, pensamos. Mas os donos do artefato rebateram usando o argumento dos fins, tudo era para o bem geral, a segurança, e em vez da palavra espionagem deveríamos usar sua prima distante, vigilância. Como sempre, a conversa dos fins embaralhou a dos princípios. Por sorte, as aves nefandas voavam em céu alheio, largariam seus ovos em ninho que não o nosso. Podíamos ficar só mediamente indignados.

Que sei eu da vida?, me perguntei naquela ocasião, sentindo que olhava o mundo como se olhasse a Lua, vendo apenas um lado e tendo a ilusão do todo.

Quando Snowden apareceu com suas denúncias, o tranco foi maior. A mancha de óleo a que ele deu vazão colava na pele da modernidade o clima 007 deslocava-se da tela do cinema e da televisão para a dos computadores. Países inteiros estavam sendo escutados, espionados, monitorados pelos Estados Unidos. Primeiro soubemos dos países inimigos e pareceu ter alguma lógica. Mais tarde, fomos informados de que também países amigos, colaboradores de comércio e política, haviam sido postos na escuta.

Tive a impressão de ver uma nesga do lado escuro. Enquanto enchíamos a boca falando de individualidade, enquanto continuávamos acreditando na possibilidade do privado, havia espiões atentos dentro dos travesseiros, cidadãos andavam com bugs secretamente instalados nos ouvidos, redes pescavam palavras diante das bocas.

Agora nos é dito que há uma década nós também somos espionados. E não só isso, nos tornamos o segundo alvo mais importante para os USA, depois deles mesmos. Escrevo no meu computador pouco mais espesso que um caderno escolar e já o vejo como o espelho mágico da madrasta de Branca de Neve, contendo um rosto malévolo, que não fala comigo, mas me escuta e analisa o que escrevo. É como se tivéssemos voltado aos tempos primeiros da telefonia, quando, nas pequenas cidades, os operadores por intermédio dos quais se faziam as chamadas se apossavam dos segredos dos cidadãos.

Mas nem isso basta. Deslizando verde sobre as folhas, com ar aparentemente gentil, nos chega a Helicoverpa armigera. Uma mariposa, não como as outras, uma praga. Está devorando as plantações de algodão no Oeste da Bahia, banqueteia-se no cultivo de milho, soja, sorgo, feijão, tomate. Já causou prejuízos incalculáveis em 12 estados brasileiros. E está fora de controle.

Pragas na lavoura sempre existiram, esta porém é nova, importada e suspeita-se de que não involuntariamente. Ao que tudo indica, segue o modelo dos espiões da privacidade, foi introduzida. É o que diz a Agência Brasileira de Inteligência, convocada para investigar-lhe a origem.

Como nos livros policiais, a pergunta é: a quem interessa o crime?. Às empresas internacionais de transgênicos, que já trabalhavam com genes resistentes à Helicoverpa armigera, antes de pedir cidadania brasileira. Mas, como nos livros policiais, o interesse não constitui prova de culpa.

A mariposa voraz põe 1,5 mil ovos a cada 40 dias. Quantos drones, exatamente, percorrem os céus, de dia e de noite? Quantos aparelhos, quantos funcionários escutam e peneiram vozes e dados privados do mundo inteiro, noite e dia? Quantos e quais fatos sinistros se abrigam ainda no lado escuro do nosso próprio planeta?

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