Reformas, nas mãos dos corruptos
Quando era criança, ouvia seguidamente uma frase de minha avó, filha de italianos, quando as coisas não andavam bem:
"Piove, governo ladro", resmungava a afável dona Josefa.
Eu achava graça no fato de minha avó culpar o governo (leia-se, os políticos) supostamente ladrão até pela chuva.
Não acho mais, agora que verifico que oito de cada dez brasileiros têm a mesma opinião de dona Josefa sobre os políticos em geral. É o que mostra o Barômetro 2013 da Transparência Internacional.
Para 81% dos brasileiros consultados, os partidos políticos são corruptos. A nota para os partidos é de 4,3, quando 5 é o sinal de que são "extremamente corruptos". Os parlamentos, compostos necessariamente por políticos, não se saem melhor, como é óbvio: são corruptos para 72% e ficam com nota 4,1.
É nas mãos dessa gente que acabou ficando a reforma política depois que a presidente Dilma Rousseff desistiu, a jato, de um processo constituinte exclusivo. Se o grito das ruas, ainda que implicitamente, era por "novas formas de atuação dos poderes do Estado, em todos os níveis federativos", como disse a presidente, então as ruas perderam.
É quase impossível que instituições tão desprestigiadas quanto os partidos e os parlamentos encampem "novas formas de atuação".
Até porque o Barômetro-2013 é um feio retrato de todas as instituições públicas brasileiras, exceto os militares, apontados como corruptos pela menor porcentagem dos pesquisados (30%).
Sorte nossa que a rua brasileira, bem ao contrário da egípcia, não pediu um golpe militar, instrumento que torço para que esteja definitivamente enterrado.
A polícia é vista como corrupta por 70% dos entrevistados, e mesmo o Judiciário não escapa de um resultado ruim (50%).
Corruptos para menos da metade dos consultados são apenas as Organizações Não Governamentais, a mídia, as entidades religiosas, os homens de negócio e o sistema educacional. Ah, os serviços de medicina e saúde, outro ponto da agenda agora, são corruptos para 55%.
É natural que, no conjunto, o Brasil seja percebido, este ano, como muito ou um pouco mais corrupto que no ano anterior por 47% dos entrevistados, enquanto outros 35% acham que o país ficou na mesma, ou seja, com idêntico --e elevado-- teor de corrupção de 2012.
A pesquisa põe números científicos na crise da democracia representativa, tema de 11 de cada 10 comentários recentes, a partir do momento em que as ruas promoveram cenas explícitas e maciças de desconfiança nas instituições.
Não é um problema só brasileiro, o que já foi dito neste espaço uma e mil vezes. O relatório diz:
"No mundo todo, os partidos políticos, a força dirigente das democracias, são percebidos como as instituições mais corruptas".
É um cenário dramático porque, pelo menos no Brasil, as chances de que os partidos se reinventem tendem a zero. O que só reforça a necessidade de buscar formas alternativas de participação popular no jogo político-administrativo.
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.
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