O Globo - 19/08/2013
Luís Augusto Russo e Luiz Henrique de Gregório
A pesquisa clínica para produção de medicamentos é uma área estratégica
em todo o mundo e contribui diretamente para o bem-estar e o aumento da
expectativa de vida da população. No Brasil, o governo tem investido no
desenvolvimento de novos fármacos, mas se quiser continuar avançando
nesse setor precisa eliminar entraves burocráticos sem negligenciar a
segurança dos pacientes.
Hoje a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autoriza, em média, 200
estudos clínicos por ano. É pouco. Em um país com população de 194
milhões; a quinta do planeta; os pesquisadores brasileiros sofrem com os
atrasos devido às exigências regulatórias. No Brasil 80% dos estudos
para produzir fármacos são patrocinados por multinacionais; enquanto que
nos Estados Unidos a maioria dos fomentos vem do governo. Aqui apenas
4% do total dos estudos são de fase 1, de grande importância científica.
A maioria dos estudos (60%) é de fase 3, quando a droga é testada em
mil a três mil pacientes. E hoje o Brasil é o único do grupo dos Brics
(Brasil, Rússia, Índia e China) que registra a redução no número de
pesquisas para produção de novos remédios. A nossa participação é de
menos de 2% no mercado global.
A maior dificuldade dos cientistas brasileiros é a demora na avaliação e
aprovação dos protocolos de ensaios com humanos. A nova resolução para o
setor, a CNS 466 do Conselho Nacional de Saúde, publicada há um mês,
não determina regras e prazos claros. E mais grave: não tem congruência e
correspondência com as normas vigentes na maioria dos países.
Projetos de pesquisa clínica são estratégicos para o Sistema Único de
Saúde e deveriam ter prioridade. Diferentemente da maioria dos países,
no Brasil antes de se iniciar um estudo com participação internacional é
exigida dupla aprovação ética: pela Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, subordinada ao Conselho Nacional de Saúde, e pelos comitês
locais; além da autorização da Anvisa. Enquanto Estados Unidos e Japão
levam, em média, de 30 a 45 dias para aprovar um estudo; e a União
Europeia 60 dias; no Brasil um centro de pesquisa espera mais de 14
meses para dar o primeiro passo.
Outro problema é que a nova resolução abre possibilidade de remuneração
de participantes dos estudos e obriga o centro de pesquisa a oferecer
tratamento por tempo indeterminado com a droga teste aos voluntários
doentes; mesmo quando ainda não se tem certeza de que terão benefício.
Diante disso, laboratórios estrangeiros decidem levar estudos clínicos
para outros países, inclusive da América Latina, como Chile, Peru,
Colômbia e Argentina.
Além disso, em pesquisas envolvendo grande número de pacientes, é comum o
uso de placebo para efeito comparativo com a droga teste. Mas a
Comissão restringe uso de placebos. Outro obstáculo é a exigência de
estudo comparativo entre drogas da mesma classe, obrigando o centro de
pesquisa a recrutar milhares de pacientes; o que pode inviabilizar
ensaios e aumenta o custo final dos fármacos.
O desenvolvimento de um fármaco é um processo longo, que pode levar uma
década, desde o descobrimento de sua molécula até a aprovação da droga
pelos órgãos reguladores. De cada dez mil moléculas analisadas, apenas
uma será útil na produção de um medicamento - com custo de US$ 800
milhões, incluindo gastos com acompanhamento e atendimento dos
voluntários que, de forma altruísta, participam.
Nossa população tem características étnicas, biológicas e genéticas
diferentes dos habitantes de outros continentes e mesmo de nossos
vizinhos. Isso reforça a necessidade de se testar e de se desenvolver
fármacos aqui. É preciso descentralizar e simplificar a regulação
dando-se autonomia aos comitês de ética e maior agilidade à Anvisa para
nos tornarmos competitivos.
Luís Augusto Russo e Luiz Henrique de Gregório são pesquisadores e diretores da Associação de Pesquisa
Clínica do Brasil
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