Direito de todos
Democracia deve garantir livre manifestação, mas precisa levar autores de atos de violência a responder na Justiça
As manifestações de junho passado, quando centenas de milhares de brasileiros foram às ruas, exerceram efeitos notáveis. Sacudiram o sistema político do torpor em que se encontrava e revelaram saudável inconformismo, expresso no maciço apoio popular aos protestos.Mas o momento passou; as manifestações arrefeceram. Não existe fórmula que resolva, num passe de mágica, os graves problemas apontados. Mesmo entre os indignados não tardaram a irromper altercações, e a maioria logo retomou sua dura rotina de afazeres.
Esperemos que as causas concernentes à cidadania, capazes de desatar movimento tão intenso, não sejam abandonadas.
Que o direito a uma boa gestão dos recursos públicos, a serviços de qualidade e à própria liberdade de manifestação pacífica mereçam uma pressão mais persistente sobre as autoridades.
Nesta fase de refluxo, porém, subsiste uma dispersão de grupúsculos empenhados em sustentar a antiga chama. Incapazes de mobilizar multidões, recorrem à violência no afã de multiplicar a repercussão de seus esquálidos protestos.
Desde junho, consolidou-se um equívoco. Como o estopim que deu escala às passeatas foi um episódio, numa das jornadas em São Paulo, de intolerável desmando policial, surgiu um ambiente em que a polícia somente intervém, aliás de modo desastrado, quando o vandalismo já campeia.
É preciso repetir o óbvio. Cabe às autoridades garantir o direito de manifestação pacífica. Mas compete às mesmas autoridades coibir todo ato de violência contra qualquer pessoa ou contra o patrimônio público e privado.
Talvez por despreparo diante do inesperado, elas têm falhado. Entre repressão indiscriminada e passividade cúmplice, há de haver toda uma estratégia de contenção que permita resguardar, com dano mínimo, a ordem pública e o direito de todos, inclusive de ir e vir.
Faz parte dessa estratégia que os autores de agressões físicas sejam responsabilizados perante a Justiça. Polícia e Ministério Público mostram-se lenientes no cumprimento deste dever que as circunstâncias tornam imperativo.
Pouco importa que os vândalos sejam ideólogos do ressentimento, indivíduos de temperamento exaltado ou meliantes e provocadores infiltrados na confusão. A lei é a mesma para todos.
A democracia representativa é o único regime que protege o direito dos que pregam sua destruição. Por questão de princípio, concede-lhes uma generosidade que jamais retribuiriam.
Impedi-los de impor sua pregação pela força não é um direito do regime democrático, mas sua obrigação mais irrecusável.
EDITORIAIS
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Raízes frágeis
Confrontada com a má organização de seu partido e com as pequenas chances eleitorais que possuía, uma líder populista de outros tempos costumava afirmar que não estava plantando couves, e sim carvalhos.
A metáfora vegetal talvez pudesse ser de proveito a Marina Silva no momento. Muito bem situada nas pesquisas eleitorais (com 26% da preferência popular contra os 35% de Dilma Rousseff num primeiro turno, segundo o Datafolha), a principal representante ambientalista no Brasil enfrenta dificuldades, contudo, para viabilizar seu partido até o pleito de 2014.
Afirma já ter obtido mais do que o necessário, em número de assinaturas de eleitores, para o registro de sua nova agremiação.
Encarregados de conferir a documentação de centenas de milhares de supostos adeptos, muitos cartórios eleitorais atrasam, contudo, a burocracia exigida para que a Rede Sustentabilidade passe do mundo virtual para o real.
Não parece provável que uma liderança política tão expressiva venha a ter sua candidatura inviabilizada por causa de um problema desse tipo. Se os cartórios tardam em sua tarefa, parece injusto que se presuma, da parte dos organizadores da Rede, a má-fé de forjar as assinaturas requeridas.
Verdade que, quando da criação do PSD, de Gilberto Kassab, noticiou-se a ocorrência de assinaturas duplicadas, votantes defuntos e identidades fantasmáticas.
Se a legislação interpõe, assim, obstáculos na trilha de Marina Silva, nada a impede de pegar carona em algum partido de aluguel. Subsiste, entretanto, o paradoxo.
Sendo inegavelmente uma liderança autêntica, feita de outra fibra que a de tantos oportunistas que pululam na política brasileira, Marina Silva se vê colhida numa das muitas armadilhas do sistema.
Seu nome, exaltado nas pesquisas, é maior do que as organizações de que dispõe. Foi assim que, saindo do PT para entrar no PV, disputou as eleições de 2010. Dissociou-se rapidamente desse partido, a seu ver inautêntico.
Em torno de Marina reúnem-se ecologistas, economistas pós-liberais, evangélicos e iconoclastas. Sem desfazer do que representam da sociedade, é de perguntar se sua candidatura tem raízes reais, capazes de se organizarem num partido permanente --ou se prevalece apenas o carisma de uma pessoa buscando, como pode, uma legenda para candidatar-se.
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