David Miranda é namorado do jornalista Glenn Greenwald, pivô das denúncias de espionagem do governo dos EUA
Repórter diz que polícia só questionou namorado sobre suas reportagens; Itamaraty condena medida 'injustificável'
A detenção, no entanto, se mostrou ainda mais controversa pelo fato de Miranda ser namorado do jornalista Glenn Greenwald, responsável pela publicação, no jornal britânico "Guardian", das denúncias sobre o programa de espionagem do governo dos EUA.
O brasileiro ficou detido por nove horas no aeroporto e teve laptop, celular e outros equipamentos eletrônicos apreendidos. Não pôde telefonar para seu advogado --isso foi feito por autoridades britânicas-- e um advogado enviado pelo "Guardian" só teve acesso aos últimos 15 minutos de seu depoimento.
"Eles não perguntaram nada a ele sobre terrorismo, só sobre jornalismo: o que eu estou fazendo, o que eu não estou fazendo", disse Greenwald à Folha.
Um porta-voz da Scotland Yard (polícia metropolitana de Londres) confirmou que "às 8h05 (4h05 no Brasil) de domingo, um homem de 28 anos foi detido sob o artigo 7 do Terrorism Act 2000'".
Para Greenwald, "está claro" que a detenção do namorado foi uma ação para intimidá-lo e um "ataque à liberdade de imprensa".
Segundo ele, os oficiais perguntaram até se Miranda tinha acesso a "senhas" envolvendo o material das reportagens de Greenwald.
"Mas agora eu vou fazer muitas reportagens, e ser muito mais agressivo do que antes: vai ter o efeito oposto ao que eles quiseram."
Greenwald comparou a detenção à proibição que governos europeus deram ao presidente boliviano Evo Morales de sobrevoar seus países em julho. Segundo La Paz, os europeus acreditavam que o foragido ex-técnico da CIA Edward Snowden poderia estar no avião de Evo.
A detenção mobilizou o Itamaraty, que lançou uma nota classificando o episódio como uma "medida injustificável".
"Trata-se de medida injustificável por envolver indivíduo contra quem não pesam quaisquer acusações que possam legitimar o uso de referida legislação", afirma o Itamaraty. O governo diz ainda esperar que incidentes como esse "não se repitam".
O subsecretário-geral do Itamaraty para as comunidades brasileiras no exterior, Sergio Tanese, telefonou para Greenwald para oferecer apoio do governo brasileiro.
Antes de Miranda, dois brasileiros foram detidos nos EUA, em 2004, sob a lei de combate ao terrorismo no país. O paraibano Mizael Cabral e o carioca Daniel Correa foram acusados de reportar falsamente a presença de uma bomba em sua bagagem, no aeroporto de Miami. Ficaram mais de dois meses detidos.
Miranda voltava de Berlim, onde passou uma semana em companhia da documentarista americana Laura Poitras, que trabalha com Greenwald na análise dos documentos vazados por Snowden.
O estudante, que vive no Rio de Janeiro com Greenwald, deveria chegar ao Brasil na madrugada de hoje.
Greenwald vem publicando no "Guardian", desde 5 de junho, uma série de artigos revelando as ações de espionagem digital da NSA (Agência de Segurança Nacional) dos EUA, utilizando documentos vazados por Snowden.
DEPOIMENTO
'Está claro que isso foi uma mensagem de intimidação'
Jornalista que publicou denúncias fala sobre a detenção do namorado
(ISABEL FLECK)
Eu ainda não falei com o David, só com o advogado do "Guardian", que me disse que é muito raro que alguém fique detido mais do que uma hora.
Mas eles não perguntaram nada a ele sobre terrorismo, só sobre jornalismo: o que eu estou fazendo, o que eu não estou fazendo.
Ele esteve na Alemanha, na última semana, com Laura Poitras, que está trabalhando comigo. Eles perguntaram o que ele e a Laura fizeram, se ele tinha senhas para ter acesso [ao material sobre as denúncias], coisas assim. Está claro que foi só para me mandar uma mensagem de intimidação.
O advogado disse que tomaram seu laptop, telefone, videogame, DVD, sem dar explicações. Eles têm o poder, sob essa lei, para tomar qualquer coisa para investigação.
Agora farei muitas reportagens e serei muito mais agressivo que antes: vai ter o efeito oposto ao que queriam.
Foi exatamente o que eles fizeram quando impediram o avião do [presidente boliviano] Evo Morales [de sobrevoar países europeus]. Eles sabiam que teriam um problema enorme no mundo, mas quiseram mandar essa mensagem. Eles agem como criminosos.
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