Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 19/08/2013
Tudo é ficção. A única coisa real é o cenário |
Desde o lançamento do seu primeiro livro, a coletânea de poemas Eletroencefalograma, publicada em 1998 pelo seu próprio selo, Ciência do Acidente, que Joca Reiners Terron vem se firmando como um dos nomes mais fortes de sua geração. Dela fazem parte, entre outros escritores, Marcelino Freire, Ivana de Arruda Leite e Luís Brás, que ficaram conhecidos como a Turma da mercearia, pelo fato de ter o costume, desde o início dos anos 2000, de se reunirem para tomar cerveja e falar de literatura em um botequim de secos e molhados da Vila Madalena, em São Paulo. “Não com a mesma frequência de antes, de vez em quando apareço por lá, onde tem um sanduíche famoso com o meu nome”, conta Terron, sem disfarçar um pouco de orgulho.
Nascido em Cuiabá (MT), onde viveu apenas o primeiro ano de vida, ele está hoje em Belo Horizonte para lançar seu mais recente romance, A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves (Companhia das Letras, 175 páginas), na série Nova Literatura Brasileira, promovida pelo projeto Sempre um papo, que até novembro trará vários escritores à cidade. Na próxima semana será a vez do carioca Sérgio Alcides, que lança o livro Píer.
Se começou escrevendo poemas, como costuma ocorrer com a maioria dos escritores, três anos depois de sua estreia ele se bandeou para o romance, publicando Hotel Hell. A ele se seguiram, entre outros, Curva de rio sujo (Editora Planeta), Sonho interrompido por guilhotina (Casa da Palavra) e Do fundo do poço se vê a lua (Companhia das Letras), com o qual venceu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.
Com A tristeza extraordinária do Leopardo-das-neves parece que Terron se encontrou de vez . Num clima de mistério, que em determinados momentos faz lembrar as narrativas de Edgar Allan Poe, numa proporção cada vez mais tensa à medida que a leitura avança, ele leva o leitor a um velho casarão em São Paulo, onde uma estranha enfermeira, a Senhora X, é paga para cuidar de um ser mais estranho ainda: “A criatura”. Quem será ela? O que as duas fazem naquele lugar esquisito, com fama de mal-assombrado e que sempre está com as portas fechadas?
A essa história na qual estão envolvidos imigrantes russos e judeus que em tempos passados, assim como italianos e japoneses, imigraram para São Paulo, a maioria fugindo da guerra. Eles se juntam na trama aos recém-chegados coreanos e bolivianos. Somam-se a essa turma um motorista de táxi maluco que cria cães ferozes, um policial que cuida do pai moribundo e uma veterinária que monitora visitas noturnas a um zoológico – onde vive confinado o leopardo-das-neves do título –, e vai por aí. O desfecho vai sendo revelado aos poucos pelo autor, com mãos de mestre e uma concisão só reservada a quem entende do assunto.
SEMPRE UM PAPO
Lançamento do novo livro de Joca Reiners
Terron. Hoje, às 19h30, na Sala Juvenal Dias
do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca.
Informações: (31) 3261-1501.
TRÊS PERGUNTAS PARA... Joca Reiners Terron romancista
Nascido em Cuiabá, paulistano por direito adquirido. Como tem sido sua trajetória, desde a saída do Mato Grosso?
Vivi em Cuiabá apenas até o primeiro ano de vida, mas meus parentes maternos continuam lá. Entre eles há guerrilheiros do Araguaia (poucos) e ladrões de gado (muitos). Vivi em pelo menos 15 cidades depois de sair de lá. O gosto pela leitura surgiu no trajeto, e a escrita veio de permeio.
Escrever serve para quê? Você sobrevive apenas da literatura?
Serve para superar minhas deficiências, só que minha literatura é justamente moldada pelas minhas deficiências. Então, o que produzo sou eu. Faço muitas coisas. Design gráfico, edição, tradução, curadoria, produção. E principalmente envio e-mails de cobrança. Tudo isso ocupa muito meu tempo. Subtraídos o convívio com próximos e o sono, sobra muito pouco tempo, que dedico à ficção. Por isso tenho dormido cada vez menos.
Como surgiu a ideia de escrever A tristeza extraordinária do Leopardo-das-neves? Partiu de algum fato real?
Tudo é ficção. A única coisa real é o cenário, o bairro paulistano do Bom Retiro, tradicional reduto de imigrantes. O começo foi tateante, como sempre funciona comigo. Mas procuro partir da invenção e com ela atingir o mais real da realidade. A dor. Há questões que se repetem, como a validade da memória e a inadequação dos personagens. Eu me interesso por essas situações limítrofes.
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