Mecanismo celular desvendado
Pesquisadores da UFMG descrevem, como a
insulina estimula a multiplicação das células. Descoberta abre novas
possibilidades de tratamento para o câncer e outras doenças
Humberto Siqueira
Estado de Minas: 13/08/2013
Pesquisadores
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) fizeram uma descoberta
que está chamando a atenção de cientistas de todo o mundo. Durante
pesquisas de regeneração hepática com a insulina, o pesquisador e
pós-doutorando André Oliveira percebeu que alguns receptores de
insulina, marcados por meio do processo de imunofluorescência, que os
faz brilhar, estavam no núcleo das células. O questionamento, óbvio, era
como e por que eles chegaram até lá.
Investigando o fenômeno, a
equipe fez uma descoberta que deverá mudar os livros de fisiologia
humana. A insulina, além da função metabólica, em que capta e armazena
nutrientes para nosso organismo utilizar como combustível, tem outra
função até então desconhecida: ela entra na célula por meio de um
receptor específico. “É como uma chave e uma fechadura. A insulina é a
chave e tem uma fechadura na célula, que é seu receptor. Uma vez
conectado, esse receptor vai com a insulina para dentro do núcleo da
célula. Lá dentro, a insulina estimula a liberação de cálcio, que, por
sua vez, dá início ao processo de multiplicação celular”, explica a
professora e pesquisadora Maria de Fátima Leite, do Departamento de
Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). A
novidade está documentada em imagens em movimento.
O cálcio tem o
papel de regular a taxa de proliferação da célula, o que é um processo
fisiológico importante na sobrevivência do ser humano. É por meio dela
que o ser humano ganha estatura, cicatriza ferida, entre várias outras
situações normais do organismo. “A proliferação celular é considerada um
efeito mais tardio da insulina, e esse mecanismo foi desvendado.
Mostramos, em nosso estudo, como a insulina regula a regeneração
hepática. O fígado é um órgão com alto potencial regenerativo, processo
fisiológico importante, visto que é um órgão desintoxicador do nosso
corpo. Para exemplificar, ao se removerem dois terços do fígado em seres
humanos, o órgão regenera (volta à sua função normal) em algumas
semanas, ou seja, a multiplicação das células hepáticas é muito alta.
Essa regeneração está condicionada a estímulos que vêm de hormônios ou
de fatores de crescimento”, pondera Gustavo Menezes, professor de
biologia celular da UFMG. “É por isso que os diabéticos, que não
produzem insulina, enfrentam maior dificuldade para a cicatrização de
ferimentos”, completa Maria de Fátima.
Pela primeira vez, uma
equipe descreveu exatamente como a insulina estimula a proliferação
celular. E a descoberta abre novas possibilidades de tratamento para o
câncer, por exemplo. Ainda segundo Maria de Fátima, esse fenômeno de
multiplicação celular é crucial na saúde e na doença. “Mostramos que o
cálcio é um requisito necessário para as células carcinogênicas (que se
multiplicam em alta velocidade) replicarem. Então, nesse caso, usamos
terapia gênica para reduzir a quantidade de cálcio no núcleoplasma das
células, com o objetivo de baixar também a multiplicação celular.
Associamos a terapia gênica com a radioterapia e obtivemos sucesso,
observando uma diminuição na taxa de sobrevida das células
carcinogênicas, o que indica menor taxa de recidiva do câncer. Foi um
estudo in vitro, realizado em células, e já estamos bem avançados nos
estudos in vivo, em animal”, detalha.
TERAPIA A multiplicação
celular por meio do chamado maquinário de cálcio, ocorre numa velocidade
muito alta. Nessa avaliação de tratamento, a equipe constatou que o
efeito foi apenas nas células cancerígenas, que estão se multiplicando
rapidamente. Outra abordagem que a descoberta permite se dá no
tratamento para os casos de processo de falência do fígado. “Apesar de
se recuperar muito rapidamente, alguns processos, como a cirrose e a
fibrose, destroem o órgão ainda mais rápido. Podemos estudar como ativar
esse mecanismo de multiplicação celular pela insulina, para acelerar
ainda mais o processo e reverter o quadro. Pode-se evitar a necessidade
de transplantes e salvar vidas com isso, já que uma pessoa com o fígado
comprometido não vive mais do que uma semana”, esclarece Menezes. Há
ainda a hipótese de se criar uma pomada à base de insulina para aplicar
em ferimentos e auxiliar na cicatrização, que, basicamente, depende de
uma multiplicação celular.”
O estudo, publicado na última edição
da revista Hepatology, órgão da Associação Americana para Estudos sobre
Doenças Hepáticas, mostra, em termos técnicos, como uma subpopulação dos
receptores de insulina se transloca da membrana plasmática para o
interior da célula e, ao chegar ao núcleo, ativa a maquinaria de cálcio
intranuclear, que regula a taxa de multiplicação celular. A novidade
está documentada em imagens em movimento. “Já se sabia que a insulina é
um fator de crescimento, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual esse
hormônio regula a proliferação de células hepáticas”, reitera a
pesquisadora.
Compartimentos intracelulares
Reconstrução tridimensional de células
marcadas com anticorpos e sondas fluorescentes permitem visualizar
diferentes compartimentos intracelulares. Célula superior mostra
membrana plasmática em vermelho, núcleo em azul e a proteína de
interesse (verde) indicando translocação proteica da membrana plasmática
para o interior nuclear (imagem capturada pela pós-doutoranda Erika
Alvarenga). O painel inferior mostra um hepatócito (azul) binuclear, o
envelope nuclear em verde e marcação intranuclear do DNA em vermelho
SAIBA MAIS: Gel nanotecnológico
Uma
das pesquisas que derivam desse trabalho é a produção de gel, para uso
tópico, que usa nanotecnologia para estimular a rápida regeneração de
tecidos e, assim, promover a cicatrização de feridas. Realizado em
parceria com o professor Rodrigo Resende, do Departamento de Bioquímica e
Imunologia do ICB, o estudo é subsidiado pelo edital Capes/SUS e tem
como principal alvo pacientes diabéticos. A intenção é produzir o
medicamento, que deve chegar à população a preço baixo. O gel, com
estruturas de nanocarbono, está sendo desenvolvido em parceria com o
Departamento de Física. “Mostramos como a insulina estimula a
proliferação celular, atividade fundamental
na cicatrização”, comenta a pesquisadora.
Cientifiquês/português
Imunofluorescência
Processo
que usa anticorpos específicos para o receptor estudado, que vai
reconhecer a proteína desse receptor e se “ligar” a ele, podendo ser
rastreado por absorver e emitir luz ultravioleta (UV), permitindo sua
observação ao microscópio de fluorescência.
Organelas
A célula
é como nosso organismo em miniatura. As organelas presentes na células
são como nossos órgãos. Temos organelas específicas para a respiração
da célula, por exemplo.
Terapia gênica
Trata-se de uma
construção genética feita em laboratório, que usa um vírus, por exemplo,
como veículo de entrada para informações genéticas na
célula ou no indivíduo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário