Discutir a relação
Visita de secretário de Estado dos EUA ao Brasil será pouco produtiva se episódio de espionagem deixar agenda econômica em segundo plano
Sob o peso das revelações recentes acerca da vasta máquina de espionagem americana, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, chega hoje ao Brasil com a tarefa de preparar a visita da presidente Dilma Rousseff à capital americana, programada para outubro.
As relações entre Brasília e Washington, que já não atravessavam bom momento em vários aspectos, ficaram ainda ainda mais prejudicadas após a divulgação de que o Brasil também estava entre os países espionados pelos EUA.
A presidente Dilma, num conhecido jogo de cena diplomático, qualificou o episódio como violação de soberania e de direitos humanos e prometeu levar o caso a diversas organizações internacionais.
O tema acabará tendo proeminência na visita de Kerry, mas divergências menos óbvias, embora sem dúvida mais importantes do ponto de vista pragmático, precisam ser debatidas. A espionagem, por definição, não será interrompida após mero pedido da parte vigiada. Questões econômicas e cotidianas, por outro lado, podem avançar nesse tipo de encontro.
Blocos comerciais que excluem o Brasil vêm sendo priorizados pelos EUA. Enquanto isso, o país, já engessado pelo Mercosul, aposta na Organização Mundial de Comércio (OMC), instituição que conta com cada vez menos apoio americano.
Há pouco otimismo também com relação à isenção de visto para brasileiros em viagem aos EUA. Washington exige um nível de compartilhamento de informações que Dilma Rousseff dificilmente aceitaria agora. Além disso, o cenário econômico ruim do Brasil provoca no governo americano o receio de novas ondas de imigrantes.
Quanto aos organismos multilaterais, nada indica que os Estados Unidos venham a apoiar formalmente o ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. E a reforma das cotas do FMI, que aumentaria a participação brasileira, continua sem a aprovação do Congresso americano.
Não que tudo esteja ruim. Ainda que em ritmo inercial, os EUA continuam como o segundo parceiro comercial do Brasil, com volume de US$ 59,1 bilhões no ano passado, dos quais US$ 26,7 bilhões em vendas brasileiras.
Há avanços em itens pontuais, como o aumento do intercâmbio estudantil. Os dois países também estão próximos de assinar tratado para a troca de informações tributárias e financeiras, o que eliminaria a bitributação, demanda de empresários daqui e de lá.
O desafio de Dilma Rousseff é separar a reação dura e protocolar ao escândalo de espionagem da necessidade de avançar em outros pontos da agenda, principalmente os de natureza econômica.
EDITORIAIS
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Igual sardinha
Não chega a constituir surpresa, mas nem por isso deveria ser menos embaraçoso para a Prefeitura de São Paulo que um usuário de transporte público prefira acordar meia hora mais cedo e fazer um itinerário mais longo a pegar ônibus de uma linha superlotada.
Como nem todos têm alternativa à disposição, não são poucos os que terminam se apertando como sardinhas em lata, para repetir expressão comum entre os passageiros de ônibus de São Paulo.
Tanto pior, à superlotação dos veículos somam-se outras agruras, como acidentes, atrasos, falhas de conservação e mau comportamento dos motoristas.
Longe de serem isoladas, as críticas parecem representar a realidade do sistema de ônibus da capital. Conforme reportagem desta Folha, índice da própria SPTrans (empresa municipal do setor) mostra que são precários os serviços prestados pela maior parte das viações em São Paulo.
Segundo dados obtidos com base na Lei de Acesso à Informação, das 19 empresas que atuam nas ruas paulistanas, no primeiro semestre deste ano, apenas uma foi avaliada como ótima e cinco como boas; nove foram consideradas regulares e quatro, ruins.
Ainda mais grave é a constatação de que o serviço, em vez de melhorar, está piorando. Nada menos que 13 viações tiveram, de janeiro a junho de 2013, desempenho inferior ao registrado no mesmo período do ano passado. Juntas, essas concessionárias de ônibus transportam 57% dos passageiros.
A comparação é feita a partir do Índice de Qualidade do Transporte, composto por dez indicadores e utilizado pela SPTrans para avaliar o serviço e cobrar melhorias das empresas com as piores notas.
Se as concessionárias têm responsabilidade direta por vários desses indicadores --emissão de poluentes, manutenção, limpeza, conduta de motoristas--, outros dependem, ao menos em parte, do trânsito caótico da cidade. Atrasos, por exemplo, geram reclamações, mas podem ocorrer mesmo que a empresa coloque nas ruas um número adequado de veículos.
Melhorar a qualidade do sistema de ônibus passa pela implantação de faixas e corredores exclusivos e pela reorganização das linhas de acordo com a demanda.
Pressionado pelas manifestações de junho, o prefeito Fernando Haddad (PT) introduziu, antes do que se previa, faixas de ônibus à direita de avenidas importantes, como Paulista e 23 de Maio. A população, contudo, ainda espera os corredores à esquerda --mais caros, mas mais eficientes.
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