O GLOBO - 05/10/2013
O que causa mesmo inveja a um carioca são a segurança e a ordem nas ruas de Manhattan
Nova
York não é meu sonho de cidade, talvez por falta de intimidade com a
língua e com a paisagem, que me lembra Tom Jobim implicando com a altura
dos prédios: “NY é para ser vista de maca”. Como cantou o grande Cole
Porter, “I love Paris” — na primavera, no outono, no inverno, em
“qualquer momento” (menos no verão, quando as duas ficam insuportáveis).
Mas reconheço que nenhuma outra metrópole dispõe de tanta oferta
cultural quanto a capital do mundo (dizem que perde para Londres, que
conheço pouco). Atualmente, há cerca de 30 espetáculos em cartaz na
Broadway, ou seja, pode-se ver um por noite durante um mês. Na terra do
fast-food, mais do que musicais, concertos, peças, óperas e exposições,
só mesmo comida. Em cada quarteirão um bar, uma lanchonete, um
restaurante.
Come-se dentro, mas também do lado de fora. O
nova-iorquino ou está com a boca cheia ou falando ao celular — às vezes
as duas coisas ao mesmo tempo. Come-se até sentado na fonte do Lincoln
Center, enquanto se espera, por exemplo, a Filarmônica de NY acompanhar
Yefim Bronfman ao piano no Concerto nº 1, de Tchaikovsky. Isso, por si
só, valeu a viagem. Aliás, em termos de “valeu a viagem”, há também a
magnífica mostra de Edward Hopper, sem falar na nova montagem de
“Pippin”, cujas riquezas da coreografia e da expressão corporal
dispensam o resto. Não é preciso entender, basta ver para se deslumbrar.
Mas
o que causa mesmo inveja a um carioca são a segurança e a ordem da
cidade. Andando nas últimas semanas pelas ruas de Manhattan, não tive um
sobressalto, uma ameaça, não vi um avanço de sinal, não ouvi uma freada
brusca, um buzinaço estridente. Isso deve acontecer, claro, mas como
exceção. A comparação é tanto mais chocante quando você volta e encontra
a Cinelândia, palco de eventos cívicos memoráveis, transformada em
campo de batalha. De um lado, a polícia usando todo tipo de truculência
contra professores. Uma professora de História repete por e-mail o que
ouviu dos policiais: “Vamos acabar com esses filhos da puta (...). O
corpo estremecendo, os olhos lacrimejando e os ouvidos zunindo, já
surda, deixei o cenário. Cenário de guerra, arapuca de arame.” A
vereadora Teresa Bergher (PSDB), indignada com a violência policial,
resumiu: “Um dia negro para a democracia.” De outro lado, vândalos
depredando e saqueando bens públicos e até bares tradicionais como o
Amarelinho e o Vermelhinho. E, se não bastasse, xingando artistas na
entrada de um festival de cinema. O próximo ato deve ser queimar livros
em praça pública.
De parte a parte, uma marcha de insensatez que, pelo visto, deve continuar.
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