Simone Lima
Estado de Minas: 05/10/2013
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"Sete crianças achei na Praça Sete, em BH,
abandonadas, vivendo nas ruas não sei há quanto tempo. Crianças que
acabariam sem futuro. Peguei para criar e dar amor. Tenho filho preto e
filho branco, mas são todos filhos" - Sebastiana Geralda Ribeiro |
Portão aberto, fogão a lenha sempre aceso, cantoria e devoção. É assim na casa de Dona Tiana. Difícil saber quem mora ou não na residência, tamanha a intimidade dos amigos e vizinhos. No bairro Ana Rosa, também conhecido como Comunidade da Tabatinga, não tem pessoa mais conhecida. Com sorriso largo e simpatia, ela conta sua história. Aos 2 anos, Sebastiana saiu da casa dos pais, em Bom Sucesso, para viver em Bom Despacho com a avó. Chegou a se casar, mas ficou viúva aos 36, com 14 filhos: sete dela e outros sete de criação. “Sete crianças achei na Praça Sete, em BH, abandonadas, vivendo nas ruas não sei há quanto tempo. Crianças que acabariam sem futuro. Peguei para criar e dar amor. Tenho filho preto e filho branco, mas são todos filhos.”
Tiana trabalhou muito e viveu em várias casas até comprar um terreno na Tabatinga, lugar que antigamente era um quilombo, onde escravos se escondiam de fazendeiros. “Quando mudei para cá, na década de 1950, o povo tinha medo até de passar pela Tabatinga. Diziam que havia muitos ladrões aqui. Gente ruim. Mas não era. Eram negros fujões, os filhos e netos deles, descendente de escravos assim como eu.”.
Não chegou a frequentar escola, mas sabe ler, escrever e tem histórias guardadas na lembrança. Algumas tristes, como a da tia, que era escrava e teve a mão queimada pela sinhá porque havia provado um pouco de melado. Outras de pura superação, como quando formou um grupo de escola de samba na Tabatinga e confeccionou figurinos para 800 pessoas em 10 dias e 10 noites. “Minha amada Estrela de Ouro! Trouxe todo mundo para treinar no meio do mato. Quando parávamos, havia terra no olho, no cabelo, em todo os lugares. Mas foi assim, com a escola sacudimos Bom Despacho e abrimos a porta da Tabatinga para a arte.”
Uma das poucas mulheres no Brasil a comandar uma guarda de reinado, Tiana é capitã, há 75 anos, da guarda do Reinado de Moçambique e São Benedito. Na família, até os pequenos acompanham e sabem de cor a letra dos hinos, que falam do sofrimento e da fé do escravo. “O que mais me deixa chateada é que o negro, por mais bonito que faça, é visto como macumbeiro ou feiticeiro, nunca como artista. O congado é nossa cultura, arte, devoção. Tento manter tudo vivo dentro da família e na comunidade. Meu sonho é reunir todos os reinados da região.”
Dona Tiana, como é conhecida em Bom Despacho, Centro-Oeste de Minas, travou uma batalha para melhorar as condições de vida da comunidade na qual mora. |
Durante 22 anos, Tiana foi presidente da Associação do Bairro Ana Rosa. Graças a ela, mais de 90 famílias contam com água tratada, esgoto, energia elétrica, escolas e seu grande orgulho: a creche municipal. “Isso era tudo mato. Ajudei a melhorar aos poucos. Pedi aos prefeitos e as coisas começaram a dar certo. Mas não foi fácil. Já fiquei parada até na porta do Congresso para ser atendida e alguém me escutar.”
Tiana recebeu títulos em muitas cidades da região e, em 2005, foi homenageada na Assembleia Legislativa. Mas para esta neta de escravos, o que mais importa é ver família e amigos reunidos na cozinha, em torno de uma mesa farta e perceber que a luta valeu a pena. “Meus filhos tiveram estudo e os netos também estão nesse caminho. Felicidade para mim é ver a nossa associação funcionando, pedindo ajuda e lutando sempre. Hoje, conto com meus filhos para ajudar nesse trabalho. Quero melhorar muito ainda a vida desse povo.”
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