terça-feira, 5 de novembro de 2013

Além da imagem

Videobrasil celebra 30 anos com exposição e a mostra competitiva Panoramas do Sul. Novo longa do mineiro Eder Santos, Deserto azul, abre o festival amanhã em São Paulo


Gracie Santos

Estado de Minas: 05/11/2013 



Ficção científica de Eder Santos com Odilon Esteves, Deserto azul tem pré-estreia no Videobrasil. Diretor participou de 17 das 18 edições do festival ( Eder Santos/Divulgação)
Ficção científica de Eder Santos com Odilon Esteves, Deserto azul tem pré-estreia no Videobrasil. Diretor participou de 17 das 18 edições do festival

Ficção científica de Eder Santos com Odilon Esteves (foto), Deserto azul tem pré-estreia no Videobrasil.  ( Eder Santos/Divulgação)
Ficção científica de Eder Santos com Odilon Esteves (foto), Deserto azul tem pré-estreia no Videobrasil.


Os cenários de Deserto azul, novo longa de Eder Santos, que abre amanhã, às 20h45, em São Paulo, a 18ª edição do Videobrasil, é bom exemplo do que o evento experimentou nessas três décadas que está celebrando: a contaminação das artes e do cinema pelo vídeo (e vice-versa). O segundo longa do diretor, depois de Enredando as pessoas (1995), exibe durante a trama científica sobre um homem à procura de si mesmo, o que poderia ser considerada uma exposição de arte contemporânea. A cenografia vale-se de instalações do próprio diretor e de obras de gente como Adriana Varejão, Fernando Rabelo, Carlito Carvalhosa, Nydia Negromonte, Leandro Aragão, Fábio Delduque, Janaína Mello, Fernando Maculan, Rita Mayers, Tom van Vliet, Judith Witteman e do Optimat (comunidade de arte digital). Detalhe: nada é gratuito; o espectador nem perceberá que está “visitando” a mostra.

Solange Farkas, idealizadora e curadora do Videobrasil, explica o convite ao realizador mineiro para abrir o festival, que segue até 2 de fevereiro de 2014: “Uma das coisas bacanas de Deserto azul é que está ali o caminho que Eder construiu e faz parte da história do próprio evento, essa trajetória de inserção do vídeo nas artes plásticas até chegar definitivamente ao circuito das artes visuais. Quando ninguém achava possível pensar essa experiência, ele e Sandra Kogut faziam isso. Eder é o exemplo mais emblemático, participou de 17 das 18 edições. É uma espécie espelho bem-sucedido dessa trajetória.”

Criado em 1983 (desde 1992 tem o Sesc como correalizador), o Videobrasil passou por transformações. “Quando a videoarte apenas surgia na cena brasileira, criamos o primeiro festival voltado à modalidade, que participou, assim, de sua consolidação e de sua incorporação pelo circuito artístico”, lembra Solange. Mais tarde, abriu-se a outras manifestações da arte eletrônica em diálogo com o universo das instalações e a performance, entre outros desdobramentos. Desde 2011, abrange todas as linguagens artísticas contemporâneas.

Mata-burro

Em todos esses anos à frente do Videobrasil, Solange confessa que ainda sente culpa por não ter conseguido “emplacar” duas obras nas primeiras edições, os curtas Não vou à África porque tenho plantão (1990, 8min), do próprio Eder Santos, e Caipira in (1987, 18min), de Roberto Sandoval, Tadeu Jungle e Walter Silveira. “Briguei, mas fui voto vencido. Tinha gente careta na época, com o olhar voltado para a televisão”, diz a curadora. Entre casos divertidos, ela se recorda de uma edição em que Tadeu Jungle e Walter Silveira queriam colocar um mata-burro na entrada do Museu da Imagem e do Som (MIS). “Não deixaram, mas a responsabilidade foi minha, deveria ter batalhado mais”, afirma.

Durante os primeiros cinco anos, Solange tinha que submeter as obras ao Departamento de Polícia Federal para censura, papel exercido à época (em plena ditadura militar) pela temida Solange Hernandes. “Houve vídeos que nunca mostrei aos censores. Fazer TV pirata ou exibir seus conteúdos dava cadeia. Recebemos um vídeo da TV pirata do Rio, que era (e continua sendo) sensacional. Com montagens, eles mostravam o presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, ensinando a montar uma antena pirata, e o então superintendente da Polícia Federal, Romeu Tuma, ensinado a fazer baseado,” diz. Por exibir obras do tipo, Solange perdeu as contas de quantas horas passou escondida no banheiro do MIS, para não receber mandados da Justiça.

Monitores

Obras como essa poderão ser vistas por quem visitar a exposição 30 anos, em São Paulo, que terá linha do tempo com a evolução da criação de vídeo no país de 1983 a 2013. Haverá também uma instalação gigante, com 240 monitores de TV exibindo 20 horas de vídeos especialmente editados a partir de 5 mil horas analisadas. Uma polifonia de cenas, depoimentos, registros e intervenções, com nomes que vão de Nam June Paik, Kenneth Anger, Walid Raad, Chelpa Ferro e Peter Greenaway a Tunga e Waly Salomão. Quase 2 mil pessoas compõem o mosaico, entre artistas, curadores, críticos e público. A ambientação sonora é do coletivo mineiro O Grivo. A mostra competitiva Panoramas do Sul terá 94 artistas mostrando instalações, performances, desenhos, esculturas, fotografias, pinturas, livros de artista e vídeos. Nove trabalhos são mineiros: a escultura Galhos, de Alexandre Brandão; a pintura O russo, de Ana Prata; a fotografia Welcome home, de Gui Mohallem; a instalação Teoria das bordas, de Lais Myrrha; a performance O samba do crioulo doido, de Luiz de Abreu; a instalação 9493, de Marcellvs L.; a instalação Nascente, de Pablo Lobato; a fotografias Estatuto da divisão territorial, de Pedro Motta; e o vídeo Cordis, de Roberto Bellini e Sérgio Borges.
A instalação 30 anos reúne 240 monitores que exibem 20 horas de vídeo   (Videobrasil/Divulgação)
A instalação 30 anos reúne 240 monitores que exibem 20 horas de vídeo


Três perguntas para...

Eder Santos
cineasta e artista visual

Sua ficção científica viaja pelo universo interior de um homem. O mais longe que se pode ir é dentro de si mesmo? Para além do Atacama (onde o filme foi rodado), onde fica o seu deserto azul?

No mundo, na época em que Deserto azul está ocorrendo, o homem não tem muitos problemas como superpopulação ou violência... e o esporte já não existe. O próximo passo é procurar o desenvolvimento espiritual. É a nova era. A cor do deserto pode ser azul. Cada um pinta o seu deserto. Ou cada um encontra seu pintor no seu deserto. O primeiro passo é ir à procura, atrás da alma. O futuro chega de qualquer maneira. Como vamos chegar a ele é o que interessa. Quem procura sempre acha.

A tecnologia não engole a poesia em Deserto azul. O filme é viagem poética e filosófica. Não perder a ternura é fundamental?

Estou tentando contar uma história de uma maneira fácil, quero alcançar as pessoas. Não sei se vou conseguir. Mas estamos tentando, eu e todos os envolvidos. Queremos passar a ideia de que com emoção se chega a algum lugar. Mesmo em um mundo cercado de vida virtual.

Você trabalha com dois fotógrafos em Deserto azul (o paulista Pedro Farkas e o alemão Stefan Ciupek, que fotografou para Danny Boyle, de Quem quer ser um milionário?). Como foi somar esses talentos?

 O Pedro, além de ser meu amigo, é um dos melhores fotógrafos do cinema brasileiro e minha vontade era de trabalhar em película, então foi isso. Nossa amizade tornou possível ele acontecer no filme e o filme acontecer. O Stefan também apareceu como amigo primeiro, depois juntou todo seu talento ao projeto. O filme de alguma forma viraria uma produção digital e Stefan trouxe todo o seu conhecimento do cinema digital. Foi uma combinação que só poderia dar em um filme de ficção cientifica. A primeira “mineira”.

18º Videobrasil
Mostra 30 anos e mostra competitiva Panoramas do Sul. De amanhã a 2 de fevereiro de 2014 no Sesc Pompeia (Rua Clélia, 93, Pompeia) e no Cine Sesc (Rua Augusta, 2.075, Cerqueira César), em São Paulo. Entrada franca. Abertura das mostras às 19h30. Exibição de Deserto azul, às 20h45.

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