Aluno da UFMG detecta tumor a partir da distribuição de calor intraocular. Para isso, ele criou um sistema computacional de diagnóstico, que usa a fotografia por termocâmera
Felipe Canêdo
Estado de Minas: 05/11/2013
Avaliação do calor intraocular, contrapondo os diferentes tamanhos de tumor, que são exibidos nas isotermas do olho sadio, e nos olhos afligidos pelos tumores T1, T2 e T3 em sua proposição inicial |
Detectar tumores intraoculares por meio da medição de calor foi a ideia motivadora do projeto final de graduação do estudante de engenharia mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Matheus Silveira, de 23 anos, apresentado em julho por sua orientadora, a professora Adriana França, na Conferência Internacional de Engenharia Mecânica e Aeroespacial em Moscou, na Rússia. O trabalho deu origem a um artigo publicado no periódico Advanced Materials Research, sendo considerada a melhor apresentação oral na seção de análises térmicas da conferência. Foram inscritos mais de 500 trabalhos de pesquisadores de todo o mundo, sendo 129 aceitos, entre eles o do mineiro.
O câncer de olho é um tipo raro de tumor que tem um índice baixo de cura, afirma Silveira. "É uma doença silenciosa, que não tem sintomas. Quando eles aparecem, geralmente você tem que retirar o olho e se houver metástase a chance de óbito é grande", diz. Para auxiliar a pesquisa, o oftalmologista Pedro Ronaldo de Carvalho Filho foi consultado. Matheus acredita que o método é interessante, pois a detecção precoce é muito rara nesse tipo de doença. Segundo o estudante, uma das motivações para focar seu trabalho nesse tema foi o fato de os efeitos de tumores na distribuição da temperatura ocular terem sido pouco investigados na ciência. Dessa forma, seu objetivo era simular os efeitos térmicos de um tumor ocular na distribuição da temperatura no olho.
"O tumor foi simulado como um círculo, localizado na interface entre a esclera e o tecido vítreo, e as variações no seu tamanho foram avaliadas. Fizemos experiências com olhos sadios e os resultados comprovaram nosso trabalho. É muito complexo e muito difícil fazer experimentos com o corpo humano. Então, por isso é que tentar uma solução computacional hoje está cada vez mais popular", explica o estudante, que se forma no fim do ano. Os testes serviram para comparar dados de pesquisas já realizadas com os obtidos pelo método. Para estudar a propagação de calor em um olho humano o estudante construiu um olho de gel.
"Testamos esse método no olho, mas ele poderia ser usado na detecção de qualquer tumor superficial, como o de mama, por exemplo", avalia o estudante. Com o modelo computacional de diagnóstico, uma fotografia tomada por termocâmera, que capta o espectro infravermelho da imagem, seria a base para examinar um paciente com suspeita de câncer ocular. "É aquela visão que aparece no filme O predador, com o ator Arnold Schwarzenneger", brinca Matheus.
O aumento da temperatura do olho com um tumor varia de 0,2 a 0,5 grau centígrado e o que mais sofre é a córnea. Mesmo assim, todo o olho é alterado com o aumento de temperatura. A maior novidade da pesquisa é o modelo computacional desenvolvido especificamente para o olho humano. O trabalho matemático criado pelo estudante consistiu principalmente em adaptar equações já existentes, que descrevem fenômenos físicos com condições de contorno, para poder adequá-las ao problema proposto: detectar tumores intraoculares por meio do calor. Ele conta que se baseou em uma equação de biomecânica proposta por um cientista na década de 1940, e relata que uma dificuldade enfrentada na pesquisa é que não só o câncer provoca aumento da temperatura ocular. "A temperatura da mulher é diferente da do homem. Um homem mais gordo tem temperatura diferente de um mais magro. Uma inflamação provoca elevação da temperatura, então essa é uma ferramenta de pré-diagnóstico. Não tem como você simplesmente chegar para duas pessoas e tirar uma foto e dizer: ‘Você tem câncer e você não’", destaca. Para resolver a questão, seria preciso analisar o histórico do paciente, que pode ter uma temperatura ligeiramente elevada naturalmente, explica Matheus Silveira.
Uma vantagem desse tipo de procedimento, segundo o estudante, é que ele não é invasivo. "Você tira uma foto e o software a analisa. Depois, cabe ao médico interpretar as informações e avaliar se o paciente deve fazer outros exames ou não", conta.
RUSSOS A professora Adriana França conta que os russos são conhecidos por seu conhecimento em matemática no mundo e que vários livros de referência no campo da matemática foram escritos por eles. "No meio da apresentação em Moscou, um velhinho se levantou e queria saber detalhes da parte matemática e eu tive que pegar uma caneta e ir para um quadro explicar como fiz as condições de contorno", conta ela. Adriana afirma que não é comum que isso seja feito em apresentações de congressos científicos, mas diz que achou o episódio interessante.
Mas o mais curioso foi a forma como professora e aluno se conheceram. Foi na aula de transferência de calor ministrada por ela. A professora, fã de bandas de rock pesado, se divertiu quando encontrou uma resposta diferente em uma de suas provas. "Um estudante fez o raciocínio todo correto, mas errou as contas. A resposta deu coincidentemente 666, e ele escreveu a letra da música (do Iron Maiden) embaixo na prova. Cheguei à sala e perguntei ‘quem é o Matheus?’", conta Adriana. Durante um ano e meio o também metaleiro desenvolveu a pesquisa, com orientação da professora, o que resultou em um software experimental que usa fotografias de calor para detectar tumores oculares. A docente integra o comitê realizador da 5ª Conferência Internacional de Engenharia Mecânica e Aeroespacial, a ser realizada no ano que vem, em Madri.
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