Valor Econômico -
05/11/2013
Por Luciana Seabra e Danylo Martins | De São Paulo
Grande parte das empresas familiares acaba ou é vendida por causa de
conflitos societários mal resolvidos.
"Os herdeiros são sócios que não
se escolheram", diz Renato Bernhoeft, fundador da höft consultoria,
especializada na transição de gerações. Está aí o potencial para a
formação de um barril de pólvora, escondido 55pt, título de 2por trás de
uma relação idealizada entre parentes. Preparar filhos e netos para
herdar e gerir o patrimônio é uma preocupação crescente dos donos de
grandes fortunas. Atentos à demanda, os serviços de private banking
levam os herdeiros para a sala de aula, formando novas gerações de
clientes.
O Credit Suisse, que usa há oito anos a estrutura
mundial do banco para oferecer aos clientes um curso focado na sucessão e
governança familiar, em Zurique, prepara para este mês a primeira
versão brasileira do evento. O BNP Paribas também adaptou em setembro
para o Brasil seu evento de formação de herdeiros, geralmente realizado
em Paris. O Santander prevê para este mês o lançamento de um programa
voltado para a transição de patrimônio. HSBC, BTG Pactual e Citi estão
entre os bancos que já têm programas do tipo, todos com foco nos
clientes de alto patrimônio.
Em geral os gestores de fortunas
convidam filhos e netos de clientes que têm entre 20 e 30 anos para os
cursos que ocorrem de uma a duas vezes ao ano no Brasil ou no exterior.
Os temas vão de conjuntura econômica e instrumentos para sucessão a
regimes de casamento.
Com 25 anos, Lair Pasetti, herdeiro da
holding Grupasso, participou neste ano do curso oferecido pelo BNP
Paribas a 32 jovens. Pasetti começou como estagiário e hoje é gerente
geral da Plastirrico, fabricante de embalagens do grupo que produz
também o leite e o suco da marca Xandô. O fundador e presidente da
Grupasso, Lair Antonio de Souza, tem hoje 84 anos. "A vontade de deixar
unidas tanto as empresas quanto a família veio de cima, é uma vontade
dele", conta Pasetti, um dos oito netos do fundador, que teve quatro
filhos.
Começou neste ano o trabalho com consultores e advogados
para tentar por em prática o desejo de Souza. Os filhos criaram um
conselho para discutir o processo. Houve um treinamento de dois dias em
que as áreas da empresa foram apresentadas aos familiares. "Família é
família e negócio é negócio, mas todos são sócios, têm que participar,
entender e ter visão mínima do que se faz na empresa", afirma Pasetti.
No curso de herdeiros ele diz ter aprendido que existe uma ciência da
sucessão. Claro, é apenas um começo. "Saí dali com várias lições de
casa", diz.
Levar uma família a discutir o assunto da sucessão
não é tarefa fácil, diz Mauro Rached, chefe da área de gestão de
fortunas do BNP Paribas. Se o fundador não tem iniciativa, as gerações
seguintes podem ajudar. "A primeira forma é tocar no assunto não como
uma sugestão ou uma proposta, mas como uma dúvida", diz Rached. Filhos
ou netos com ideias semelhantes podem se unir na missão de trazer casos
de outras empresas para conversas nos almoços de família.
A
própria gestão dos recursos está entre as principais dúvidas dos
herdeiros, segundo Rached. Aí ele nota um contraste. Enquanto as
primeiras gerações têm mostrado grande interesse por títulos
incentivados, como LCIs e LCAs, os herdeiros são mais ousados. Entre os
assuntos de maior interesse estão o investimento direto em ações, os
fundos imobiliários e de private equity.
Entrar no debate da
herança logo cedo não desestimula os jovens a montar seu próprio
patrimônio? "O que a gente sempre propõe é a participação deles nas
decisões, mas isso não necessariamente envolve transparência em relação a
valores", diz Carolina Falzoni, responsável pela área de fundos
exclusivos da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG). Caso seja essa a
escolha da família, diz, é possível discutir veículos de investimento,
alocação e estratégias em profundidade sem ter que revelar o tamanho do
patrimônio.
Foi em 2008 que o Credit resolveu criar um curso para
conversar com filhos e cônjuges dos clientes. A ideia inicial, explicar
a crise econômica internacional e deixá-los confortáveis com a
volatilidade dos mercados, evoluiu para um curso geral sobre cenários e
tipos de aplicações. As aulas, de uma tarde, ocorrem duas vezes ao ano.
"O resultado é um cliente mais confiante com os investimentos dele e
mais seguro com as decisões", afirma Carolina. Em novembro o Credit traz
ao Brasil um curso focado em governança familiar.
O private
banking do Citi leva 50 herdeiros uma vez por ano para seminários de
cinco dias em Nova York, Londres, Cingapura e Hong Kong. Dentre os temas
estão mercados financeiros globais, empreendedorismo, inovação,
estruturas de sucessão, filantropia e investimentos alternativos. Três
brasileiros participaram do último evento em Nova York.
O Citi
busca reunir herdeiros de quatro regiões do globo. "Todas as famílias
bem-sucedidas querem entender o que as outras estão fazendo", diz Cesar
Chicayban, responsável pelo private bank do Citi no Brasil. Com o
programa, segundo ele, as famílias passam a ver o banco como parceiro,
não apenas provedor de produtos. "Um dos grandes desafios dessas
famílias é formar os herdeiros. A principal angústia delas é que as
famílias crescem em progressão geométrica, enquanto o patrimônio cresce
em progressão aritmética", afirma.
O HSBC também tem eventos em
que incentiva o relacionamento entre os clientes. "Muitas vezes os
clientes acabam fazendo negócios entre eles durante os eventos", conta
Gabriel Porzecanski, diretor de private banking do HSBC. É o que
acontece no "Family Enterprise", evento que o banco promove com
palestras e atividades para integrar famílias de diferentes países. A
expectativa é de que o programa venha pela primeira vez para o Brasil em
dezembro, com a participação de 25 pessoas. Desde 2007, o HSBC já
oferece no Brasil um curso para sucessores.
O Santander também
está prestes a lançar um programa de formação de herdeiros, com previsão
de realização da primeira edição em novembro, e focado em pessoas de 23
a 35 anos. "A preocupação é mostrar quais são os instrumentos, os
impactos e os cuidados necessários para garantir a transição do
patrimônio", diz Marcos Shalders da Silva, superintendente executivo de
private banking do banco. "A ideia surgiu quando percebemos que havia
certa dificuldade em lidar com o tema da herança", complementa.
Com
foco em empreendedorismo, o BTG Pactual realiza desde 2010 o evento
"Futuros Líderes". Durante três dias, os 50 participantes recebem
orientações sobre planejamento financeiro e como isso é vital para a
formação de um novo negócio. "Desenvolvemos também programas para que as
famílias entendam os processos de investimentos. O cliente fica dois
dias no banco para entender o mercado financeiro", diz Renato Cohn,
chefe da área de gestão de fortunas.
A ideia dos cursos não é
criar sucessores para comandar as empresas familiares, mas sócios
preparados. "Os herdeiros que mais criam problemas no processo de
continuidade são os mal resolvidos, que não têm projeto de vida ou um
sonho pessoal", diz Bernhoeft, que já na década de 80 levava herdeiros
para conhecer empresas familiares na Europa. Ele cita o caso do cineasta
Walter Salles, filho do fundador do Unibanco. O irmão dele, Pedro
Moreira Salles, é presidente do conselho de administração do Itaú.
"Quanto mais brilhante cineasta for o Walter, melhor acionista ele vai
ser, porque está realizado em outro lugar", diz Bernhoeft.
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