terça-feira, 5 de novembro de 2013

Por outros caminhos - Ailton Magioli

Depois de divulgar parte do repertório pela internet, Arnaldo Antunes concluiu a gravação e agora lança oficialmente seu 13º trabalho solo, batizado simplesmente Disco


Ailton Magioli

Estado de Minas: 05/11/2013 


Arnaldo conta que pretendia
Arnaldo conta que pretendia "algo conceitual" para questionar a produção fonográfica industrial



Longe de admitir que Disco mantém certo distanciamento de seus mais recentes lançamentos, como Iê iê iê (2009), Ao vivo lá em casa (2010) e Acústico MTV (2012), todos de pegada mais radiofônica, Arnaldo Antunes diz que o novo trabalho tem a intenção de mostrar certas pontas, diferentes talvez, de sua criação, tal como ocorreu com Um som (1998) e Saiba (2004). “Eu quis algo conceitual justamente para pôr em questão o que é um disco hoje”, justifica o ex-titã, lembrando que o consumo da música mudou com o advento da internet, ao mesmo tempo em que há um apego grande ao disco em si.

Disco chegou ao público via conta-gotas virtual, disponilizando na internet quatro faixas: Muito muito pouco, em junho; Dizem – Quem me dera, em julho; Ela é tarja preta, em agosto; e Vá trabalhar, em setembro. Enquanto isso Arnaldo estava ainda em processo de gravação do álbum, produzido por Betão Aguiar e Gabriel Leite, com direito a arranjos de cordas, metais e madeiras. Além de parcerias inéditas com João Donato, Caetano Veloso, Céu e Hyldon, Betão Aguiar, Felipe Cordeiro, Luê e Manoel Cordeiro, Márcia Xavier, Lenora de Barros e Mag, o 13º álbum solo de Arnaldo Antunes traz ainda composições com parceiros de longa data, como Marisa Monte e Dadi Carvalho e Nando Reis.

Tematicamente, o cantor e compositor admite a existência de elos entre as composições – “Uma conversa meio com a outra”, diz –, ainda que algumas, em sua opinião, tenham um “olhar crítico mais contundente”. Verdade que há faixas não tão inéditas assim. O fogo, com João Donato, por exemplo, já havia sido gravada pelo parceiro no disco que ele fez com Emílio Santiago. Com parte mais serena de canções e outra de rock mais pesado, Disco tem tudo para conquistar segmentos diferentes de fãs do ex-titã.

Apesar de ter começado a gravação com a banda com a qual vem se apresentando, atualmente, aos poucos Disco foi-se abrindo para diferentes sonoridades, o que levou Arnaldo a convocar convidados como Daniel Jobim (piano) e Mônica Salmaso, além de uma novidade no trabalho do artista: a participação de um quarteto de cordas e naipe de metais, com os quais ainda não havia trabalhado antes. Edgard Scandurra, Chico Salém, Davi Moraes e Pedro Sá (guitarras), Curumim (bateria) e Marcelo Jeneci (teclados e sanfonas) completaram o time de músicos no estúdio.


Domínio pleno

Kiko Ferreira
Publicação: 05/11/2013 04:00
Plural e multifocal, Disco tem vários sentidos. Numa época em que, paradoxalmente, o disco de vinil volta a ser moda e a maioria dos seres humanos costuma baixar e ouvir música a música, em ordem randômica, em dispositivos móveis, sem se preocupar com ordem, ele soa atual e antigo. Agora ele chega às lojas reais e virtuais com o CD completo, com 15 faixas e uma ordem de audição que remete aos bons tempos em que os álbuns musicais tinham roteiro, coerência, consistência.

Já que a proposta inclui a possibilidade de imersão numa rota determinada, vale a pena ir a ela. E experimentar suas possibilidades de clima, tons e referências. Arnaldo usa estratégia semelhante à do ex-Sex Pistol Johnny Rotten, que ao assumir a identidade de Johnny Lydon e criar seu Public Image Limited pôs no mercado, em 1986, um disco que se chamava Album na versão em vinil e assumia o título de Cassette e CD nos outros formatos. Mas, ao contrário do punk Joãozinho Podre, não se restringe a um gênero, um ritmo, um estilo.

Arnaldo destila referências, reafirma e inaugura parcerias e exibe versatilidade invejável. A primeira faixa, O fogo, tem uma pegada meio bossa (sensação reforçada com a presença do piano de Daniel Jobim) e tem uma letra quase zen de João Donato: “Um cigarro dura menos do que uma estrela/ o cigarro apaga/ a estrela apaga/ o fogo não tem fim”.

O ex-titã surge entre o rock e o iê-iê-iê em Muito muito pouco, com a surpresa de ser a primeira das faixas com direito a um quarteto de cordas, arranjadas por Ruriá Duprat, sobrinho do tropicalista Rogério Duprat. Com melodia que lembra seu hit Socorro, Dizem (Quem me dera) recupera a parceria com Marisa Monte e Dadi. E Ela é tarja preta é um flerte com o fenômeno tecnobrega, com direito a guitarra de Felipe Cordeiro.

Com Hyldon e Céu, colegas num programa da antiga MTV, Arnaldo divide autoria e vozes da suingada Trato, com metais em brasa a cargo do mesmo Duprat. Sou volúvel recupera o tema dos perigos de ideia e palavra e é mais uma com Marisa e Dadi. Fosse um LP, a última do “lado A” seria Morro, amor, belíssima e inédita parceria com Caetano Veloso feita há cinco anos para um filme de Guel Arraes.

O “ lado B “ abre com Vá trabalhar, rock composto no início dos Titãs, que só agora vem ao mundo. A mulher de Arnaldo, Márcia Xavier, é parceria na composição e na interpretação de Azul vazio, com melodia adequada à letra, que trata de água, rio, cachoeira e um olho d’água que “brota, espelha, molha o azul do céu”. Um dos temas da moda, a burocracia do funcionalismo público, é alvo de outro tema titânico, Ah, mas assim vai ser difícil. Igualmente política é Querem mandar, mais uma com Dadi e Marisa Monte e com cordas fornecidas por Duprat.

A jornada vai chegando ao fim quando surge o que talvez seja a maior surpresa: uma versão de Mamma, gravada originalmente em inglês por Gilberto Gil em um disco clássico feito em Londres em 1971, com letra em português de Arnaldo e uma pegada de power trio fiel ao original, com o trompete de Guizado dando tempero extra.

A voz de Mônica Salmaso é o elemento surpresa de Oxalá chegar, um canto de reverência aos orixás de quem fica no canto para escutar os cânticos do gênero. Na reta final, duas composições contrastantes. Sentido, parceria com Nando Reis, é um rock bem Titãs, com Charles Gavin na bateria, Scandurra na voz e guitarra poderosa de Pedro Sá. Fechando o ciclo, e meio que voltando ao clima inicial, Acalanto para acordar oferece conforto, tranquilidade e garantia de pouso suave a quem aceitou embarcar na jornada consistente e rica de um artista com pleno domínio de seu ofício.

Sem data em BH
O show de lançamento de Iê iê iê (2009), álbum de inéditas anterior a Disco, foi em Belo Horizonte. Por ora, o novo trabalho de Arnaldo Antunes não tem apresentação marcada na capital mineira. O cantor e compositor paulista estreou a turnê há menos de um mês. Passou por Salvador, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Até o dia 9 o  ex-titã cumpre temporada no Sesc/Belenzinho, em São Paulo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário