Água de bispo - Carlos Herculano Lopes
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Estado de Minas: 22/11/2013
Os mais velhos, donos
de boa prosa, contavam que nos primeiros anos do século passado, para
cumprir missão evangelizadora, chegou a Coluna, vindo da diocese de
Diamantina, depois de sete dias de cansativa viagem a cavalo tomando sol
e muita poeira, um bispo ainda jovem, cujo nome se perdeu no tempo.
Naquela cidade, que na época não passava de um pequeno arraial encravado
entre as montanhas, o raro acontecimento foi celebrado com pompas e
circunstâncias: teve comitiva de cavaleiros, que seguiu para se
encontrar com o religioso quando este se aproximava, soltaram-se
centenas de foguetes de vara encomendados especialmente para a ocasião,
contratou-se banda de música do Rio Vermelho, as crianças se vestiram de
anjo. Enfim, fizeram uma grande festa.
Contava-se também que,
entre as atribuições do bispo, que de Coluna deveria seguir viagem para
outros lugares até o retorno a Diamantina, uns dois meses depois, estava
a de realizar dezenas de casamentos, devido ao mau costume do gentio de
viver amasiado, além de fazer batizados, ministrar crisma, confessar o
povo, rezar contra a cachaça e benzer casas para livrá-las de uma praga:
os cupins. Eles existiam em tamanha quantidade que as más línguas
chegaram a apelidar a vila de Santo Antônio do Cupim. Eram tão infernais
que, anos antes, até uma igreja conseguiram jogar no chão. Nem é
preciso dizer: fazer alusão ao fato perto de um colunense era correr o
risco de levar uma surra.
Mas nada disso, como diziam os mais
velhos, iria se comparar aos próximos acontecimentos, quando o bispo,
depois de chegar morto de cansado, queixando-se de forte dor de cabeça
devido à inclemência do sol, foi tomar um banho. De bacia, mas com água
quente. Pois donde já se viu um homem de tamanha envergadura física e
moral ir se lavar no rio como os outros?
Especulou-se ainda que,
como era muito gordo, o pobre coitado deve ter tido o maior trabalho
para se acomodar dentro da tal bacia. À noite, depois que fosse
celebrada a missa solene e realizada a cerimônia de beijação do anel,
seria servido banquete em sua homenagem com a presença dos principais do
lugar. Quantas leitoas e frangos foram mortos, além da variedade de
doces, é impossível saber.
Mas nada disso, como também relatavam
os mais velhos, se compararia ao pós-banho: as mulheres da casa onde
Sua Eminência ficara hospedado, em vez de jogar a água fora tiveram a
ideia de engarrafá-la, pois água de bispo, mesmo um pouco suja devido à
viagem, devia de ser sagrada.
Falava-se ainda que durante vários
meses, até que todo o conteúdo das garrafas se findou, com gente vindo
de longe buscar um pouquinho, aquela água era passada em feridas,
ajudava a fechar buracos de bala ou faca e abreviava partos quando o
bebê estava encroado. Ou até mesmo no caso de muita lombriga e úlcera
supurada, quase sempre com ótimos resultados, para se tomar um golinho.
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