Valor Econômico - 22/11/2013
"Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época
de 1920 em diante. Por isso é polymorpho, omnipresente, inquieto,
cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado feliz." Com essas
palavras e algumas outras, uma carta assinada pela redação apresentava o
periódico que viria movimentar a cena paulistana do modernismo entre
1922 e 1923.
Lançada três meses depois da Semana de Arte Moderna, a publicação
mensal durou só nove números, mas foi suficiente para abrigar poemas,
manifestos, polêmicas e ilustrações do grupo mais célebre de
intelectuais do período: Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida,
Graça Aranha, Oswald e Mário de Andrade, Sérgio Milliet, entre outros.
Passados 90 anos, um projeto do Instituto de Cultura Contemporânea
(ICCo) com a Cosac Naify vai reeditar as revistas. Uma caixa com
fac-símiles das nove edições chega às livrarias na quarta-feira (R$ 90),
tornando acessível sua experimentação linguística e gráfica, o conteúdo
vanguardista e seus princípios combativos. Entre suas pérolas figuram
críticas de cinema de Mário de Andrade, ilustrações de Tarsila do
Amaral, partituras de Heitor Villa-Lobos e publicidade com estética
futurista.
"A Semana foi um evento espontâneo e imprevisto. Não tinham uma
proposta clara para levar, só sabiam bem o que não queriam", lembra a
pesquisadora Marcia Camargos, autora de "Semana de 22". "Passada a
Semana, precisavam sedimentar aquelas ideias e a revista surge muito
nesse sentido."
Até agora, o periódico existia apenas no acervo de pouquíssimas
bibliotecas e numa reedição dos anos 70 esgotada. Criada a partir dos
originais mantidos na Biblioteca Brasiliana José e Guita Mindlin, da
USP, a nova edição levou quase um ano para sair do forno. "A comemoração
dos 90 anos da Semana funcionou como ponto de partida", diz Daniel
Rangel, diretor-artístico do ICCo e mentor do projeto. "Existe uma
dificuldade de encontrar a 'Klaxon'. Para vê-la na Brasiliana é preciso
agendar, estar acompanhado pela bibliotecária. É um material que está
protegido, mas era praticamente inacessível ao público."
O processo envolveu escolhas editoriais. A principal foi a de manter
as manchas e marcas que o tempo imprimiu nos originais. Outra foi a de
grampear à mão cada exemplar, como se fazia na época. Além dos nove
números, a caixa contém encarte de textos e um número extra - edição
fictícia concebida pelos artistas Marilá Dardot e Fabio Morais a partir
da fusão e sobreposição dos volumes da "Klaxon" original produzindo
emaranhado gráfico e síntese visual.
Instituto privado, o ICCo é presidido por Regina Pinho de Almeida,
descendente distante dos modernistas Guilherme e Tácito de Almeida. A
relação familiar foi outro elemento que motivou a reedição, que tem
patrocínio do banco suíço UBS. "Nem a Casa Guilherme de Almeida tinha os
originais", conta Rangel. Das 2 mil caixas, mil serão vendidas e mil
distribuídas pelo UBS.
É a Casa Guilherme de Almeida, em Perdizes, que sediará o evento de
lançamento na quarta. Aberto ao público, um sarau ao estilo modernista
mistura leitura de poemas e canções, com participação de convidados
ilustres como Augusto de Campos. Entre as canções previstas, está o
"Hino dos Grupo do Gambá", entoado nos festivos encontros dos
modernistas na casa de Olívia Penteado.
"Klaxon" era feita com as despesas divididas entre os colaboradores,
precária venda avulsa - Sérgio Buarque de Holanda era o representante de
vendas no Rio - e praticamente nenhuma assinatura. Sem um corpo de
redação fixo, pretendia-se um coletivo, embora coubesse a Rubens Borba
de Moraes o posto de homem-chave, cuidando desde a parte burocrática até
a articulação, e a Mário de Andrade a direção da turma que se reunia no
escritório de Tácito de Almeida e Antônio de Carlos Couto de Barros.
"Entre os periódicos modernistas, 'Klaxon' foi a primeira e uma das
mais importantes. Surge num momento mais agressivo da vanguarda, numa
espécie de continuidade dos combates da Semana", diz Ivan Marques, autor
de "Modernismo em Revista", lançado neste ano. "Com exceção da 'Revista
de Antropofagia', de 1928, os periódicos que vieram depois se
concentram mais no debate do que no combate."
Sobre o fim da revista, Marcia lembra das dificuldades financeiras
somadas a desentendimentos no grupo: "As discordâncias foram aparecendo,
com alguns dos integrantes do grupo caindo à direita, outros à
esquerda, já anunciando o rompimento que se daria mais adiante. A
revista era difícil economicamente. Seria preciso um grupo muito coeso
para que tivesse se mantido".
"A imaginação publicitária da revista, que fez história por seu
arrojo, fracassou em seu intuito primordial: os anunciantes não gostaram
das novidades e deixaram de contribuir", escreve Marcos Augusto
Gonçalves, autor de "1922: A Semana Que Não Terminou", no encarte de
textos críticos da caixa.
O ICCo deve manter a parceria com a Brasiliana e reeditar um novo
título, a ser definido. "O plano é reintroduzir à circulação documentos
importantes da arte moderna e contemporânea brasileiras", afirma Márion
Strecker, diretora de comunicação do instituto, lembrando que a
existência curta é uma espécie de sina das revistas de arte no Brasil.
"Até hoje, foram pouquíssimas as que conseguiram passar do primeiro
ano", comenta Márion, que nos anos 80 coeditou a revista "Arte em São
Paulo", com Lisette Lagnado e Luiz Paulo Baravelli.
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