sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O mineiro genial - Walter Sebastião


Estado de Minas: 22/11/2013 

Obra de Lorenzato ganha destaque em projeto do especialista Laymert Garcia dos Santos, que organiza individual do artista em São Paulo. Pintor belo-horizontino é comparado a Guignard


Walter Sebastião



O Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar um pintor desse porte - Laymert Garcia dos Santos, curador (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
O Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar um pintor desse porte - Laymert Garcia dos Santos, curador


 “Lorenzato é um pintor da estatura de Guignard e Volpi. Não é artista regional e não pode ficar restrito a nome conhecido em Minas Gerais. Ele tem categoria internacional. O Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar um pintor desse porte”, defende Laymert Garcia dos Santos, sociólogo com vários livros publicados. Ele tem escrito sobre artistas brasileiros e de outros países para instituições importantes ligadas às artes visuais, como a Fundação Cartier e a Tate Modern.

Curador da segunda mostra individual de Lorenzato em São Paulo, que ficará em cartaz em março na Galeria Estação, Laymert esteve em Belo Horizonte para conferir obras do pintor mineiro. “Precisava de uma visão ampla da produção, pois ele trabalhou durante meio século”, explica. Até então, Laymert conhecia três dezenas de trabalhos, alguns desenhos e aquarelas, além de livros sobre Lorenzato e a entrevista inédita concedida por ele às artistas Germana Monte Mor e Solange Pessoa.

Laymert voltou para São Paulo satisfeito, depois de conferir cerca de 200 trabalhos. “Foi o início de uma paixão. A grandeza de Lorenzato aparece no que é um paradoxo: a simplicidade complexa da composição. Aparentemente, é pintura proveniente de olhar modesto e despretensioso, mas se trata de uma visão direta do mundo. Ele pinta o que vê, não o que imagina, transformando esse encontro em acontecimento pictórico”, elogia. “É um artista inimitável”, resume.

O pesquisador compara Lorenzato a Paul Cezanne, pois ele também estuda os motivos que pinta por meio de desenhos e aquarelas, buscando captar atmosferas com estruturação e presença concreta. Para Laymert, o mineiro, com fartura pictórica e cor, “traduz para o espectador, com precisão de percepção, o encantamento com o mundo que é dele”.

A peculiaridade dessa visualidade remete à lida de Lorenzato com materiais da pintura enquanto trabalhava na construção civil. Uma viagem à Itália, porém, permitiu-lhe conviver com obras de Michelangelo, Masaccio, Leonardo da Vinci e Cimabue, especialmente. Dessa experiência veio o contato com os princípios do afresco – técnica retrabalhada de modo pessoal pelo mineiro.

CONTEMPORÂNEO “Lorenzato é arte contemporânea que escapa a rótulos”, garante Laymert. A expressão sinaliza o cuidado em não aprisionar o pintor em categorias. Ele chama a atenção tanto para a singularidade do mineiro quanto para preconceitos e equívocos inerentes a rótulos. Atualmente, reforça o curador, busca-se outra caracterização para a arte contemporânea. “Vêm sendo revistas as fronteiras entre o erudito e o popular, entre o periférico e o mainstream, entre o que é ou não étnico. Acabou a hegemonia das definições de arte a partir de critérios ocidentais”, avisa.

De acordo com ele, são consideradas arte contemporânea tanto obras vindas da tradição ocidental quanto aquelas ligadas ao universo da etnologia e de instituições etnográficas. “A contemporaneidade é composta de várias temporalidades distintas, vindas de lugares e culturas diferentes”, enfatiza. Para o sociólogo, reações como incompreensão, preconceito, desconhecimento e a falta de estudos sobre várias manifestações artísticas se devem ao fato de essa produção não caber no sistema da arte com referências tradicionais. “Para mudar essa mentalidade é preciso levar criações a sério, profundamente, com olhar sem preconceito e analisando a consistência da obra”, conclui.

Ex-diretor da Fundação Bienal de São Paulo e coordenador do Laboratório de Cultura e Tecnologia em Rede do Instituto Século 21, Laymert Garcia integra a rede mundial de especialistas do Humboldt Forum. A instituição desenvolve projeto ambicioso: um centro de culturas não europeias que será instalado na praça central em Berlim, na Alemanha.

O pintor belo-horizontino Amadeo Luciano Lorenzato com os pais (Acervo Paulo Laborne)
O pintor belo-horizontino Amadeo Luciano Lorenzato com os pais

SAIBA MAIS

DE BH À ITÁLIA

Filho de imigrantes italianos radicados em Minas Gerais, Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995) trabalhou na construção civil em BH, onde nasceu. Ele pintava temas decorativos em residências. Na década de 1920, voltou para a Itália e frequentou a Real Academia de Arte de Vicenza. Na Europa, conviveu com os artistas plásticos Cornelius Keesman e Gino Severini, além de frequentar cafés onde Picasso e Matisse eram habituês. Lorenzato voltou definitivamente ao Brasil durante a 2ª Guerra Mundial. Morou em Petrópolis e em BH, onde se dedicou à pintura artística.
EM CARTAZ
Pequena mostra de desenhos e aquarelas de Lorenzato será aberta amanhã, às 10h, na Manoel Macedo Galeria de Arte (Rua Lima Duarte, 158, Carlos Prates). O conjunto traz trabalhos da primeira metade dos anos 1970. Publicados em livro, esses registros das andanças do artista por BH nunca ficaram expostos. A mostra pode ser conferida até 20 de janeiro. O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e aos sábados, das 10h às 14h. Informações: (31) 3411-1012.

Lorenzato (1900 - 1995)

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