domingo, 19 de janeiro de 2014

EM DIA COM A PSICANÁLISE » O valor de uma ovelha‏

EM DIA COM A PSICANÁLISE » O valor de uma ovelha 

"Falo pelos clientes e também pelos médicos, todos fomos devorados pelo poder" 
 
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 19/01/2014


Diante de certos acontecimentos, fico me perguntando sobre o valor das pessoas. O fato de vivermos com densa população nos centros urbanos provoca fenômenos que só podemos jogar na conta do nonsense, tão falado pelos teóricos da pós-modernidade. Simplesmente não tem sentido as pessoas não valerem mais que os objetos.

Vejam que na nossa época infelizmente o dinheiro vale muito mais do que as pessoas. Dizem que alguns até venderiam a própria mãe por ele, talvez um exagero, mas de fato a corrupção inextinguível e tão arraigada a nossa política mostra que o poder e a ganância estão à frente de qualquer valor humanitário, e justamente de onde mais se esperava que ele fosse defendido.

Vejam a falta de lógica. Como se explica um médico fazer uma prova dificílima para entrar para o plano de saúde, como o da Unimed, se encher de clientes que, pelo volume, ele não conhece nem reconhece, nem sequer sabe se tiveram piora ou melhora com o tratamento e ainda assim ficar satisfeito e realizado no exercício da profissão que abraçou?

Com o tempo a realidade, mestra em desconstruir paixões e ilusões, não perdoa nem engana os que querem ver a verdade. O tempo o torna insatisfeito e, claro, ele há de perceber que para receber o que precisa para viver tem de atender em massa, pois o valor das consultas é irrisório. Estará trabalhando por vocação ou pelo dinheiro?

Consultas baratas o impedem de dar retornos, preparar os ajudantes e auxiliares, saber se o tratamento foi correto, se o diagnóstico acertado. Por sua vez, o cliente desassistido cura ou permanece na busca da sorte grande, pois é humanamente impossível neste sistema de saúde atual ter um médico que de fato lhe cuide. Nem estou falando da saúde pública, mas de uma saúde privada que pegou o jeito da outra!

E em pronto-atendimento o que vale um entre mil na espera? Então, uma pessoa passa 10 anos estudando para estar apta e a prática está tão distante da vocação. Ninguém pode desejar uma qualidade de vida desta. Falo pelos clientes e também pelos médicos, todos fomos devorados pelo poder. O poder do capital, de uma vida impossível fora desse sistema.

Médicos e clientes tornaram-se objeto de um sistema que desvaloriza o ser humano, embora paradoxalmente a proposta inicial tenha sido saúde à disposição de todos, mas o próprio sistema trata, ele mesmo, de corromper seus princípios.

O mesmo eu diria de pessoas de uma comunidade religiosa evangélica ou mesmo católica, que, desejando converter o mundo, cresce a galope, faz cultos de massa. Tínhamos antes pequenas igrejas evangélicas, que orientavam ali seus poucos fiéis com um bom pastor. Este, conforme a Bíblia Sagrada ensina a ser o vero bom pastor, percebendo que uma de suas ovelhas se perdera, deixava ali todo o rebanho e saía em busca daquela “zinha” perdida e a encontrando festejava alegremente.

Hoje, quem pode ter controle de tantas pessoas? Quem pode saber se alguém faltou? Quem dá valor a uma alma que se perdeu? Alguns pastores, mesmo sabendo dos problemas de algum membro, nem assim se abalam em busca dele. Outros consideram certos problemas bobagens. Esquecem que o que é bobagem para um pode não ser para outro, esquecem que acolher o débil, o frágil, o que sofre é a missão cristã.

Não quero aqui fazer apenas crítica a todos os sistemas de massa atuais. Eles ainda funcionam, mesmo que precariamente, no quesito valor da pessoa. Pelo menos tentam, mas talvez seja mesmo impossível atingir a perfeição. Do um a um, do amparo e acolhimento sustentados, valorizando o humano como prioridade máxima e acima do corporativismo, do poder político, financeiro e expansionista.

Na realidade, enfatizo com esses exemplos exatamente o quanto somos um grãozinho de areia na imensidão, e mesmo nos propondo valorizar tanto nossa existência, sofremos golpes narcísicos constantes, que nos remetem a nosso lugar de pó.

Seria muito confortante criarmos sistemas mais eficientes para nos promover um alento, acolhimento, mas cada proposta culmina quase em afirmar cada vez mais nosso pouco valor. Sistemas que tentam, enfim, dar conta de um impossível real cujo furo talvez possamos apenas bordejar melhor.

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